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Memórias de uma Biblioteca pessoal convertida em Acervo Institucional

Por: Eliana Rezende Bethancourt 

O espaço doméstico circunscreve escritas. Escritas de vida, de opções, caminhos feitos ou abandonados, viagens, experiências, saberes e leituras. Pensar o espaço doméstico significa entender que ele é preenchido com escolhas e experiências sensoriais, pessoais, afetivas, eletivas, intelectuais e sensíveis de seus moradores. A organização dos seus espaços e suas disposições surgem como um vasto vocabulário sobre modos de viver de seus moradores. Dessa forma, uma biblioteca pessoal no espaço doméstico possui aspectos fascinantes se analisada minuciosamente, buscando interpretar essa sua inclusão.

A biblioteca pessoal em nada se assemelha à uma Biblioteca Institucional por uma infinidade de motivos e que tentaremos explicitar neste artigo.

A maneira como optamos por organizar nossos livros, sua disposição no espaço da casa e a maneira como revelam nossas preferências e interesses são verdadeiramente fascinantes.

Podem ser despojadas, meticulosamente compartimentadas e organizadas. Simplesmente não importa.
Representam o caminho de uma vida.

Como as pessoas, os livros possuem uma identidade própria, e se bem ‘lidos’ em seu conjunto pelos que observam uma biblioteca pessoal, poderão descobrir o quanto estes volumes reunidos deram a seus leitores.

Os livros são testemunhas silenciosas das vidas que tiveram. São capazes de nos dar muitos sinais: a dedicação de horas a algumas leituras pode deixar marcas e rastros: as páginas podem ficar amarelecidas por terem sido muito folheadas.
É leitura multissensorial (feitas com os olhos, mas também feita com o tato e até o olfato). Esse contato deixa rastros e sinais nas páginas: dobradas, marcadas ou até mesmo inscritas. Isso ocorre quando essas páginas se transformam em breves esboços dos caminhos e reviravoltas do pensamento diante da leitura.

Divagamos entre o espaço entrelinhas ou entre parágrafos, delimitamos suas margens.
Existem momentos que são pausas e os dedos parecem percorrer as frases que expressam um sentimento, uma ideia, uma justificativa… um conceito.

Enfim, as margens como as que circundam um rio servem de pausa ou mesmo reflexão para uma mente que às vezes deambula, vagueia e saltita, entre a agitação ou a calmaria de um pensamento, um sentido, uma essência, uma lembrança ou uma conexão. . 

Em alguns casos, os livros tornam-se suportes de outras memórias que não estão explícitas em grafismos e letras: há os marcadores oficiais que são ao mesmo tempo uma publicidade, ou um desejo de consumir uma leitura no futuro.
Entretanto, é possível improvisar: podemos encontrar entre suas páginas notas ou recibos de uma compra ou um café onde o livro era a companhia perfeita, folhas e flores secas, cartões postais, fotografias, bilhetes ou ingressos. Todas inscrições materiais sobre momentos vividos e compartilhados entre uma pausa de leitura e outra. Ou quando estes passeiam com seu leitor por diferentes lugares: um café, um jardim, uma praia, um museu…ou até como ocorria em bons tempos, uma sala de cinema com filmes fora de circuitos comerciais e lixo pirotécnico denominado filmes de ação.

A biblioteca pessoal é assim um amálgama de memórias. Por entre seus volumes trafegam tempo, imagens, percursos físicos ou apenas de alma. Representam muitas vezes, o espaço do hiato entre o sentir e o pensar. São um território livre para uma mente andarilha e uma alma que busca por espaço.
Se nos detivermos às suas marcas descobrimos, tal como um detetive, o valor de cada via trilhada.

Percorrer seus volumes significa observar como caminhos foram alterados, interrompidos, aprofundados… ninguém permanece o mesmo no decorrer da sua construção intelectual e de sensibilidades. A biblioteca, sem dúvida alguma espelha as rotas por onde seu leitor vagou, se interessou ou simplesmente abandonou.

Às vezes, tais bibliotecas se apresentam com estantes bem organizadas, com volumes cuidadosamente dispostos numa lógica sui generis e pessoal. Mas há os casos em que a desordem nos apresenta uma lógica própria, singular e hierárquica de prioridades e valores.
Provavelmente os volumes mais desorganizados colocados sobre móveis, poltronas, mesas e sobre prateleiras organizadas significam exatamente a preferência e a prioridade de leituras. Não estão perdidos ou desprezados como poderíamos supor. Em verdade estão sempre presentes e à mão, acompanhando o leitor em diferentes fases e momentos. Não tê-los à vista ou na distância do movimento dos braços, pode gerar, em alguns, ansiedade, desconforto ou mesmo o receio de perda.

No seu todo, os volumes reunidos também nos fornecem tons, espessuras, texturas, alturas, formatos, design gráfico, tridimensionalidade. Explodem num espetáculo de tons, matizes e grafismos. Apanham nosso olhar e com ele dialogam.
Olhados no seu todo, permitem que sejam conhecidos o conjunto de temas, autores ou preferências várias do seu acumulador.
Representam e espelham o que é de real significado para seu possuidor e como este dialoga com seus escritores e obras preferidas. As ausências sentidas também indicam escolhas e preferências. Como ocorre com o silêncio, a ausência de certos autores por um perfil de leitor indicam também uma forma de comunicação e interação.

Em geral, as bibliotecas pessoais longe de possuírem uma organização técnica, possuem uma organização preferencialmente temática que se aglutina por uma hierarquia de gostares e prazeres de seu leitor/acumulador.

Cada autor ou tema representa para seu leitor um percurso pessoal de construção de pensamentos e experiências. 
Muitos dos seus volumes têm histórias que antecedem sua aquisição.

É normal que o colecionador se lembre onde e como teve contato com determinada obra e o que sentiu ao ler pela primeira vez o livro. Pode ter sido aquela leitura rápida de uma aba numa livraria ou num aeroporto qualquer enquanto esperava por um outro compromisso ou afazer. 

Há também os livros reservados para um dia ser lidos.
Estes, representam um ardente desejo de posse e uma inexplicável ausência da oportunidade, a tão esperada leitura que sempre fica adiada para um futuro incerto tanto quanto improvável.

E como não falar dos volumes repetidos?!
Quantas vezes o temor de não possuir nos faz comprar um determinado livro mais que uma vez?
E como não falar sobre aqueles que são atualizados em seus suportes: dos xerox em tempos de dificuldade financeira enquanto fazia a Faculdade às edições de capa dura de anos futuros.
Mais recentemente, alguns ganham uma edição kindle.
Não há preconceitos: apenas afetos! 

Esteticamente estes volumes carregados de afeto e palavras podem dividir espaço com outros objetos de cultura material, que servem como suportes a outras memórias, como: discos, CDs, fotografias, pequenas esculturas e miniaturas que remetem à lugares, viagens, lembranças, presentes. Dispostos de formas várias contam uma história de percursos diversos que entrecortam a vida pessoal e/ou profissional do leitor.
Dialogam sobre a personalidade de seu colecionador como se alfabeto fossem.
Dispostos em prateleiras, mesas, descansos, banquetas, apoios: inscrevem e marcam um espaço que não é apenas o físico. É também cultural e emocional.
Marcam posição por categorias internas de valores imateriais. Daí estarem tão próximos do que consideramos Memória.  
Trazem Identidade à biblioteca por meio dos elementos dispostos como aparente ornamentação por seu colecionador, mas ao olhar atento de um pesquisador trará um repertório imenso de hipóteses e investigação.

O livro assim, como objeto, é carregado de informações não apenas escritas, mas também de sentidos culturais ou de apropriação cultural.
Tê-los em determinada ordem ou local representa a forma como concebemos nosso imaginário. Materializa o que somos por partes. A biblioteca por seu todo revela quem somos, de onde viemos, para onde e por onde caminhamos.
É assim uma obra aberta enquanto existimos.
Estará completa apenas quando não estivermos mais aqui. Neste ponto de nossa jornada cruzará nossa história com os percursos de outros e provavelmente, se converterá em uma terceira entidade, com a matriz de seu possuidor como ponto inicial. 
Vale aqui pensarmos nas bibliotecas herdadas, que se somam à outras em conjuntos variados, às vezes pessoais, às vezes institucionais.

E como toda joia exposta, precisam de locais e materiais que sirvam para sua exposição.
Madeiras, metais, vidros, tijolos, bambus…todos materiais que garantem a estabilidade necessária para que ali adormeçam e sirvam de companhia. 

O espaço também se desenha não apenas a partir de seus formatos, mas em especial por seus tons que oferecem personalidade e conexão profunda com o emocional e até o espiritual. 

Eventualmente haverá espaços para leitura, composto por aquela poltrona procurada por tempos, um recamier ou sofá com a luz certa e direta para cada momento.

A luz externa será bem vinda e é comum que diferentes seres vivos partilhem o ambiente. Folhagens, orquídeas, arranjos florais vários trazem à vida constituída de outras sensibilidades e odores.
Compõem um quadro onde sensações e estéticas diversas se aliam e trazem conforto e paz. Converte-se em um refúgio para a alma descansar e o espirito se expandir.

Por todos este motivos, a composição pessoal e intransferível. Faz parte do cultivo pelo tempo de cada um dos objetos ali dispostos.
NUNCA estará concluída e sempre guardará um espaço remanescente para a mais nova aquisição. 

