Arquivo da tag: Cultura Digital

A História por trás de uma Fotografia

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Uma fotografia representa sempre um recorte, um enfoque de algo que se quer destacar, na exata medida em que exclui o seu extraquadro. Uma fotografia é sempre o produto da intenção de um fotógrafo que nos dirige o olhar e nos aponta o que deseja pôr em relevo.

A maioria destes registros são compostos pela habilidade técnica de um especialista que se soma a um conjunto de oportunidades. O famoso: estar na hora certa, no lugar certo.

Fico fascinada com vários destes registros, pois congelam um momento que se tornará histórico para a posteridade e nos dará a exata sensação (ainda que irreal) de estarmos vivendo aquele momento e compondo com ele um registro que se cristaliza, muitas vezes nas nossa memórias, e até de toda uma sociedade ou geração. O poder de um registo iconográfico que alcança milhões e dá a todos estes o sentido de pertencimento é algo muito interessante.

O registro que escolhi para falar faz aniversário: foi em 5 de Março de 1960 que um dos retratos mais icônicos e mais reproduzido da história da fotografia foi tirado. O fotógrafo cubano conhecido como Alberto Korda (em verdade chamava-se Alberto Díaz Gutiérrez) produzia o retrato de Che Guevara intitulado posteriormente de “Guerrillero Heroico”. Um registro icônico, pois tornou-se símbolo cultural de toda uma época e que transcendeu em muito a luta socialista travada em Cuba naqueles anos.

Odiado por uns, admirado por outros esta imagem foi composta e recomposta de diferentes maneiras. Recortada, colorida, colada de diversas formas tornou-se botons, bandeiras, camisetas, canecas, banners, cartazes. Ganhou uma dimensão e um espaço no território do simbólico e tornou-se para muitos símbolo de resistência, idealismo, reverência, luta contra desigualdades e busca por justiça social. O registro fotográfico desta forma ganhou muitas camadas de significação e seu território de apropriações transitam por áreas culturais, ideológicas, sociais, politicas, antropológicas.

Da mesma forma e com a mesma voracidade é combatida, desprezada , insultada, ofendida e atacada por outros tantos.

E assim, o registro foi muito além de si próprio, e se tornou por meio de sucessivos compartilhamentos e usos uma forma de expressão.

Mas, como citado acima, nenhum registro sai de um vácuo obscuro. Ele próprio possui uma história, uma gênese. E é ela que abordaremos a seguir.

Um fotógrafo e sua obra

O momento do registro era uma solenidade realizada em memória de mais de 100 pessoas que haviam morrido em uma explosão de um cargueiro que havia partido da Bélgica em direção à Havana carregando 76 toneladas de armas e munições. O cargueiro chamava-se La Coubre.
Foram duas explosões com intervalo de mais ou menos 30 minutos, enquanto o cargueiro era descarregado.

Che Guevara estava em uma reunião no Instituto Nacional de Reforma Agrária, e como médico seguiu imediatamente para atender as vítimas.

Em pouco tempo ficou claro que havia sido um atendado patrocinado pelos EUA e que tinha um infiltrado que causou a “revolta”.

Durante a cerimônia no Cemitério Colón, o fotógrafo Korda (Havana, 1928 – Paris, 2001) se impressionou com o semblante de “implacabilidade absoluta” de Che Guevara, “cheio de pura raiva pelas mortes que ocorreram no dia anterior”. Descreveu o registro como sendo um “um instante de sorte”.
Em suas palavras:

Encontrava-me num plano mais baixo em relação à tribuna, com uma câmara fotográfica Leica de 9mm. Em primeiro plano estavam Fidel, Sartre e Simone de Beauvoir; Che estava parado atrás da tribuna. Houve um instante em que passou por um espaço vazio, estava numa posição mais frontal, e foi aí que em segundo plano emergiu a sua figura. Disparei. Em seguida, percebo que a imagem é quase um retrato, sem ninguém atrás. Volto a câmara na vertical e disparo segunda vez. Isto em menos de dez segundos. Che afasta-se então e não regressa aquele lugar. Foi uma casualidade…”

Fotógrafo oficial do jornal “Revolución” nesta ocasião Korda fez dois registros (uma foto horizontal e uma vertical, mas descartou a segunda porque sobressaia uma cabeça atrás do ombro de Guevara) que entretanto não foram utilizadas pelo jornal. Assim o famoso negativo permaneceu guardado por vários anos em meio a outros tantos registros, totalmente desconhecido pelo público em geral. Era apena mais um registro entre tantos do acervo pessoal do fotógrafo.

Korda e sua obra

Os negativos ficaram assim guardados até o ano de 1967, logo após a morte de Che Guevara, quando Korda cedeu os negativos gratuitamente para editor italiano Gianfranco Feltrinelli, que editou e espalhou as imagens em cartazes.

Um ano depois em 1968, o artista plástico irlandês Jim Fitzpatrick usou a fotografia para criar uma imagem em alto contraste e a registrou em domínio público com autorização do autor.
Nas palavras de Fitzpatrick:

“Fiz alguns pôsteres dela, mas o que importa, o preto e vermelho que é familiar para todos, o mais emblemático, esse foi feito após o assassinato e a execução (de Che) como prisioneiro de guerra, para uma exibição em Londres chamada Viva Che. O Che é muito simples. É um desenho em preto e branco ao qual acrescentei o vermelho. A estrela foi pintada à mão de vermelho. Graficamente é muito intenso e direto, é imediato, e é isso que gosto nele”, revelou Fitzpatrick.

Assim a imagem de Korda ganhou o mundo.

A partir deste momento este registro ganhou uma dimensão impensada até então, transformando-se em uma das maiores referências culturais e visuais da história contemporânea. Alguns chegando a cravar que seria uma espécie de ‘Mona Lisa’ do século XX.

Com isso, o registro ganhou nome de batismo e atravessou os muros do seu próprio contexto de produção.

O “Guerrillero Heroico” ganhou status revolucionário que despertava ao mesmo tempo amor e ódio, usos e abusos. E absolutamente conheceu estampas em diferentes objetos, suportes, campanhas para diferentes produtos, foi até inspiração para serigrafias de Andy Warhol e foi mimetizada em capa de álbum da Madonna.

Com direitos de uso de imagem doados por Korda a imagem não conheceu limites e se tornou para sempre uma referência no imaginário de todos: apoiadores ou detratores de todo o seu ideário revolucionário.

Para a pesquisadora Maria-Carolina Cambre: “o Guerrillero Heroico está sempre em movimento, passa pelo reino do simbólico ao sintomático e oscilante entre esses tipos de classificações, enquanto rejeita esses tipos de quadros. Em outras palavras, a força do apelo de Guerrilheiro Heroico quebra o quadro”.
Em sua perspectiva, “enquanto as indústrias da moda trabalham para diluir o poder simbólico da foto e despolitizá-la, outros a reinvestem com significados emancipatórios e políticos”.
“A imagem de Che Guevara representa mais do que apenas um rosto. É uma imagem que se tornou um símbolo e assumiu diferentes funções sociais, culturais e políticas. Foi reverenciado, desprezado ou realizado em procissões”, relatou a pesquisadora.

Pesquisadora Maria-Carolina Cambre

Todos estes usos só foram possíveis a partir da perspectiva de Korda sobre tais usos.
Falando sobre os motivos que o levaram a nunca cobrar direitos sobre o uso da imagem, respondeu em entrevista ao jornal australiano Herald Sun:

Como defensor dos ideais pelos quais Che Guevara morreu, não sou avesso à sua reprodução por aqueles que desejam propagar sua memória e a causa da justiça social em todo o mundo, mas sou categoricamente contra a exploração da imagem de Che pela promoção de produtos como álcool ou para qualquer finalidade que denigra a reputação do Che”.

Che Guevara tinha na época deste registro 31 anos de idade, o que trazia ao registro imagético uma força e beleza própria da idade. Mas havia mais: sua personalidade carismática imprimia ao registro muito mais elementos. O retrato, portanto, o transcendeu e se transformou em algo muito maior do que ele mesmo era como pessoa física. Tornou-se um símbolo.
É portanto, icônica neste sentido.

Como conclui a pesquisadora citada acima:


Não estamos mais falando de alguém se apropriando da imagem de Che para fazer alguma coisa. Em vez disso — em nossa cultura recortada e colada de compartilhamento contínuo de sinais — podemos dizer que o rosto de Guevara se tornou uma interface coletiva e um canal de expressão”.

_________________
* Referências:
Os bastidores da lendária fotografia que eternizou Che Guevara
Fio produzido pelo perfil @historia_pensar
IFotoChanel – O maior Portal de Fotografia
Rezende, Eliana Almeida de Souza. ”Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”. An. mus. paul. [online]. 2007, vol.15, n.1, pp.115-186. ISSN 0101-4714. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142007000100003 
____________________________. “OLHARES SOBRE O TEJO: Benoliel, o fotógrafo de Lisboa

** Posts Relacionados:
Fotografia como Documento e Narrativas Possíveis
KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?
Nas ruas e nas redes: uma metodologia para análise da sociedade digital
Quino & Mafalda: Eternos

**
Siga-nos: 
No LinkedIn
No Pinterest

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

Redes sociais: domesticação dos sentidos e da criatividade

Há quase uma década venho me dedicando a analisar e escrever sobre o que as redes sociais tem feito, e/ou deixado de fazer, à sociedade dita digital.

Transcorrido o tempo tenho notado que a fórmula padrão iniciada com Facebook se repete de forma exaustiva, e mesmo tendo sido sucedida de tantas outras, tem encontrado um público usuário/consumidor que conseguiu piorar ainda mais aquilo que desde o início não era tão bom.

Retomo neste ponto ao papel que o Facebook teve em introduzir uma sociedade analógica ao viver digital, ao se transformar na primeira grande rede com alcance que superou tudo o que havia existido até então.

Mas em pouco mais de uma década o Facebook começou a conhecer o imobilismo criativo. Envelheceu antes mesmo de chegar à idade adulta.
Festejado em seus primórdios pelas possibilidades e potencialidades de conexão e compartilhamento social, usos dos mais variados, hoje sua plataforma parece ter encontrado a senilidade. Apesar de várias tentativas, e muitos escândalos, não tem conseguido reter usuários e a debandada aumenta dia-a-dia.