As bibliotecas pessoais que vencerem este desafio ganham um novo status: a imortalidade da trajetória de pensamento de seu detentor.
O caminho e o itinerário de sua coleção será um exemplar único de uma história única.
Será um volume que contempla uma existência inteira.
E só assim terá sua identidade conhecida por todos. 

Bibliotecas pessoais quando são convertidas em Acervos Institucionais

Se as bibliotecas pessoais possuem toda a riqueza de detalhes explicitada acima, é fundamental que as entendamos em toda a sua complexidade quando forem convertida em uma Coleção para integrar uma Acervo dentro de uma instituição.

É usual que algumas bibliotecas pessoais, por seu caráter singular e específico mereçam ser recebidas quer como doação, quer como aquisição para integrar Acervos maiores que se encontram em instituições de Ensino e/ou Pesquisa.

Entender a lógica de organização de uma biblioteca pessoal é fundamental do ponto de vista de uma Coleção ou série Documental. Aqui diferentes profissionais terão olhares diversos sobre estes itens e volumes que compõem uma biblioteca pessoal.
Bibliotecários, Arquivistas e Historiadores terão olhares múltiplos e diversos sobre este conjunto, que poderá e deverá ser considerado um conjunto documental.

Como tal, e até para que não se perca seu sentido de “fundo” documental não deveria ser mutilado numa organização técnica por meio de catalogação decimal. Que apesar de correta, do ponto de vista técnico, perderia o sentido que seu colecionador resolveu dar à sua biblioteca.

Um historiador e um arquivista preferirão manter a organização original dada por seu acumulador, pois assim manterão todas as conexões e hierarquias de seu colecionador original.

Como conjunto, uma biblioteca pessoal pode ser um excelente meio de preservação da memória individual, e como tal pode perfeitamente ser organizada tomando-se como princípio teórico-metodológico o chamado respeito aos fundos, que em linhas gerais não destrói esta ordem original no momento em que faz a organização deste conjunto documental.

Apesar de possuírem objetivos de recolher, preservar, organizar, catalogar, indexar conjuntos documentais cada instituição o fará de forma e premissas diversas: o bibliotecário tomará a informação que cada documento traz, ou seja, tomará o conjunto como uma soma de entidades autômanas.
arquivista estará preocupado com as conexões institucionais entre colecionador e funções administrativas e relações de prova que os documentos possam oferecer. Estará preocupado em entender de que forma tal acervo se relaciona às funções desempenhadas por seu colecionador.
Já um historiador analisará o conjunto documental como sendo um potencial fornecedor de Memórias, subjetividades e possibilidades históricas. Mas NUNCA considerará as partes como sendo autômanas. SEMPRE considerará as relações entre TODAS as partes.

A grande limitação que vejo em uma organização para uma biblioteca pessoal é a utilização de um padrão de organização decimal como estabelecida por bibliotecários.
É limitador por, pelo menos, 4 motivos:
1. A CCD (Classificação Decimal de Dewey) foi construída como uma forma de organização do Conhecimento Humano divido em 10 grandes áreas. Mas todas elas a partir de conhecimentos e áreas do século XIX. Isto por si só é um grande problema, pois apesar de suas atualizações elas representam uma divisão conceitual própria do século XIX, e com todos os seus vícios e problemas eurocêntricos.
2. Ela não é suficientemente abrangente para áreas intertrans e polidisciplinares, causando vários problemas para a quantidade de áreas que temos hoje em dia. Basta falarmos por exemplo em Memória Social, Sustentabilidade, Humanidades Digitais, Estudos Ambientais para ficarmos em apenas alguns temas. Não há uma caixa padrão onde todas estas áreas possam estar.
Atribuir uma organização decimal aqui é matar as relações entre as diferentes áreas.
3. E talvez a pior de todas as limitações é ela ser excludente, ou seja, é feita apenas para ser entendida por pares. O que inviabilizará a compreensão da biblioteca como um todo de forma intuitiva com valorização cultural da mesma.
4. Vivemos em tempos de desintermediação de informação. A partir do momento que tentamos hierarquizar de forma tão milimétrica o que são, não apenas livros, mas todo um conjunto de saberes, fazeres e construção cultural presente em uma biblioteca pessoal temos uma perda incomensurável.

Na concepção tanto arquivística quanto histórica o documento NUNCA é visto como uma unidade autônoma. Sua preservação, contextualização e análise só podem ser pensadas em conjunto, até para que não seja perdida sua inserção histórica, social, cultural.

Neste sentido, a biblioteca pessoal pode ser pensada como um ato de comunicação, já que seus volumes dialogam com as ideias e perspectivas de vida, emocionais e intelectuais de seu acumulador. Como um alfabeto, os volumes dispostos nos permitem entrever histórias e itinerários…tanto de vida como profissionais.
E há os diferentes suportes que a compõem e que não se inserem como volumes. Citamos acima o exemplo de fotografias, CDs, quadros, pinturas, objetos tridimensionais vários (medalhas, troféus, placas, álbuns, miniaturas), esculturas e até plantas!

O que é fundamental ter em mente ao se deparar com uma biblioteca pessoal é não perder de vista a trajetória pessoal e profissional de seu acumulador (um seu avatar). Ao ser incorporada em uma instituição estes traços precisam estar presentes e explícitos para que não se perca toda a riqueza intelectual e cultural que representa.

Falamos da Identidade que CADA UMA das bibliotecas pessoais possuem, e que se estes volumes forem subtraídos de seu conjunto e ordem orgânica dada pelo colecionador muito será perdido.

Um outro exemplo que gosto de citar e que já escrevi sobre isso são as Cavernas como Acervos Vivos: seu valor de Patrimônio Natural. Como um todo, elas compõem um grande acervo vivo de elementos diversos. E podem sim ser pensados uma biblioteca.

Há também os jardins pessoais onde o conjunto de plantas, folhagens, árvores, lagos e fontes compõem uma acervo que pode ser pensado também como uma biblioteca viva. Neste caso, compreender o colecionador, suas preferências técnicas, intelectuais, culturais por meio de sua biblioteca pessoal é fundamental. Aqui podemos citar o caso de Burle Marx. Não foram apenas seus jardins que entraram no processo de organização documental. TUDO o que diz respeito a ele foi considerado: a casa, biblioteca e obras diversas.
O acervo do Instituto Burle Marx reúne uma diversidade de formatos, materiais e técnicas, totalizando mais de 150 mil itens em diferentes coleções.

Abaixo temos uma representação gráfica dos números do acervo e seus tipos documentais que fazem parte do Acervo da Instituto Burle Marx:

Um exemplo específico que gostaria de destacar neste caso é o trabalho de conjunto e interdisciplinar para que não fossem perdidas todas as dimensões da pessoa, o intelectual, o artista, o cidadão. A complexidade de tais acervos é fenomenal e por isso as soluções PRECISAM ser pensadas de formas diversas. Existem ferramentas acessíveis e metodologia capaz de lidar com tais complexidades. Quase nada mais é impossível.

Note a observação sobre o acervo:

De tudo o que foi dito, é preciso frisar que a lida com bibliotecas pessoais requer por parte do profissional que a tratará uma profunda sensibilidade e rigor teórico metodológico, não para impor uma organização técnica limitadora. Será seu papel dar voz a alma que esta biblioteca já possui.

Aí está o segredo!

Como a ER Consultoria pode ajudá-lo?

Na ER Consultoria possuímos metodologia própria para utilizar as informações contidas nos documentos em diferentes tipos de acervos e/ou arquivos para Projetos de Memória Institucional com vistas ao fortalecimento de Identidade e Cultura Organizacional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de ofereceremos metodologias e técnicas adequadas para a Preservação e Conservação de Acervos e seus suportes físicos ou digitais.

Se você possui dúvidas sobre como tratar seus diferentes patrimônios entre em contato e encontraremos uma forma de auxiliá-lo quer por uma Assessoria Técnica Especializada ou por meio de Capacitações Técnicas ao seu corpo de profissionais.

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Bibliografia de Referência:
BARROS, Moreno. O futuro da Biblioteconomia. Briquet de Lemos, 2016.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004.
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano XLV, n. 2, p. 26-39, jul.- dez. 2009.
CAMPOS, José Francisco Guelf (Org). “Arquivos Pessoais: experiências, reflexões, perspectivas”. Eventus 4. Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP), São Paulo, 2017
GOMES, Thulio. Os limites de Dewey. Blog Biblioo, 2013.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. In: SILVA, Zélia Lopes da (org.). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp; Fapesp, 1999, p. 11-29.
REZENDE, Eliana Almeida de Souza. “Um Ensaio de Ego-História“, Revista Sustinere, UFRJ, 2016.
______________________________.  “Memórias digitais em busca da eternidade e o papel do profissional de informação em tempos de geração touchscreen“. Memória E Informação3(1), 36-48, 2019
RODRIGUES, A. M. L. “A teoria dos arquivos e a gestão de documentos”. Perspect. Ciênc. Inf., Belo Horizonte, v.11, n.1, p. 102-117, jan./abr. 2006

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Gestão Documental: acesso à Patrimônio Cultural e Documental

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Em diferentes artigos apontei a importância da Gestão Documental no âmbito da Gestão Pública, tanto na Administração Direta como Indireta.
Aplicada à Administração Pública podemos enfatizar que é garantia de racionalidade e transparência administrativa, bem como ferramenta eficaz na tomada de decisões estratégicas.

E ainda mais.

A Gestão Documental nas instituições públicas é meio de exercício de cidadania. Indo além: podem e devem integrar a categoria dos Direitos Humanos.
Ela é sem dúvida, ferramenta fundamental na trabalho de acesso à informações que possuem um valor incalculável, e por isso, consideradas Patrimônio Cultural e Documental.

Exatamente porque as ferramentas, normas e procedimentos aplicáveis à Gestão Documental garantem que os documentos sejam armazenados, organizados e disponibilizados, cumprindo com o que é denominado uma tarefa de preservação e conservação de documentos de valor permanente, e portanto, históricos.

Neste sentido, podemos dizer que por terem como objetivo custodiar e preservar tais documentos, os arquivos públicos também possuem uma função social: o atendimento ao usuário/cidadão em suas demandas sobre fatos relevantes que integram nossa História.

Arquivos como matéria-prima

Um exemplo interessante e apropriado para este caso é a documentação reunida, organizada e disponibilizada pelo Arquivo Nacional em relação à vários temas.
Dentre eles, o período denominado Ditadura Militar, compreendido entre 1964-1985.

Para este caso específico, foram reunidos documentos de diferentes procedências: desde documentos produzidos pelos próprios órgãos repressivos, decretos, leis e outros registros baixados pelo próprio regime militar, e como é óbvio: os atos institucionais que normatizaram e validaram ações repressivas contra a sociedade civil organizada.

Mas não apenas estes registros.
Também foram obtidos documentos como fotografias da Agência Nacional e o Jornal Correio da Manhã, e mais recentemente documentação produzida pela Comissão Nacional da Verdade.

Além disso, por meio de processos instaurados, a organização documental pode localizar documentos que foram considerados subversivos e proscritos pelo regime. Um exemplo interessante é uma letra composta por Chico Buarque de Holanda e cantada por Mario Reis, chamada “Bôlsa de Amores”.

Há também filmes, cartas e outros registros que compõem este rico acervo, como se observa nos documentos abaixo:


Colagem de imagens e prints de vídeos originais que hoje são fartamente utilizados nas redes sociais

Divulgação é fundamental

Mas como ocorre com TODOS os acervos, nada adiantaria apenas armazená-los. É preciso um grande trabalho de divulgação de acervo para a sociedade como um todo. As formas de divulgação ocorrem em especial pelas vias da Arte, Cultura e Educação, onde tais materiais podem ser utilizados e integrados à diferentes projetos educacionais e culturais.

Daí a importância de entendermos que tratar de temas como a Ditadura Militar no Brasil, não é um tema de menor importância. Tomar tais temas, e utilizar toda a gama de registros documentais disponíveis, é uma forma não apenas de não esquecermos, mas de educarmos e entendermos valores fundamentais, como Cidadania, Democracia, Liberdade, História.

E o mesmo ocorre com inúmeros outros temas sensíveis que repercutem nas formas como nossa sociedade se constitui e se compreende, dentre tantos podemos citar a escravidão, que impacta diretamente sobre a forma como compreendemos historicamente relações de trabalho e de racismo no Brasil, por exemplo.


Quando afirmamos que os documentos são Patrimônio Cultural e Documental estamos dizendo que são eles que nos trazem pistas, vestígios que nos ajudam a entender quem somos e de onde viemos. O Patrimônio Cultural é o modo pelo qual o Homem entende a si mesmo e o seu entorno.

Gestão Documental como categoria dos Direitos Humanos


Pensado desta forma, a Gestão Documental dentro das instituições públicas é elemento fundamental de exercício de cidadania, e indo além: pode e deve ser compreendida como estando na categoria dos Direitos Humanos. Isso porque, a partir do acesso à Informação os cidadãos podem tomar suas decisões com uma margem maior de acerto, e isso é sem dúvida, exercer seu direito como Cidadão.

Por isso, gosto de utilizar a expressão Usuário/Cidadão ou Cliente/Cidadão. Já que antes de tudo, cada pessoa que se dirige a um órgão buscando informações é um Cidadão, e como tal deve ser tratado.

Sob esta ótica TODOS os que trabalham em arquivos públicos possuem esta responsabilidade explicitada em Lei, que é a de dar acesso à Informação. O que cada cidadão, instituição ou órgão fará com tal informação não nos diz respeito. O papel dos órgãos que zelam pela integridade dos arquivos e acervos é apenas fornecer a informação solicitada.

Fica evidente, portanto, o circulo virtuoso que um arquivo pode ter no âmbito da sociedade civil.
Enquanto agentes públicos, os arquivos possuem a responsabilidade de custodiar, organizar e disponibilizar acesso às informações contidas nos documentos existentes em seus acervos.

Gosto de ressaltar que os arquivistas que zelam pelo cumprimento de atividades de identificação, catalogação, digitalização, higienização e armazenamento de documentos devem cumprir da forma mais precisa seu trabalho, cumprindo de perto normas e procedimentos técnicos. Ele NUNCA deverá agir como um pesquisador, apesar do fascínio que os acervos causam em muitos.
Fazer isso, removerá dos documentos as possibilidades de usos diversos.
Ele funcionará de forma restritiva às possibilidades que tais documentos oferecem.

Neste sentido, normas e procedimentos técnicos são a garantia de que tais documentos cumprirão suas funções determinadas por sua origem.

E outro ponto necessita ser salientado.

Se o arquivo deve zelar pelos documentos, sua primeiríssima atitude será a de obedecer a origem que este documento possui. Pois é somente por meio dela que compreenderemos sua função, seja ela social, jurídica, cultural, entre outras.
Fragmentar acervos e escolher documentos que deveram ser tratados como relíquias históricas NÃO é trabalho técnico e muito menos histórico!

De novo, não podemos retirar dos documentos sua organicidade presente na forma como foram acumulados no interior de uma instituição.

Apesar disso, os arquivos podem e devem ter usos e aplicações diversas após terem cumprido suas funções iniciais, determinadas pelas funções que os levaram a ser produzidos.

Entenda:

Arquivos e sua utilização como produto cultural

Uma vez organizados e acessíveis, estes documentos, retornam à sociedade não como documentos, mas como informações que poderão ser utilizadas de diferentes maneiras e na produção de conhecimentos diversos. Podem originar pesquisas acadêmicas, projetos educacionais diversos (oficinas, workshops, elaboração de aulas, escrita de livros, artigos e afins), projetos artísticos/culturais (como exposições, peças, documentários, filmes, mostras, etc).

Ao tomar esta forma de produto cultural/educacional ele irá interagir com a sociedade e produzirá novas formas de apreciação, compreensão e até conhecimento.

Daí sua importância no âmbito da construção de uma sociedade mais educada, crítica, perspicaz que sabe como se valer de informações que podem ser acessadas de forma livre e criativa.

Vejamos um exemplo muito interessante de uso de documentos de acervo para diferentes produções.
A 1ª imagem na verdade, é um print de uma cena de um documentário intitulado “Como a Ditadura Militar ensinou técnicas de tortura à Guarda Rural Indígena (Grin)“, seguido por uma imagem que há anos é utilizada na internet para compor memes do tipo ilustrado abaixo.



O caso do vídeo também é muito interessante, já que ficou desaparecido por 42 anos, e é revelador ao mostrar como a Ditadura treinou a Grin (Guarda Rural Indígena) com técnicas de tortura, como o pau de arara, e enraizou a violência policial em terras indígenas.

Segundo a reportagem da jornalista Laura Capriglione:

“(…) Aquele 5 de fevereiro de 1970 foi um dia de festa no quartel do Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em Belo Horizonte. “Pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos do bairro do Prado, em desusado interesse”, segundo reportagem da revista “O Cruzeiro”, assistiram à formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (Grin). (…) Segundo a portaria que a criou, de 1969, a tropa teria a missão de “executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas(…)”

(…) O que nenhum órgão de imprensa mostrou –eram tempos de censura– foi o “gran finale”. Os soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades –e de uma multidão que incluía crianças– carregando um homem pendurado em um pau de arara.(..)”
– Reportagem de Laura Capriglione, originalmente publicada no jornal “Folha de S.Paulo”, em 11.nov.2012

O fato importante é que poder assistir um filme mostrando uma forma de tortura muito presente em porões, mas nunca vista ao vivo se deu pela obstinação de um pesquisador: Marcelo Zelic, à época vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

Conta a repórter que realizando sua pesquisa no Museu do Índio Zelic se deparou com um DVD chamado “Arara” que era produto de uma digitalização realizada de 20 rolos de filme de 16mm, sem áudio. Em um primeiro momento o pesquisador achou que se tratava do grupo indígena chamado araras vermelhas, que habitavam a região de Altamira desde os anos 1850. Mas, ao se debruçar mais sobre o material descobriu que em verdade:

“(…) Tratava-se de pau de arara, a autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura, usado desde os tempos da colônia para punir “negros fujões”, como se dizia. Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados, atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome.(…)”

Trecho da reportagem de Laura Capriglione, citada acima

O filme que hoje podemos ter acesso via plataforma digital é parte do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante quatro décadas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e doado em 1977 ao IGPA (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Eis o vídeo completo:


O exemplo acima deixa muito claro o longo percurso que ás vezes um acervo tem até encontrar a sociedade. Pode envolver pesquisa, preservação, e muitas vezes alguma sorte.
Digo sempre que os documentos de valor histórico são sobreviventes: de sinistros, destruição, descaso, crime e ocultação. Mas se houver pelo menos UM que persiga sua missão a sociedade terá chances de os conhecer.