Apesar disso, e do Facebook ter sido sucedido por inúmeras outras redes, sua essência contaminou e moldou tudo o que o sucedeu.

Explico:

A experiência da rede tem se mostrado acomodada, acrítica, extremamente passiva e muitas vezes simplória. Os usuários muito rapidamente acostumaram-se a fórmulas que consagram e incentivam a economia de pensamento crítico. Tudo reduz-se ao “curtir”, onde a mecanização do gesto guarda em si a ignorância. Em muitos casos, se não na maioria das vezes, o botão é acionado sem que a pessoa tome de fato conhecimento do que se trata.

A preferência imagética é quase total e a fórmula aqui é uma foto e uma frase. A simplicidade rudimentar agrada, já que exige pouco, tanto de quem comunica, quanto de quem é comunicado.

Tanto imobilismo não entreterá por muito tempo a Geração Touchscreen.
Afinal, nasceram em outro tempo e, como dito por vários especialistas: o Facebook vem se transformando em uma rede que concentra a chamada terceira idade virtual.
Os natodigitais e os mais jovens buscam outras alternativas como o YouTube que ultrapassou o Facebook em 2019 e mantém com isso a liderança entre os brasileiros.
Logo atrás do Facebook temos, pela ordem atual: WhatsApp, Instagran, Facebook Messenger, Twitter, LinkedIn e Pinterest.

Apesar desta aparente oferta diversificada, estamos em um universo de mais do mesmo: Zuckerberg é o dono do Facebook, WhatsApp, Instagran e Facebook Messenger. Com isso estende domínios e algoritmos semelhantes à todas as redes, e, por tabela, oferece sempre a mesma coisa: domesticação de sentidos e ausência de criatividade à seus usuários. A forma de obtenção de dados é sempre a mesma, uma expropriação aviltante, que em alguns casos chega ao crime.

O restante da lista de redes mais utilizados no Brasil é ocupada pelo Snapchat e pelo Skype, atualmente nas mãos da Microsoft. Em ambiente profissional temos o LinkedIn. De diverso quase nada do que se encontra no Fecebookistão. E aí vejo que o problema não é apenas as plataformas em si, mas seus usuários que, ao quicar de uma para outra, esperam encontrar sempre a mesma coisa e a mesma forma de se comunicar. Estão totalmente domesticados.

Denomino domesticação de sentidos o fato de que as pessoas simplesmente param de pensar e agir por si só e por seus sentidos próprios. Seguem um comportamento raso de simplesmente seguir o fluxo, ou como alguns preferem chamar, ter o comportamento de manada. As redes sociais seriam um domínio onde se oferecem condições que demarcam uma situação ideal onde comportamentos se reproduzem.
Tomo de empréstimo a concepção de “fazenda de domesticação“, explicitada em um artigo de Piero C. Leirner, onde: “(…) A fazenda de domesticação é um terreno de atração, lugar do domínio e da realização. Do domus, mas também daquilo que faz – daí a etimologia latina da fazenda – e, também, do que está feito, !rmado, !rmare, daí o farm anglo-saxão. Na fazenda se quer domar, atrair, controlar essa força conjurada de um devir selvagem. É um latifúndio, não tem cerca, não se sabe bem onde começa e onde acaba; se sabe que ela quer crescer cada vez mais, e que pode até ter uma sede, mas o processo de domesticação ocorre em todo seu horizonte. Sua política, assim, é doméstica. Não há centro preferencial, “centro do centro”; se todos seus espaços se pretendem centrais, nesse nível sua geopolítica se dilui (…)”.
O artigo se concentra em explicar como o Estado domestica as sociedades e as pessoas. Mas para o objeto de nosso tema, ouso me apossar da expressão para pensarmos o ambiente das redes e a forma como ela se torna um grande feudo chamado internet. Ao oferecer os meios e as ferramentas, bastam apenas que atitudes sociais e culturais sejam imprimidas em seus utilizadores. Os aplicativos funcionam como os meios pelos quais se domesticam sentidos, sentimentos, e se externalizam isso. Tudo que ali ocorre é amplificado. As redes, portanto, não são diferentes do mundo analógico que temos. Apenas oferecem amplificação. Mas os sentidos domesticados nos dão a sensação de que grande parte parece apenas lobotomizadas.

Diante disso, nos mantemos em um loop infinito.

Observe:

Uma das coisas mais interessantes que temos que estar atentos é o padrão de repetição e passividade que uma plataforma, dita de interação e compartilhamento acaba oferecendo. Hoje é muito mais usual a passividade ante ao exposto, quer na forma escrita quer na forma visual, do que posicionamentos críticos e assertivos. Ironicamente as redes simplesmente eliminaram o que seja interação. Tornaram-se sim um palco para ostentação ou, o que talvez seja pior, um local onde prolifera o ódio, os xenofobismos, rancores e uma putrefata linguagem onde se faz linchamentos de reputações e vidas.

É estarrecedor pensar que cada vez mais as pessoas escolham apenas uma opção: “curtir” para expressar TUDO o que pensam sobre um tema. E o pior, mesmo que elas queiram se colocar, pouco estão interessadas em saber aprofundadamente sobre. 

A previsibilidade e constância de conteúdos e ausência de inovações são também igualmente avassaladoras. O grande meio de compartilhamento não está gerando, na mesma proporção, ideias criativas e inovadoras. Os grupos e as comunidades organizam-se de forma quase provinciana, no sentido de manutenção de pequenos nichos e interesses. Restringem-se ao miúdo e cotidiano de uma comunidade restrita e local. Mesmo em redes como LinkedIn nota-se que a última década simplesmente matou as possibilidades de interação, e as pessoas estão cada vez mais ausentes. Ausentes não por não estarem conectadas, mas simplesmente por optarem estarem confortavelmente instaladas com seus aplicativos nas mãos e a anos-luz de qualquer forma de contribuição, interlocução ou debate.

O que de fato temos, ao invés de um grande potencial de variáveis, é a repetição de padrões e fórmulas. Em geral, as pessoas cercam-se do que lhes é familiar e conhecido. E o mesmo se estende pelas formas de externar pensamentos e atitudes.

A cópia de ideias e até de conteúdos são constantes em blogs e em outros meios. É sempre muito raro encontrarmos conteúdos inéditos e de qualidade, fruto de uma reflexão pessoal de seu postulante. Temos quase sempre clichés que reproduzem falas vazias e que surgem de tentativas de auto-ajuda, motivação ou preconceitos mesmo. Fato que nos dá uma sensação e necessidade de perguntar: para onde é que vamos? Será mesmo que “todo excesso é prenúncio de uma grande falta?”

De fato, um temor sempre presente é em relação a esse excesso de informações rasas no qual estamos vivendo e se, de outro lado, não estaríamos às vésperas de uma grande falta. Isto é cíclico e está no desenvolvimento da História. Gerações que rompem estruturas, são fruto de uma geração anterior em que quase nada ocorreu e vice-versa. Isso vale para movimentos na arte, literatura, sociedade, política… e até no futebol!

O tema nos remete ao que significou o desenvolvimento da internet, as novas formas de comunicação e proposição de relações. Foi de fato um período de romper barreiras, estruturas e formas de estar e pensar. Hoje, é perceptível o atual momento como de uma saturação sem fim: as pessoas, especialmente em redes como o Facebook, LinkedIn, Instagran possuem um comportamento que ora é passivo, ora consumista, ora de ostentação.

Passivo em se contentar com simplesmente “curtir” ou “compartilhar” sem verticalizar nada. Fica-se numa superfície horizontal onde “toda” a mensagem se resume a uma foto ou uma frase (pior é quando eles vêm sem autoria correta e em muitos casos uma reprodução infinita de Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu).
Consumista no sentido de seguir não sei quem e nem porquê…
Ostentação de vidas e sucessos: ninguém tem problemas, tudo é uma felicidade e sucesso sem fins. Ou às vezes aquela choradeira interminável para falar sobre o “poder da superação”. Cansativo, de verdade!

Espalha-se um rastro de gostos e desgostos a troco de ter dados “embalados” e oferecidos às agências de publicidade que não param de poluir páginas feita em azul para que você, de novo, curta isto ou aquilo. É preocupante esta massificação zumbi de comportamentos e incapacidade de ações críticas de acordo com posicionamentos próprios frente ao dado ou estabelecido. Falta identidade e personalidade às redes!

Se todo o potencial que a internet oferecia não for reinventado e as pessoas não voltarem a buscar formas inovadoras, teremos cada vez mais plataformas que cairão vítimas de seu próprio veneno: o consumo pelo imediatamente novo. Não será para o melhor… simplesmente para o mais novo lançamento, sofrerá o descarte e substituição tal como um velho aparelho de TV de tubo.

Sim, o objetivo é irmos além de propriamente gostar de uma matéria interessante, mas é também verificarmos o quanto ela tem que ver com nossas opções, escolhas e repertório. Quanto de fato acrescenta àquilo que pensamos e acreditamos? 
A passividade não é desejada em espaço algum, mas em espaços ditos de compartilhamento e troca, fica ainda mais estranho.

O Facebook em verdade ditou um padrão, acolhido por uma maioria que é de curtir/compartilhar, como ferramentas de facilidade. É mais fácil clicar num botão de gostei ou postar uma foto e uma frase do que de fato articular um raciocínio e falar sobre algo de forma a acrescentar ou se colocar.

A massificação zumbi e robotização aparece como um instrumento de massa para obter cifras e dados e não como forma de gerar crescimento intelectual ou de conteúdo.  

É óbvio que não estamos aqui para questionar números. Contra tal não há argumentação. E talvez tenham sido alcançados exatamente por essa homogenização. Todos são tomados como meros algoritmos que são computados a partir do “gostei”. A situação é tão interessante que em tempos passados até campanha para ter o botão “não gostei”, houve. Mas claro que isso confundiria o sentido de construção da base do Facebook e demais redes em relação aos seus algoritmos, e portanto, nunca foi adotado por ninguém. E aí nos defrontamos com a situação absurda que é, por exemplo, a notícia da morte de alguém ou de uma catástrofe e que as pessoas sem pensar clicam “gostei”. Isso mostra o ápice do que seja um comportamento de manada zumbi sem critério ou crítica.
As pessoas simplesmente não param para pensar sobre isto!   