O caminho desse material documental foi muito longo. 42 anos de estar envolto em sombras e hoje só pode estar disponível graças à muitas técnicas informacionais: desde sua migração de suporte até sua disponibilização e divulgação em meios digitais, e por último a generosidade de pesquisadores em compartilhar da forma mais aberta possível que é numa plataforma de streaming como o YouTube

Arquivo como Patrimônio

É preciso salientar também que tais acervos em geral, são de origem material.
Possuem características materiais que os identificam: possuem forma, relevo, tipo de material utilizado (pode ser papel, metal, argila, tecido, madeira, etc.), mas, ao ser apropriado por diferentes formas de manifestação cultural e educacional podem transformar-se em imaterial (um som, uma dança, um perfume, etc)

Por tudo isso, podemos afirmar que de forma inter e transdisciplinar a Gestão Documental e os Arquivos podem auxiliar na preservação de Patrimônios no interior da sociedade.

De novo, um outro desafio se coloca.
A partir do momento que os suportes ficam tão vastos e diversos, maior será a necessidade de especialização para o trato de tais documentos, garantindo sua preservação e conservação através do tempo.

É uma roda que não pára, e que definitivamente não se resume à ferramentas tecnológicas!

Gestão Documental é um universo rico e complexo que precisa ser pensado em todas as suas vertentes, por isso digo que não pertence à um nicho fechado, feito de uma única área profissional. É preciso entender que os arquivos abarcam diferentes profissionais oriundos de diferentes áreas.

Multidisciplinaridade é o seu nome

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História Oral: uma história que escuta

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por décadas a História Oral encontra no campo das Ciências Humanas um território tanto de aplicação quanto de estudos. Mas o fato em si não diminui a quantidade de dúvidas acerca dos procedimentos técnicos e metodológicos num momento tão específico que em última instância é a produção de um documento de valor permanente… histórico. 

De fato, estamos cada vez mais envoltos de tecnologias e possibilidades oferecidas tanto para captação quanto para guarda de tais documentos, mas ainda somos humanos e apesar de tantas soluções sobre formas de indexação, guarda e preservação é comum perguntas que parecem corriqueiras.

Assim, é objetivo deste ensaio esclarecer aos que se sentem inclinados a utilizar a História Oral em suas pesquisas ou trabalhos, mas possuem muitas dúvidas teóricas e metodológicas em sua aplicação.

Gosto de um ditado chinês que diz que se temos dois ouvidos e uma boca significa que precisamos escutar muito mais do que falar. E trabalhar com a História Oral tem este sentido como uma predominância.

Um começo fundamental é balizar as diferenças entre métodos de escuta que possuem objetivos e encaminhamentos muito diferentes uns dos outros. 

Veja: a História Oral ocorre a partir da coleta de um testemunho ou relato em forma de uma narrativa pessoal. Alguns oralistas e /ou pesquisadores optam por utilizar a expressão entrevista, mas considero que este termo se adequa melhor à determinadas situações e profissionais, como é o caso do jornalismo. Nas entrevistas realizadas por profissionais de comunicação o depoente não está de todo livre com suas memórias e relatos. O profissional costuma estar pautado e em geral já chega com as perguntas prontas e estas precisam ser respondidas. Ou seja, há um roteiro pré-determinado a ser seguido.

Por outro lado, um interrogatório por exemplo, é sempre realizado por um investigador em uma situação judicial. As perguntas se relacionam a um quebra-cabeça investigativo que tenta encontrar na fala daquela testemunha vestígios que corroborem uma linha investigativa. É natural que neste tipo de inquirição a relação costume ser tensa e podendo ser eivada de mentiras e omissões propositais ou inconscientes. 

Opto, portanto, por utilizar o termo depoimento por concluir que este não possui qualquer similaridade com uma entrevista sob o ponto de vista metodológico que aprendi a desenvolver.

Em verdade, não podemos dizer que esta ou aquela forma de nominar tal registro oral seja certa ou errada. Creio muito mais em uma perspectiva de abordagem deste método de tratar a narrativa oral que alguém que rememora traz e o quanto nos sentimos à vontade nele.

À medida que fui aprofundando minhas técnicas de escuta fui me aproximando do uso da expressão depoimento e justifico suas características como segue abaixo: 

Dentro desta perspectiva metodológica os depoimentos em geral, tem uma pauta bem mais aberta e o oralista e/ou pesquisador não atropela o depoente com perguntas em forma de inquérito, cortando ou entrecortando seu relato. NUNCA o interromperá, tornando-se indelicado ou brusco. Não buscará perguntas capciosas para buscar contradições ou explorará emoções para ter uma imagem emotiva. Muito menos haverá um roteiro prévio para as perguntas a serem feitas. 

Lembre-se que podemos invadir os espaços emocionais de uma pessoa com nossas palavras, que podem servir como lâminas agudas e pontiagudas que simplesmente cortam todo um raciocínio.

Daí a necessidade da escuta: só ela permitirá a precisão adequada no momento de interlocução ou questionamento. 

Os depoimentos obedecem exclusivamente o que os depoentes e suas memórias desejam e conseguem revelar. 
Depoimento é portanto, muito diferente de uma entrevista: não é premido pelo tempo ou a pressa.
A escuta calma é parte significativa e representativa de uma história que se tece com a oralidade.
Assim, haverá momentos de fluxo e refluxo no rio caudaloso de memórias. Esquecimentos, omissões, reelaborações serão absolutamente parte deste processo.

Caberá ao oralista e/ou pesquisador entender que não está ali para julgar, mas sim para escutar, incentivar, apoiar. Escutará com TODOS os seus sentidos. Isto significa ouvido atento, olhar firme e espírito acolhedor, empático e compassivo.
Se não for capaz de oferecer isso será melhor reconsiderar seu papel como oralista e/ou pesquisador e condutor da coleta do depoimento.

Os intelectuais que fazem da pesquisa seu oficio usam das palavras e dos registros seus cânones de segurança e em alguns casos até subterfúgios. Se encastelam entre seus muros de segurança propiciados por muitos autores, notas de rodapé, debates historiográficos ou bibliográficos para encontrar um caminho que consiga considerar seguro.

Mas a lida com a História Oral nos coloca, acima de tudo, com o desafio de estar perante o Outro num momento único, onde se constrói uma narrativa sobre um passado edificado por memórias que não nos pertencem.

Talvez por isso, muitos se sentem inseguros de caminhar não por uma trilha bem sinalizada e pavimentada, mas sim por caminhos de brumas e personagens e fatos muitas vezes velados e expostos por muitos filtros que são absolutamente seletivos e subjetivos. 

O oralista e/ou pesquisador não é juiz destes fatos, não os tenta reescrever ou interpretar. Por isso, a escuta atenta e desprovida de pré-conceitos, pressa ou ansiedade. 

Todos os que possuem o ofício de trabalhar com documentos sabem que isto significa um encontro com palavras, ideias, impressões…

É um cruzar e perspectivar por diferentes nuances e camadas. Mas História Oral ocorre em tempo real e imediato. Ela se desenvolve em nossa frente num determinado recorte de espaço/tempo que NUNCA mais se repetirá.

Talvez por isso, traga tantos desafios em sua construção. Aqui depoente e pesquisador e/ou oralista constroem juntos um documento para posteridade.

O registro oral portanto, vinca Memórias e Histórias pelo olhar de quem recorda, ao vivo e em tempo real diante dos olhos do oralista e/ou pesquisador. 

Aqui talvez seja um dos momentos mais interessantes e por onde devemos começar a nos questionar.

Em geral, o oralista e/ou pesquisador, e em especial os mais jovens ou inexperientes buscam, na fala do outro, todas as certezas e garantias para suas hipóteses e questionamentos prévios.
Mas nem sempre elas nos chegam assim. Podem, ao invés disso, trazer mais hiatos do que certezas.

Às vezes, surgem como silêncios persistentes, ou até reações emocionais como nervosismo, choro.
E tudo isso por si só pode torna-se um momento de muita ansiedade por parte do oralista e/ou pesquisador.
Teria ele perdido seu tempo e não encontrará as respostas que tanto deseja?

Começamos com uma questão que parece simples e óbvia: afinal o que esperar? O que fazer? 

A expectativa por respostas à questionamentos é natural. Afinal, espera-se que ao chegar frente a frente com o depoente muito estudo tenha sido feito. O bom oralista e/ou pesquisador terá feito sua lição adequadamente procurando estar confortável com o contexto onde seu depoente viveu e os momentos que comporão seu relato.

É inadmissível um oralista e/ou pesquisador que chega despreparado ou mal preparado para a coleta de um depoimento. Até porque como dito anteriormente não há um roteiro prévio, mas é preciso conhecer a história do depoente para ser capaz de inquirir na hora certa e da forma mais adequada.

Por ser um registro que já nasce histórico é preciso ter um comportamento de respeito, responsabilidade e muito foco. A construção deste documento é conjunta e portanto, deve haver corresponsabilidade entre os envolvidos. 

É preciso ter muito claro que esta pode ser a primeira e a única oportunidade com o depoente. 
É usual termos depoentes que tem mais idade e a morte é uma constância.
Em muitos projetos ao terminarmos, vários dos depoentes não estão mais entre nós. Por isso, é preciso ser absolutamente impecável e perfeito no momento de coleta de depoimento.

Poderá não haver uma próxima vez. 

E algo fundamental de se ter em mente: saber ouvir significará entre tantas outras coisas saber calar.

O oralista e/ou pesquisador PRECISA ter a dimensão exata de quanto seu silêncio é fundamental na construção e constituição deste documento. Não saber o momento certo de calar ou falar poderá interromper um importante momento do depoimento. Poderá ser interrompido o curso de um raciocínio que nunca mais retornará.