Buscar um olhar crítico envolve debruçar-se sobre. E em geral, as pessoas julgam não ter “tempo” para isso. A cultura da imediaticidade e consumo leva as pessoas para longe de estar em contato consigo próprias. Basta andarmos pela rua e vermos cada um com seu celular, seu jogo, sua música nos ouvidos. As pessoas não buscam mais relacionar-se com outros, mas sim com seus gadgets. Já disse antes que a internet tem conseguido o paradoxo de aproximar quem está a centenas de milhas ou quilômetros e em geral, separa os que dividem a mesma casa!

Esta robotização com ensimesmamento foi reforçada com as redes. E aqui há discussão para um post inteiro e que guardo para outra ocasião. 

Mas adianto que em cada período a humanidade está propensa a que determinados comportamentos se desenvolvam e se disseminem. Esta “massificação zumbi” é mundial e muito mais relacionada ao processo de midiatização e tecnologia em que estamos.

Há um narcisismo generalizado e uma busca por exposição que tem muito mais a ver com uma insegurança e temor de estar consigo próprio do que a necessidade de relação com o outro.
Os silêncios da alma são fantasmas para alguns e a busca da “multidão” tem um pouco esse sentido de fuga.
A robotização zumbi e massificada combinada com a alienação parecem ser uma marca dos nossos tempos.

Para além disso tudo, acho que o padrão de repetição em formatos idênticos para todas as redes é o que mais incomoda. De repente, Twitter e até LinkedIn repetem o mesmo padrão como forma de garantir que seus usuários continuem a usar suas respectivas plataformas. Aí tivemos o fenômeno do que se convenciona chamar de ‘Facebooquização’ virótica por TODAS as redes.

Sou usuária e gosto muito de tecnologias, mas gosto de pessoas, silêncios e leituras, gosto da reflexão que ações e comportamentos têm, ou de uma boa ideia exposta num texto, ou até numa frase. Não precisamos nos isolar e nem viver no meio de tudo. Há o caminho do meio sempre! Estar nele significa conseguir olhar de um lado e de outro e encontrar o caminho perfeito que há quando se tem equilíbrio e bom senso. 

Discuto aqui que esta alienação consentida, onde o nivelamento horizontal alcança tais redes numa velocidade muito grande e onde verticalidade, profundidade e criatividade estão deixando muito a desejar. As pessoas chegaram a um ponto que não conseguem mais ler um artigo. Leem apenas a primeira linha e passam adiante. Sou capaz de apostar que apenas 1% dos que começaram este artigo chegaram até aqui…Por isso, já há algum tempo parei de me preocupar se as pessoas leem ou não. Meu papel é de escrever!

Um dos precursores da realidade virtual e crítico da web 2.0, Jaron Lanier defende um caminho diferente para se utilizar a rede. Ele é defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita. A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações ‘sugeridas para o seu perfil’ escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por ‘gostos’, tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Ou seja, no modelo atual, quem lucra mais são os sites de busca e as redes sociais, e quem sai perdendo são os criadores, que dependem dos direitos autorais para viver.

Segundo ele, a estrutura atual permite que exista uma ‘agência de espionagem privada’ que desvirtua o propósito inicial de permitir que cada usuário pudesse trocar seus bits com outros, como em um grande mercado, e tudo seria acessível a uma taxa razoável. Esse fluxo permitiria que a criação individual fosse devidamente remunerada e estimularia o trabalho intelectual. Nesse sentido, ele afirma que “precisamos de um design mais antropocêntrico ao invés de um focado em algoritmos”. O senhor Lanier quer não apenas, a liberdade de trocar informação mas a liberdade de pensar e de ser criativo em um modelo que, atualmente, anestesia, cada vez mais, seus usuários.

Desde os primórdios, o Facebook teve como característica coletar dados e a partir deles ter concentrada uma ampla base de dados. Longe de ter um viés relacional, cultural, educacional rapidamente transformou-se num meio eficiente de fornecer dados para fins mercadológicos e de consumo. Ponto. Os algorítimos utilizados foram ficando cada vez mais competentes em nos limitar, enquadra e sempre nos levar aos mesmos lugares. Escrevi sobre isso no artigo: “Algorítimos: os hábeis limitadores

Sua facilidade rudimentar trazendo funções simples com botões de uma única opção deu à maioria das pessoas o que elas querem: entropia! É neste estado entrópico que as pessoas realizam ações robotizadas e em alguns casos até insensíveis (como por exemplo: filmar alguém morrendo, sendo espancado, etc…para a seguir lançar na rede em busca de reconhecimento por meio de likes).
O mesmo podemo falar de TODOS os celulares: não importa a versão, modelo…TODOS rigorosamente apresentam os mesmos botões e funções. O objetivo é o consumo feito por TODOS de uma criança de 1 ano ao octogenário, de um analfabeto funcional à um acadêmico letrado. A tecnologia envolvida está longe de buscar inovação.