As memórias devem ser pensadas como um curso de um grande rio: são caudalosas, em alguns momentos volumosas e seus movimentos podem significar algumas voltas, idas e vindas. Interromper este fluxo pode significar o mesmo que colocar um obstáculo no caminho destas águas que podem se derramar para margens que não significam nada ao curso destas memórias. 

Assim, é muito importante conter a ansiedade, pressa ou mesmo expectativas sobre o dito. 

Não é momento de tentar buscar “provas” de suas perspectivas.
As conclusões e caminhos da Memória devem pertencer ao depoente.
O oralista e/ou pesquisador deverá funcionar como um incentivador, mas nunca como aquele que dirige e determina o que será dito e a que momento.  Está exatamente neste ponto a medida exata entre calar e falar.

Por isso, contenha-se!

Seja sábio e use o silêncio em beneficio de todos. 

As memórias possuem suas próprias formas de manifestação e cada depoente encontrará a sua. Reafirmo que Não ‘existe’ uma História a ser ‘resgatada” em algum ponto do passado. A História NÃO está pronta em lugar algum para ser trazida ou ‘resgatada’. Ela é uma construção, e como tal é construída a partir de perspectivas que temos no presente.

O passado chega envolto como em névoas trazida pela brisa da passagem do tempo e estas funcionam como filtros que vamos aprendendo a ter para olhar para o passado. Como somos seres em constante movimento e amadurecimento é natural vermos o passado de diferentes formas à medida que o tempo passa.

Assim, não existem mentiras para o que um depoente conta, existem perspectivas!
Um mesmo evento será contado por uma pessoa diferentemente aos 20 anos, aos 40, aos 60 e aos 80 anos. Sua perspectiva e compreensão sobre os eventos passados tenderão a sofrer transformações e poderá até, em alguns casos, sofrer desaparecimentos ou apagamentos.
E isto de modo algum poderá ser considerado uma mentira.

É a forma como a Memória e o Tempo atuam sobre as mentes humanas.

Esta Memória é também uma forma de elaboração construtiva e narrativa que contará com todos os seus movimentos de ir e vir, fluxos e refluxos.
E são a elas que a escuta atenta poderá ter acesso.
Esse território feito de sedimentos e brumas precisa ter uma paciente escuta para ser capaz de reunir cada trecho destas memórias e como num quebra-cabeça encontrar os pontos que darão sentido à todo o conjunto.
Como um tricô rico de pontos com algumas costuras que, para ter sua beleza exposta necessitará estar escondido no avesso de tudo. A trama do fio quem tece é o tempo, tal como as memórias que emergem em um relato.

Por isso, a escuta deverá ser sempre empática, paciente, tranquila. Nunca invasiva, indelicada e intrusiva. Respeitará sempre o Outro e seus movimentos no seu trânsito entre passado e presente. 

Cabe frisar que o respeito a este Outro que nos traz o seu passado, memórias, sentimentos e perspectivas precisa de espaço e tempo para elaborar o que pensa e o que sente.

Muitas vezes, você verá seu depoente numa longa pausa e um olhar que fixa o nada, como se estivesse tentando alcançar aquele tempo que passou.
Ás vezes, de fato ele se esqueceu e às vezes precisa elaborar melhor seus sentimentos para que os possa expressar. Às vezes, entra em contato com uma grande dor, perda, mágoa ou alegria. Dê tempo para que a pessoa reencontre este passado.
Pode ser que seja um passado que estava trancado em gavetas profundas dos seus pensamentos e encontrá-las ali de repente pode significar um sobressalto que o depoente simplesmente não esperava. 

Reencontrar o passado a partir de memórias pode significar em alguns casos, lidar com traumas e dores quase instransponíveis…respeito isso. 

Daí que a escuta praticada pelo pesquisador não é apenas a óbvia: feita pelos ouvidos. É uma escuta empática, serena.

Por isso, o oralista e/ou pesquisador não pode ser uma pessoa despreparada, ansiosa ou agitada. Ela PRECISA ser a boia salvadora que permite que o depoente ultrapasse as tempestades de seu passado e objetive de forma concreta o que de fato quer revelar. 

O oralista e/ou pesquisador é por assim dizer, o porto seguro após as turbulências emocionais pelas quais eles passarão no seu caminho de travessia pelo Tempo. 

Por isso, muitos depoimentos podem levar horas e até dias. Nunca ocorrerá em uma única hora. 

Diante disso, considero importante abordar um outro ponto nevrálgico e que em muitos casos surge como um grande equívoco: 

História Oral: NÃO É Storytelling

O termo se popularizou em especial por áreas ligadas ao Marketing e que possui uma forma que muitas vezes chega a desvirtuar completamente o sentido e o uso da História Oral. Seu uso tem como objetivo buscar histórias que funcionem como gatilhos, comovam ou incentivem outros a partir das experiências de personagens importantes da empresa, como fundadores e primeiros funcionários. 

O recurso de uso do Storytelling tem como objetivo apelar para o lado emotivo que pode gerar empatia em relação a estes eventos ou histórias do passado. O Storytelling funciona a partir de um enredo previamente criado para que tais historietas, eventos ou peculiaridades sejam dispostas e se entrecruzem de modo a gerar retenção e absorção mental e emocional. Por isso, é tão utilizada por áreas que trabalham exatamente o emocional das pessoas para gerar demandas e consumo, ou como neste caso, engajamento e afeto. Mas é possível que uma instituição queira usar este recurso como elemento motivador e inspirador de equipes, por exemplo. 

Apesar de às vezes, tais histórias serem “engraçadinhas” quer por seu pitoresco ou inusitado tal recurso está há anos-luz do que seja História Oral e do seu uso, por exemplo num Projeto de Memória Institucional ou de História Oral.

A História Oral possui uma forte fundamentação metodológica e requer que os envolvidos estejam preparados por todos os passos que a compõe. Nos casos do seu uso para Projetos de Memória Institucional deve-se ter em mente que sua utilização está muito mais vinculada ao fortalecimento da Cultura e Identidade institucional ao mesmo tempo que se está valorizando o Capital Intelectual existente. E sendo assim, a escuta será elemento fundamental e dominante em todo o processo.

A escuta será a protagonista de uma construção documental onde participam depoente e entrevistador numa relação que busca antes de tudo localizar memórias que muitas vezes estão encobertas pelas brumas de seu passado.

Como dito à cima nunca significarão um resgate, pois esta memória está longe de estar pronta em algum lugar. 

Uma correção fundamental: não existe história oral empresarial

Quando dizemos que a memória é uma construção narrativa feita no presente a partir de um determinado momento histórico estamos querendo dizer que será a fala e o registro que darão concretude ao que é fluido e subjetivo, que é a memória do depoente.

A memória que se torna registro e fonte documental representa uma seleção dinâmica entre quem fala e quem escuta. 

Sendo assim, e tomando como princípio metodológico que não podemos tratar a memória como algo concreto, convém que corrijamos um equívoco corrente: ou seja, substituirmos o termo “história oral empresarial” por história oral da empresa ou para a empresa. 
Isto se dá porque há diferença entre história oral da empresa e história oral para a empresa.
Entenda:

“(…) Historia oral da empresa remete ao papel externo da instituição. É endógeno. Por inscrevê-la na atividade empresarial fora da fábrica ela é para a empresa, exógena (…)

(…) História oral para a empresa é uma produção atenta à visão de fora para dentro, e diz respeito à relação entre a empresa, o contexto e o mercado. Nesta caso, a atenção é dada a inscrição da empresa no contexto histórico, econômico, em dimensões maiores que a pratica interna ou a vivência da empresa… Portanto, a história oral para a empresa diz respeito ao setor como atividade do mundo externo, atento ao impacto e desenvolvimento social provocados pela atuação daquela instituição.(…) 

(…) A história oral da empresa, pelo contrário, orienta-se para o funcionamento unitário das entidades produtivas. O “olhar interno” na instituição é o que interessa (…) a história oral da empresa devota a atenção aos funcionários e os conecta com problemas imediatos, internos da entidade. (…)”*  

(Meihy & Ribeiro, 2011)

Esta abordagem tenta corrigir o jargão de ‘história oral empresarial’.

A história oral institucional, de ou para empresas, está diretamente relacionada ao mundo do trabalho, e portanto, preocupada em relacionar a empresa na vida social que a cerca. 

O principal erro aqui é esquecer-se que a história da empresa ou história empresarial é feita com documentos, em sua maior parte escrita sem mediação do oral, não existindo uma história oral empresarial
Não que os documentos orais não possam ser considerados fontes documentais. Mas estes são produzidos no presente, com questões e filtros do presente realizado por pessoas vivas e que se debruçam sobre o passado com todos os seus filtros e impressões. Deste ponto de vista, são altamente subjetivas e podem possuir muitos ponto velados.
Além disso, são documentos que podem ser considerados colaborativos pois contam com a parceria do oralista e/ou pesquisador e o depoente.

A oralidade é uma condição fluida, subjetiva que possui um código diferente de um registro escrito produzido no desempenho de funções específicas da instituição.
Tais documentos não nascem para ser históricos, mas sim para cumprir funções no interior da instituição. Carregam consigo elementos que formam e informam todo um arcabouço que poderá servir no futuro para investigações outras.
São exemplos de tais documentos: registros de atas, relatórios, cartas, instruções normativas entre outros registros. Em geral, tais documentos terão um valor inicial que se relacionam com sua função e somente posteriormente será considerado histórico ou patrimônio documental que faz parte da história empresarial.