Apesar de tudo, vejo que em verdade, o Facebook e demais redes sociais acabam sendo um grande espelho de comportamento social e cultural do nosso tempo. E eventualmente, as plataformas servem apenas para refletir o que a nossa sociedade é em sua maioria: superficial, frívola, autocentrada e egocentrada.

Como historiadora, fico sempre imaginando o que pesquisadores daqui há alguns séculos dirão ou apreenderão quando olharem perfis de redes… que sociedade verão no espelho?

Fotógrafo: Eduardo Henrique Gonçalves

_______________________
* Texto atualizado e revisto de post publicado no meu Blog, o Pensados a Tinta, com o título de “Facebook: robotização e sedentarismo em rede”.
**
Posts relacionados:
Valor do Conteúdo: uma reflexão
Algoritmos: os hábeis limitadores
De Cadeados e Criptografia aos Tempos de WhatsApp
Geração TouchScreen
KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?
Memórias Digitais em busca da Eternidade
O desafio das Soluções na Era da Informação
***
Siga-nos: 
No LinkedIn

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

De Cadeados e Criptografia aos Tempos de WhatsApp

Por: Eliana Rezende

Em 2016 foram uma, duas, três vezes e milhões de brasileiros sendo penitenciados por uma decisão togada que revelava além de uso desproporcional de força um equívoco provocado por desinformação começada na toga e concluída em praça pública.

Não creio ser necessário entrar no mérito da questão judicial que de um lado pressionava a empresa detentora do serviço (WhatsApp) e a questão de quebra de sigilo de contas de contraventores ou punição de milhões de inocentes.

O que me chamava a atenção naquele momento, e ainda hoje, era a desinformação sobre o assunto da criptografia por parte dos que julgam e promulgam sentenças. Algo crasso e imperdoável. Emitiram pareceres que caberiam bem no século XIX, ou no XX sem web. Mas nos dias de hoje?!

Para além de tudo significar ferir diretamente o que determinava o Marco Civil Regulatório da Internet no Brasil e o artigo nº 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de uma única vez.

Todo o mal entendido e as consequências dele decorrentes giravam em torno do desconhecimento do que vinha a ser criptografia.

Mas afinal: o que é mesmo criptografia?

Se formos ao dicionário, a definição mais completa seria:

“(….) Conjunto de regras e técnicas utilizado para cifrar, para codificar a escrita, transformando-a num tipo de código incompreensível para quem não está autorizado a ter acesso ao seu conteúdo. (…)”

A palavra criptografia vem do grego e é formada por duas palavras: “kryptós” que significa oculto e “gráphein” que significa escrever. Ou seja, é uma escrita escondida.

A técnica em si não é nova e remonta às civilizações clássicas gregas, romanas e egípcias que criptografavam seus escritos para impedir que inimigos tomassem conhecimento de seus escritos. Exemplo disso é a necessidade de pesquisadores decodificarem inscrições para compreenderem escritos diversos de tabuletas à tumbas.

A criptografia funciona como se fosse um embaralhamento de dados. E tal como ocorria em tempos passados, o objetivo é tornar seguro o conteúdo da informação trocada entre partes.

O grau de segurança de uma criptografia esta na quantidade bits utilizados para encriptação. Já que um sistema de encriptação que contenha 8 bits oferece um universo de 256 combinações diferentes. Atualmente utilizam-se 128 bits (que são combinações de números e letras).

Para se ter uma ideia, no modelo 128 bits, para se conseguir decodificá-los seriam necessários 40 computadores trabalhando simultaneamente durante 20 anos ininterruptamente! Isto do ponto de vista de um meio onde a fragilidade e volatilidade predominam é fundamental para garantir a segurança das partes.

De um ponto de vista mais técnico, diríamos que a criptografia pode ser simétrica e assimétrica e envolve uma série de procedimentos para cada um destes casos. Como não é objetivo deste post explanar tecnicamente isto sugiro a leitura para maior entendimento e mais fontes de bibliografia e consulta o texto “Segurança, Criptografia, Privacidade e Anonimato”.

Graficamente a criptografia pode ser exemplificada da seguinte forma:

Ou seja, o conteúdo das informações trocadas ficam disponíveis apenas entre os envolvidos, como se houvessem cadeados que as trancassem e apenas a chave que cada um tem as abre e decodifica.

Agora vejamos o caso do WhatsApp

Recentemente a ferramenta enviou mensagens a todos seus usuários informando que estaria sendo utilizada a criptografia de ponta-a-ponta. Provavelmente foi uma mensagem assim que você recebeu no seu celular, e que continua a receber toda vez que acrescenta um novo contato:

O que de fato este tipo de criptografia significa?

A chamada “criptografia de ponta-a-ponta” do WhatsApp assegura que somente as pessoas que estão se comunicando possam ler o conteúdo trocado. Ninguém mais consegue fazê-lo, nem mesmo o próprio WhatsApp.

Este formato de segurança, apesar de questionado para os casos de uso ao crime é uma grande segurança para usuários comuns e que representam a esmagadora a maioria de utilizações. Claro que crimes podem ser cometidos, mas interferir neste caso significa por em xeque a segurança de milhões de usuários. Algo prezado e alvo de muitos lutas e debates para que passassem a existir.