Cabe aqui um alerta importante: não se deve separar estes documentos de forma avulsa para compor a tal história empresarial. Ou mesmo para compor Centros de Documentação e/ou Memória.

A História não é feita de documentos avulsos pinçados aleatoriamente para criar um gabinete de curiosidades institucional. Este é um erro arquivístico sério que não deveria ocorrer – na arquivística temos o que se chama a teoria do “Respeito aos Fundos” onde um documento não pode ser subtraído de um conjunto documental – mas vejo isto acontecer com alguma regularidade no âmbito da tal história empresarial. Este erro ocorre em verdade, porque alguns profissionais simplesmente não sabem disso, e a instituição que solicita o trabalho sabe menos ainda.

Voltando ao ponto que interessa:

O uso de relatos orais para compor uma história da empresa ou para empresa tem suas virtudes, mas também possui seus riscos: em alguns momentos terá elementos de excessiva subjetividade, que como pesquisadores e/ou oralistas precisam estar atentos. 

Um Projeto de História Oral para ser tomada à cabo deverá circunscrever todas estas variáveis e compreender que ele representará um recorte no espaço/tempo e por isso mesmo será finito.

E a História Oral de Vida?

Não poderia deixar de abordar um outro termo que sempre gera muita confusão no campo de história oral. 

Veja, se de um lado temos os depoimentos que se inscrevem em campos sociais ou sendo de ou para uma empresa, de outro lado podemos ter a chamada história oral de vida
Qual a sua principal característica e como se diferencia das outras formas de história oral?

As histórias orais focadas em grupos, empresas, famílias, etc., se referem a trajetória de uma pessoa dentro deste período de sua conexão com tais grupos, empresa, etc., Não há uma grande digressão sobre seu passado, formação, ou os caminhos percorridos até chegar a este ponto.

Em geral, os depoimentos quase que começam com a entrada da pessoa naquele determinado grupo, movimento, empresa, família, etc.,

Já a história oral de vida interessa-se pela trajetória completa de um determinado dirigente, líder, fundador.
É exatamente o elemento extraordinário desta pessoa que torna importante ouvir TODA a sua trajetória.
Neste caso, o relato oral começa às vezes com os pais da pessoa, sua infância, formação intelectual, leituras, o encontro com a instituição, suas contribuições e às vezes sua aposentaria ou desligamento. 

Considero que a História Oral de Vida representa mais do que em qualquer outra modalidade uma forma de dar valor ao individuo e sua trajetória. Neste caso, é onde mais diretamente encontramos a valorização do Capital Intelectual que aquela pessoa representa tanto pessoalmente quanto profissionalmente e/ou intelectualmente. Neste tipo de relato todas as formas de expressão do individuo são valorizadas: sua forma de pensar, agir, relações, criatividade, produção intelectual ou artística. 

Por tudo isso, fica claro que um Projeto de História Oral terá poucos casos de um relato de História Oral de Vida.
Se por exemplo, um depoimento normal dura entre 2 ou 3 horas, um depoimento de História de Vida pode dura muitas horas e até dias! 

De tudo o que disse, o que fica é esta excepcionalidade do vivido que se transforma em ponte para um passado vivido e revisto. Escutar será sem dúvida alguma o meio de acessar os caminhos e trilhas destas Memórias e a reunião de vários conjuntos de depoimentos nos apresentarão um caleidoscópio interessante e rico de um tempo que se foi. Trajetórias se interpenetrarão e nos apresentarão uma perspectiva diversa, e muitas vezes, complementares.

O conjunto de tais relatos nos possibilitarão perspectivar um sujeito coletivo que perpassou vidas e inscreveu-se em um determinado espaço/tempo.

Talvez por isso o fascínio que esta História nos traz. 

_______________________
* Notas: Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.

** Bibliografia de apoio:
Alberti, Verena. Ouvir Contar – Textos em História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
Alberti, Verena. Manual de História Oral – a experiência do CPDOC, 1989
Benjamin, Walter. O narrador. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. São Paulo, Brasiliense, 1987
Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade. Petrópolis. São Paulo: T.A. Queirós, 1979
Garrido, Joan del Alcàzar i. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 13, nº 25/26, set. 1992/ago.1993
Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.
Pollak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.2, nº 3
____________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.5, n.10

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Nas ruas e nas redes: uma metodologia para análise da sociedade digital

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A sociedade possui uma forma de estar e se comportar tanto nas ruas como em redes. Nossa sociedade se movimenta tanto física quanto digitalmente.

Registros fotográficos captam instantes e movimentos vividos nas ruas. Nas redes esta ‘fotografia’ de instantes pode ser observada com ferramentas de análise de redes.

A fotografia em toda sua história possui a característica de registrar e enfocar algo para nos chamar a atenção. O fotógrafo nos dirige o olhar para aquilo que lhe interessa e tudo o que está fora do enquadramento compõe o que chamamos extraquadro e se torna ausente. A fotografia, não representa nem a verdade de uma situação e representa sim um olhar sobre um vasto campo que engloba o objeto, mas que também exclui tudo o que compõe o extraquadro. É fruto de uma escolha pessoal e subjetiva do fotógrafo.

Da mesma forma que o registro fotográfico, as ferramentas de análise de redes que resultam em imagens instantâneas dos temas que provocam engajamento também trazem este foco, ao mesmo tempo que possuem, não um extraquadro, mas um contexto para suas conexões.

Há uma ampla gama de ferramentas que são utilizadas na coleta, análise, configuração dos dados e a elaboração de gráficos e imagens que fornecem a possibilidade de se verificar não apenas os graus de engajamento e interação, mas também a densidade destas ligações.

Dentre eles, temos, segundo SILVA, T. F. da .; RAMOS, T. C. da S. .; DAVID , H. M. S. L. .; VIEIRA, A. C. T. (2021):

– “(…) O Ucinet© – mais utilizado nos estudos que envolvem Análises de Redes Sociais (ARS) –, criado para auxiliar o analista de redes sociais no estudo das relações por meio de seus padrões. Permite caracterizar as ligações entre atores por meio de gráficos provenientes de uma matriz – conjunto de elementos formado por linhas e colunas, em que o analista de redes insere dados que representam as ligações dos atores na rede e pela aplicação de algoritmos específicos. Possibilita ainda o cálculo de medidas e a configuração das redes;
– O Netdraw©, que está integrado ao Ucinet© e é um programa para a representação de diagramas, possibilita a visualização de dados de redes sociais e permite visualizar relações múltiplas, distinguir atributos para os atores da rede, salvar os diagramas da rede como imagem, entre outros recursos;
– O Egonet©, que é uma ferramenta desenvolvida para analisar dados de redes egocêntricas. Auxilia o analista de redes na elaboração do questionário, na coleta de dados, na compilação de matrizes e na apresentação de análises estatísticas;
– O Pajek©, que tem a capacidade de representar, por gráficos, grandes redes, decompondo-as e identificando clusters (redes dentro de redes) ;
– E o Gephi©, considerado uma ferramenta “opensource” que auxilia na exploração e compreensão de dados a partir de gráficos. Ele permite que o usuário possa interagir com a representação, manipular as estruturas, formas e cores para revelar propriedades, por vezes ocultas, nos dados brutos. Pode ser utilizado para análise de redes egocêntricas ou completas. (…)”

Entenda toda esta teoria a partir de um exemplo prático:

Os movimentos ocorridos neste 7 de Setembro de 2021 entram para a história como sendo grandes movimentos, tanto nas ruas e praças, quanto na avenida larga da internet. Vimos o que aconteceu e o que não aconteceu nas ruas neste 7 de Setembro. Agora vamos tentar entender o que aconteceu nas redes e a forma como a sociedade se movimentou a partir das ferramentas disponíveis para análise delas.

Utilizarei grafos de Pedro Barciela que foram produzidos a partir de interações no Twitter.

Chamamos grafos estas imagens que parecem nuvens de palavras coloridas, que resultam de reunião e análise de grandes massas de dados.

Grafo de Pedro Barciela

Como forma de compreender estas imagens, tais grafos apresentam cores, que por sua vez se dividem em “grupos”. Para o caso da análise deste dia o cluster (que são as redes dentro de redes) representada pelo bolsonarismo é o laranja. Se colocarmos uma lupa sobre a quantidade de interações os dados revelam que menos de 18% dos usuários citaram as ‘manifestações’ ou mesmo ‘Bolsonaro’ em suas interações. As citações para o caso de redes utilizando hashtags são fundamentais para mensurarmos as interações. Esse baixo engajamento da análise deste grafo mostra que a mobilização digital #flopou (termo em linguagem digital para dizer que fracassou).

Mas o que poderia ser atribuído a isso? O que é definitivamente visível e perceptível é que a partir do esvaziamento da manifestação em Brasília com a presença de apenas 5% de manifestantes do que seria sua expectativa inicial. Fontes mais otimistas aguardavam algo acima de 1 milhão de manifestantes. Este volume, muito menor de pessoas, dificultou a criação de uma “enredo” sobre o que aconteceu. Isto deixou os que funcionavam como alimentadores das redes sem uma ‘ficção’ que engajasse seus pares e produzissem as tão desejadas interações que movimentariam as redes.

Apesar do grande tempo de preparação (quase 2 meses), com uso de recursos públicos e privados a decepção pelo que aconteceu em Brasília dificultou o engajamento na rede. Como a análise de redes ocorre em tempo real e instantâneo não é possível fazer análises sobre o que poderia ter acontecido nas ruas. Inúmeras versões surgem e só o Tempo mostrará. Para a análise das redes isto de fato não importa. Cabem a outras áreas de conhecimento investigar e propor caminhos interpretativos que se pautarão não apenas ao instante, mas aos eventos que circundam tais registros e estão no antes, durante e no depois. Colaboram com isso informações trazidas por apurações jornalísticas e, mais tarde e de forma bem mais robustas, por historiadores e cientistas sociais.

De outro lado, e não menos importante temos os outros clusters que representam o que pode se considerar a oposição ao bolsonarismo (representados pelas cores rosa e verde), e que se apresentam com uma interação muito maior. De novo, temos o engajamento de clusters diversos em oposição à jb. Não que TODOS pensem de forma idêntica, mas determinados pontos como a crise institucional e a luta por Democracia os une. O anti-bolsonarismo é diverso e possui muitas camadas de pensamentos, ideologias, objetivos e visões políticas e de mundo. Por isso, são uniões que ocorrem de forma pontual em resposta à situações específicas. Perceba que sempre há a figura de atores sociais que possuem um grande número de seguidores, e estes repercutem suas falas gerando o engajamento. Toda a movimentação se dá por posições e contraposições de ideias e posicionamentos. Alguns atores possuem interlocução com mais de um cluster exatamente por terem abordagens que engajam vários segmentos e pautas. E também é importante destacar que a aliança entre estes atores não se dá por conexão. Não estão conectados ou filiados politicamente, mas apresentam interesses no mesmo tema. Por isso dizemos que são alianças contranaturais. Estão unidos neste tema e aparecem neste instantâneo de momento.

Metodologia na Prática

Quando falamos em análise de redes não tomamos métricas usuais para outras coisas como raça, gênero, sexo, idade. Para analisá-las utilizamos critérios que tomam em conta a comunicação e interação entre ideias e comportamentos. O produto final destas análises funcionam como uma radiografia do social, e como toda radiografia há que se delimitar o quê efetivamente será mostrado.

A análise das redes nunca são abertas ao ponto de não se saber o que se quer mostrar. Como ocorre com todas as metodologias é preciso saber o quê e como será analisado. É preciso delimitar claramente quais serão as fronteiras do estudo.

O rigor metodológico da ARS implica duas condições: a escolha e a justificativa das relações que serão observadas e a delimitação do conjunto que será observado, ou seja, a especificação de fronteiras para a investigação. Para alcance da primeira, o pesquisador deve identificar os recursos cuja circulação é vital para o sistema, as produções, as trocas, os controles e as solidariedades que o caracterizam. A segunda condição pressupõe definir as fronteiras externas do ator coletivo ou do sistema de interdependência que se quer observar na estrutura relacional (Lazega & Higgins, 2014)“.

Por esta razão, vale frisar que as alianças contranaturais geradas pelo antibolsonarismo, segundo Pedro Barciela, são da mesma natureza que o movimento antipetismo. Isto porque ela fomenta alianças que antes só poderiam ser vistas estritamente no ambiente sócio-político.

Agora como entender os elementos que compõem este grafo e seus clusters?

A interpretação pode ser resumida da seguinte forma: os nomes que aparecem tem seu nome distribuído por tamanho de acordo com seu volume de interações. Quanto mais interações maior o nome aparecerá, sua localização no cluster estará no ponto onde se conecta com outros atores. Tais nomes também são chamados de nós. Taís nós são, dentro do ambiente de rede, tanto o que converge quanto o que bifurca interesses e conexões. Por isso, podemos afirmar que nunca as redes podem ser vistas como organismos fechados e homogêneos. Os nós podem ser antes de tudo o começo, e portanto está sempre aberto.

E as cores? Bem, as cores segundo a bióloga Carina Pensa, que utiliza grafos em seus trabalhos de pesquisa e os define da seguinte forma:

Os grafos, portanto, dão materialidade a algo que não podemos ver. Ao aplicar a análise de redes e usar os grafos podemos seguir interpretando os dados a partir das imagens que conseguimos ter a partir de diferentes ferramentas.

O que é importante destacar é que tais “fotografias” são como instantâneos e vão se alterando todo o tempo em função das interações ocorridas e dos eventos que se sucedem. As redes possuem interesses voláteis e por isso nunca representarão uma perspectiva fixa.

O exercício mais interessante é olhar para todos os dados e a partir daí seguir fazendo as interpretações possíveis a partir de todo o seu contexto.

Tal como ocorre com movimentos nas ruas, os movimentos em rede não são, nem uniformes e nem homogêneos. À medida que novos eventos ocorrem eles vão alterando o comportamento digital.

Observe-se pela manhã do dia 7 de Setembro de 2021 o movimento era maior, mas logo no meio da tarde e noite o levantamento de hashtags e engajamentos foram muito abaixo do que se esperava.

Observe o gráfico de engajamento nas redes criado também por Pedro Barciela. O gráfico mostra o engajamento em rede desde o dia anterior (06/09/21) e no decorrer de todo o dia 07/09. Fácil observar que a oposição teve uma reação bem maior contra o bolsonarismo.

Ao analisarmos fotografias do movimento nas ruas de Brasília na manhã do dia 07 de Setembro de 2021, basicamente no mesmo momento dos registros dos grafos acima verificaremos a dispersão de pessoas. Essa dispersão de pessoas levou ao menor engajamento em rede. Donde se lê que a rede acabou refletindo algo que estava ocorrendo nas ruas.

A interdisciplinaridade para análise da ruas e das redes

De tudo o que vimos, nas redes e nas ruas, fica claro que mais importante que imagens descoladas da realidade servem bem pouco à análise da sociedade digital. Sua complexidade entre diversos atores e mundos requerem uma multiplicidade de olhares. Mas antes e mais importante de tudo: são necessárias boas perguntas. Se não sabemos como elaborar boas perguntas a possibilidade de encontrarmos boas hipóteses e consequentemente boas análises interpretativas são pequenas.
O estudo tanto de redes sociais quanto digitais necessitam de um olhar interdisciplinar e atento.
E ainda mais importante: mesmo tendo em mãos muitas ferramentas para análise de redes, o sucesso depende daquele que circunscreve e delimita seu campo de investigação para posteriormente ser capaz de analisar de forma abrangente e perspicaz.

Gosto deste tipo de abordagem como análise social e digital pois permitem o cruzamento de diferentes dados. A reunião destes gera informação que pode produzir análise a partir de uma quantidade de variáveis e contextos. E aí temos uma prova fantástica de como nos dias de hoje áreas de exatas e humanas podem se unir para compreender a sociedade onde estão.

Este território de intersecção entre as áreas de Humanas com ferramentas das áreas de Exatas vem sendo chamada de Humanidade Digitais.

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Fotografia como Documento e Narrativas Possíveis
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** Artigos relacionados:
Lazega, E., & Higgins, S. S. Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte. Editora Fino Traço, 2014.

SILVA, T. F. da .; RAMOS, T. C. da S. .; DAVID , H. M. S. L. .; VIEIRA, A. C. T. . Características e especificidades da Metodologia de Análise de Redes SociaisResearch, Society and Development[S. l.], v. 10, n. 3, p. e46510313622, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i3.13622. Acesso em: 9 set. 2021

Rezende, Eliana Almeida de Souza. ”Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”. An. mus. paul. [online]. 2007, vol.15, n.1, pp.115-186. ISSN 0101-4714. Acesso em: 9 set, 2021.

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Letra cursiva: a caminho da extinção?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Recentemente lia sobre a decisão, e que em alguns países está se tornando lei, que é a de não ensinar mais a letra cursiva nas escolas para estudantes que estão sendo alfabetizados.

Ao que parece tal decisão pauta-se mais pelos que consideram que a escrita digital está substituindo a escrita cursiva, e que esta última não possui sentido em um mundo feito de parafernálias digitais e outras formas de composição do escrito.

Não sei se esta radicalização é correta neste momento ou se basta deixar os anos correrem para ver se a escrita cursiva de fato cairá na obsolescência e consequente esquecimento, tal como o dizem seus profetas apocalípticos.
Tudo acaba sendo especulativo.
Mas de fato, creio que essa opção de extirpar a escrita cursiva, ainda na alfabetização, será alvo de acaloradas e intensas discussões.
Um artigo interessante do The New York Times trata desta questão do ponto de vista do que se tem com a escrita de próprio punho. 

No lado oposto, estão os que defendem que a escrita de próprio punho é não apenas salutar, como ajuda a desenvolver aspectos neurológicos, de memória e retenção que nos meios digitais não seriam possível.

Em relação a isto, e até mesmo no Brasil muitos conteúdos têm sido revistos quanto à sua importância no currículo, e a letra cursiva é mais uma destas reflexões.

O que precisa ser levado em conta é que a transmissão da ideia de um texto escrito necessita ser inteligível a qualquer um, em dois aspectos: coesão e letra. Pois a ideia pode ser ótima, mas se perde quando a letra não possibilitar sua leitura e compreensão. Penso que a letra (qualquer uma delas) é um recurso intermediário e nunca o objetivo final.
De que vale uma letra maravilhosa com pobreza de ideias, sem clareza de raciocínio?

Para nós, que temos o domínio de todas as formas e formatos que a escrita pode ter, é apenas uma questão de escolha por um ou outro meio. Agora, optar pelo não ensino é uma discussão que vai muito além.