Por envolver tantos milhões de pessoas e negócios é uma relação onde o custo benefício precisa ser medido de forma responsável.

Como o próprio STF vem se manifestando, este tipo de punição a milhões de pessoas é desproporcional.

De minha parte, acrescento que, ignorante por parte de quem julga e inconsequente perante a punição de milhões de usuários que nada tem com o ocorrido. Não se pune 100 milhões de pessoas por causa de UM contraventor!

Além do mais, as decisões de bloqueio tomam a ferramenta como se a mesma funcionasse como um telefonema. O que nossos togados se esquecem, é que apesar de ser usada em um aparelho celular, a ferramenta está longe de possuir as características tão usuais de grampos telefônicos.

Se criminosos se comunicam da cadeia usando a ferramenta, o problema que precede ao seu uso, e este sim de competência das autoridades, é o de celulares nos presídios!

Enquanto soluções tecnológicas que atendam de um lado o direito à privacidade e sigilo de uns e, de outro, o praticante de delito, não estiverem disponíveis e sem prejuízo a ninguém, é preciso que togados usem de bom juízo e entendam os tempos que julgam, os meios tecnológicos e o seu alcance social. As decisões não podem ser unilaterais, autoritárias nem desproporcionais. Fazer isso fere a essência do que seja praticar o Juízo e a justiça.

Julgar, tomando em conta um único aspecto e perder de vista o alcance e prejuízo social de todos, em nome de um é uma irracionalidade torpe e sem sentido. A imagem da justiça com uma venda nos olhos parece se aplicar com precisão nestes casos.

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para o desenvolvimento e aplicação de procedimentos para a Preservação Digital e Repositórios Digitais Confiáveis em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de podermos orientar boas práticas em relação ao uso de ferramentas tecnológicas com vistas a produção e tramitação de documentos digitais.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer

_______________

Saiba mais:
Para compreender um pouco mais sobre os usos e aplicações da criptografia nos dias de hoje, assista o vídeo “O que é Criptografia”.

*
Siga-nos: 
No LinkedIn

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

Memórias Digitais em busca da Eternidade

Por: Eliana Rezende

De novo a questão das obsolescências e permanências.
A crescente demanda por informação e acesso tem imposto alguns limites e soluções precisam ser buscadas.
Como não perder tudo o que se produz? Como e onde armazenar? Para quê e para quem? Com quais finalidades? E com quais custos?
São muitas as perguntas!

Creio que a partir do momento que tais tais questões e reivindicações surgem é de fato um progresso interessante.
Além disso, destaco mais dois outros pontos importantes: a busca por um direito de acesso à informação e de outro o exercício de transparência e cidadania em suas múltiplas esferas.

Preservacao+digital

Diriam alguns que Tecnologia da Informação é um eterno reinventar, por que existe a barreira das leis da física. Noves fora isso, o restante é com o departamento de marketing.
Mas será?
Poria outros dois mais: o financeiro que destina recursos, e porque não a preservação de documentos para o futuro?

apocalipseWm_2

Como historiadora, um dos principais obstáculos que temos é a garantia de acesso a documentos através do tempo. A longa duração para historia pode significar a eternidade, já para a tecnologia ela representa tão somente casas que vão abaixo dos dois dígitos e que ficam em torno de 3 ou 5 anos. A conta não fecha!
Haja visto a quantidade, por exemplo, de links e arquivos digitais que se perdem todos os dias. Somos a geração que mais produz informações em toda a história da humanidade, mas também a que mais perde.

Já convivo nos dias atuais com perdas irreversíveis e isso vale tanto para suportes físicos quanto digitais. Por isso, a minha preocupação sempre presente com a preservação documental sob vários aspectos: sem ela teremos vácuos impossíveis de serem recuperados pelas sociedades futuras.

Um exemplo interessante é o caso do Livro do Apocalipse, de William o Conquistador, escrito em couro no ano de 1086. Sobreviveu por 900 anos, chegando até nós. Mas uma versão digitalizada da obra, gravada em 1986, não pode mais ser lida em 2006, apenas 20 anos depois.
Seria cômico, se não fosse trágico!

apocalipseWm_1

E os problemas se multiplicam quando pensamos na quantidade imensa de Bibliotecas Digitais que são formadas e que poderão facilmente estar perdidas para sempre.

E em relação a Portais institucionais, sites e blogs temos sérios problemas.
Uma massa imensa do que produzimos nasce, vive e se desenvolve em meios digitais. É editado, alterado e recortado nestes meios e posso assegurar que ninguém se preocupa com suas versões anteriores.
Mas onde estão mesmo estas versões?
Quem era esta instituição em sua primeira versão de Portal ou Site?

Ninguém sabe ou saberá…

Não consigo compreender como ninguém possa estar preocupado com as inúmeras páginas de conteúdo que desaparecem quase que na mesma velocidade em que são produzidas. Até 2020, segundo expectativas, teremos produzidos 44 zetabytes de informações.
Para se ter uma ideia, 1 zetabyte equivale a 2.000.000  de anos de música!

A despreocupação vale para conversas em redes e imagens… muitas imagens.
Ninguém registra estas correspondências ordinárias e nem seu movimentado alfabeto de construção. Séculos adiante não teremos como saber as formas de registros coloquiais que nossa geração produziu. Léxicos e formas de expressão estarão para sempre perdidos. Provavelmente ainda teremos hieróglifos egípcios e as tábuas de argila mesopotâmicas e nada sobre nossas comunicação rápida digital.

Inventamos a internet para ser apagados por ela! Não deixaremos sequer rastros.
O descarte imediato de tudo leva-nos para um não lugar. Um espaço virtual, sem forma e vazio.
Não daremos aos nossos descendentes a possibilidade de conhecer nossos pensamentos por registros cotidianos, que antes eram tão bem feitos por diários, cartas e outros tipos de registros.

Há ainda os textos e hipertextos, numa leitura que há muito deixou de ser linear. Perderemos conteúdos e as leituras hiperlinkadas que cada texto produziu.

Enfim, nosso presente é editado e recortado com desprezo incondicional por sua gênese.

apocalipseWm_3

O mesmo ocorre com muitos manuscritos ficcionais e obras literárias várias.
O tempo dos manuscritos editados à mão pelo artista não existem mais e assim, muito de seu processo criativo se perde. As versões editadas e limpas chegam sempre às editoras sem o rastro dos caminhos de uma escrita.
Esta ausência inviabilizaria uma publicação como a que ocorreu com Mário de Andrade, que recentemente teve uma edição da obra e seus manuscritos. Uma riqueza documental propiciada por originais, cartas, rascunhos e tão belamente trabalhados no IEB/USP.

A situação é tão inquietante que no Reino Unido estão fazendo a solicitação para que escritores entreguem seus computadores antigos ao invés de os jogarem fora para a British Library e, utilizando-se de programas de investigação forense e perícia reconstituem por metadados tais caminhos criativos de grandes autores.
Uma tarefa que aos poucos também me parece inviável, já que seria um forma de arqueologia digital (manter computador, software e hardware), e fazer a manutenção disso no tempo, também não me parece razoável e nem possível.

O mesmo vale para importantes pesquisas científicas  publicadas. Temos sempre um artigo limpo e editado e nunca os caminhos rascunhados, desenhados, arquitetados e editados, percorridos.

Sorte teremos se daqui a 100 anos o artigo final esteja preservado!

O valor destes manuscritos são fáceis de ser mensurados quando pensamos em Isaac Newton, Albert Einstein, Leonardo Da Vinci. Que seria de nós se apenas tivéssemos sua última versão?
Sem sabermos suas indecisões e por onde andaram seus pensamentos e invenções? É deste trajeto que me refiro quando falo em processo criativo deletado dia a dia.

Um exemplo bem acabado do que cito foi que cinco séculos após a morte de Leonardo Da Vinci cientistas italianos conseguiram interpretar seu projeto para um carro, e recriá-lo a partir de suas anotações. A invenção é considerada um precursor do automóvel moderno. Conheça-o clicando na imagem:

Da-Vinci-Carro-Automovel
Óbvio está que não poderemos, a bem da sanidade, preservar “tudo” o que se produz. Mas há que haver políticas que visem a preservação digital de nossa produção social, cultural, intelectual e científica. Não se pode tolerar a ideia de que séculos adiante, igual aos Maias, seremos reconhecidos como aqueles que não deixaram herança aos seus descendentes.

É aqui que entra uma das minhas maiores motivações profissionais: ajudar a salvar do esquecimento e da obsolescência, os vestígios de nossa civilização.  As instituições precisam se dar conta que NECESSITAM de uma política de preservação digital, tanto quanto de ferramentas para produção e uso de informação no agora. Não terá valido de nada tudo o que uma organização, pessoa, instituição ou sociedade criou se não for capaz de preservar isso para o futuro.

Imagino que duas coisas são fundamentais: uma reconhecer que temos tantos problemas quanto produção massiva de informação. Outra, que apesar de tudo não precisamos abrir mão de tudo e entrar num desânimo pessimista.

Políticas sérias de preservação digital, com um olhar que vá bem além do horizonte imediato, podem minimizar problemas. É um caminho que requer planejamento e investimento em recursos (tempo, dinheiro e pessoal).
Possível e viável, desde que planejado e desejado.

Se você se encontra neste difícil entroncamento, consulte-nos. Auxiliaremos a encontrar uma Solução que lhe dê acesso à informação, mas ao mesmo tempo tome em conta políticas de preservação digital e da informação contida em diferentes documentos e suportes.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

//
* Versão atualizada e revisada de post publicado originalmente no meu  Blog Pensados a Tinta

_______________________
Posts Relacionados:
Memória Institucional: ferramenta de Gestão Estratégica
Planejamento Estratégico e Responsabilidade Histórica
Patrimônio Cultural e Responsabilidade Histórica: uma questão de cidadania
Uso de tecnologias como Política de Preservação de Patrimônio Cultural 
Informação não processada é só ruído

**
Siga-nos:
No LinkedIn

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).