O maior problema que temos assistido é que da mesma forma que os suportes têm feito a cisão entre conteúdo e forma, o mesmo vem ocorrendo, ainda que de forma sutil entre escrita digital e cursiva.

Para, além disso, a escrita vem tornando-se fonética e encontra públicos usuários de todas as idades. Tenho para mim que seria um dos motivos de estarmos assistindo uma inviabilização da escrita cursiva com alguma fluência. Os alunos quase que junto com a alfabetização começam a se comunicar utilizando essa forma de linguagem.
Tão logo aprendem as primeiras letras incorporam os vícios da linguagem fonética.

Em outros tempos éramos alfabetizados e utilizávamos o encurtamento de caracteres para simplificar a escrita ágil, em geral para anotações de aula. Obedecíamos às regras e a forma taquigráfica tinha como base uma boa redação. Hoje o que temos são alunos que não aprenderam a ler, a se expressar e transformam essa expressão em código escrito que tenha inteligibilidade e correção.

Nossa sociedade, dita digital, está se habituando cada vez mais com a pirotecnia de telas e teclados e a cisão entre forma e conteúdo acontece sem se darem conta disso. 

Em tempos analógicos seria impensável separar conteúdo de suporte. Daí que a escrita de próprio punho cunhava sobre o papel modos de ser e expressar… a grafologia fornecia uma possibilidade concreta de análise do indivíduo a partir de seus dados, peso da escrita sobre o papel, aproximações e distanciamentos entre as formas gráficas. Todo um conjunto formado por tintas, papéis e mãos compunham uma identidade pessoal ao escrito. Forneciam indícios e sinais de quem era e até seu estado de ânimo no momento da escrita.

Com os processos digitais, conteúdo e forma se cindiram e hoje esta cisão acaba sendo “natural”, até para propiciar links e hiperlinks que saem de um lugar e vão ao outro em ritmo de sons, imagens, textos e cores e que muito pouco possui do traço do individuo. As formas já vem prontas e a disposição gráfica é homogênea, a partir apenas e tão somente de aplicativos determinados. Os textos não precisam mais de um suporte em papel e grafar um sentimento utilizando a escrita não necessariamente transmitirá a quem lê as sensações de humores e fragilidades como ocorria com a escrita sobre papel.
Passamos de inscrições à pena para esferográficas num longo período de adaptação que levou séculos. A estabilidade dos suportes em papel e da tecnologia de uma ferramenta como uma pena, lápis ou caneta levaram muito tempo dentro da história da escrita e leitura.

Ao contrário do que temos hoje, teclados substituíram de forma avassaladora o que tínhamos como referência de escrita e em pouco mais de duas ou três décadas começamos a achar impossível voltar a escrever como fazíamos. Ou seja, a transição dos suportes físicos para os digitais ocorreu de forma veloz e quase que sem transição. De repente paramos de escrever.

Aqui temos outra dimensão do tripé: leitura, escrita e comunicação. Enquanto a escrita de próprio punho possa sofrer alterações de ritmo e velocidade em função das tecnologias utilizadas, a leitura e a comunicação de ideias não possuem as mesmas características.
De um lado, pode-se ter acréscimos se pensarmos em compartilhamentos de qualidades e que amarrem de fato ideias. Mas sabemos o quanto isso tem se distanciado do ideal.
Apesar de programas facilitarem correções ortográficas e erros mais óbvios, eles não conseguirão extirpar problemas que tenham que ver com clareza e objetividade de ideias. Neste sentido, a escrita tem um componente mais “braçal” no sentido de exigir da parte de quem escreve, esmerilhar as palavras e encontrar as que comuniquem com maior clareza suas ideias.
Como um grande bordado, escrever e comunicar exige um ir e vir sobre o texto e buscar as melhores palavras e as encaixar nos lugares certos.

Só que em tempos de imediaticidade, contenção e superficialidade os textos, ainda que curtos, perdem muito da fluidez da boa escrita, pautada em boas leituras e concatenadas com raciocínio articulado. Essa “terceirização” que muitos estão fornecendo a corretores ortográficos e similares mutila e deforma conteúdos, mesmo os ditos profissionais…. infelizmente.

Com o tema encontramos a bifurcação entre a expressão comunicacional e seus suportes. Como um dado de suporte os meios que temos hoje chegam a agilizar pensamentos e formatar ideias. Mas é apenas, e tão somente, um meio. Se o que antecede a tudo que é formatação mental de uma ideia, um conceito que, ou o que quer que seja, não tenha um embasamento sustentável não haverá tecnologia que “conserte” isso.

Engraçado pensarmos como foi difícil todo esse processo. Minha dissertação de Mestrado começou sendo escrita em máquina de escrever e me lembro com perfeição que no início escrevia tudo à mão para depois digitar com medo que tudo se perdesse antes que estivesse definitivamente salvo. Temia que minhas ideias fugissem e eu as perdesse numa malha virtual. Preferia o árduo trabalho de escrever à mão para só depois digitar.

Hoje em dia, tenho que confessar minha escrita manual está cada vez mais lenta, minha letra definitivamente não é mais a mesma e hoje digito na mesma velocidade em que penso. Ou seja, minhas mãos não acompanham mais meu raciocínio. A digitação é infinitamente mais fluente e rápida.

Mas gosto de pensar que tudo é uma questão de escolha. Não creio em radicalismos, em especial o de simplesmente um decreto pondo o fim ao ensino da letra cursiva na alfabetização básica. Acho que as pessoas têm que ter a escolha… sem aprender fica um pouco difícil.

Essa facilidade que nós, da versão analógica sentimos, talvez não seja a mesma que as crianças sintam. Basta ver o fascínio que as telas sensíveis ao toque exercem até em bebês!

Notamos uma busca de ergonomia dos gadgets para que se assemelhem a modos que estávamos habituados a nos expressar, sendo a escrita cursiva uma delas, alguns inclusive incluem canetas e estilos em seus acessórios.

É óbvio que estamos de novo com sinais de novos tempos e apropriações culturais de códigos e postura no ler e escrever. Tal como a língua, a escrita e a leitura são elementos de nossa cultura e são vivos: sofrem mutações todo o tempo e simplesmente vamos nos adequando.

Lembro que as sociedades nem sempre mantiveram os mesmos padrões para a leitura e muito menos para a produção do escrito. Essa relação foi desde o sagrado (já que dominar a arte da escrita aproximava o homem de sua divindade) à estruturas que colocavam o escriba como um alto funcionário do governo. Era uma escrita técnica e absolutamente dominada por bem poucos.

A passagem para pergaminhos e tintas também não foi sem certa dose de elitismo já que era apenas nos mosteiros que elas eram realizadas e possuíam ainda essa característica de um poder concedido a poucos.

A imprensa e com elas os meios de disseminação da leitura, popularizaram posteriormente também a escrita. Foi a partir daí que as tintas ganhavam o papel e o imaginário das pessoas como forma de externar sentimentos e os séculos mais recentes, em especial o XVIII e XIX, conheceram a escrita romântica e o desenvolvimento das chamadas escritas ordinárias. Foi a época dos diários e da relação com a escrita como uma catarse. O século XX manteve boa parte disso e até mesmo técnicas de grafologia foram desenvolvidas exatamente para relacionar aspectos de personalidade com a escrita de próprio punho, conforme citei acima.

Talvez eu ainda seja romântica no sentido crer que a expressão pelas palavras deve vir em todas as formas e me encantam mais as palavras que seus suportes.

Pode ser que esse saudosismo que deixo transparecer pela escrita de próprio punho tenha que ver com uma pratica profissional e com uma experiência de vida. O tema da escrita e seus suportes são, para mim, forte questão até por que transcende meu gosto pessoal e perpassa meu ofício: sou historiadora e a lida com suportes de outro tempo quase sempre é uma constante em minha trajetória pessoal e profissional. Dado que aí é impossível não fazer as comparações. Ainda tenho muito vincado em mim a experiência da escrita de próprio punho.
Em diferentes momentos e artigos cito o papel das correspondências ordinárias como, por exemplo, as cartas. Um exemplo disso é o artigo que escrevi “Você ainda escreve cartas?”

Considero que definitivamente a escrita cursiva não significa apenas motricidade. Movimenta todo um conjunto de conexões cerebrais que favorecem o aprendizado, e não podemos deixar de pensar que é tbm tecnologia!
Mas não creio que isso seja consenso por ora. É um debate que se estenderá no tempo e no espaço.

Hoje em dia, as palavras deixam de ser pensadas e as correspondências giram em torno do imediato. Roubou-se a aura da palavra cunhada e da magia que seus complementos tinham (os selos, os papéis, os timbres, as tintas, o rebuscado de letras e formas, sua sinuosidade e curvas).

Apesar do ar saudosista tenho claro que as alterações no mundo em que vivemos são parte de um processo e que como tal não deve ser desprezado ou ignorado. Não vejo como um problema essa alteração que nossos tempos e tecnologias vêm imprimindo à escrita. O desafio é grande por que não vem só com a escrita fonética é todo um conjunto, e o que é pior: avassala toda uma geração cultural.

Há ainda a questão do raciocínio lógico e o uso de operações consideradas básicas. Os alunos em geral têm passado longe dessa capacidade e o que vemos cada vez mais é um analfabetismo funcional que alcança até os níveis de graduação e pós-graduação.

Não culpo apenas o sistema de ensino. Volto a dizer que sou fruto dele e nunca estive em uma escola particular. Foi necessária muita determinação e empenho. Algo que parece meio em desuso pela maioria dos discentes. Muitos optam pela lei do menor esforço e em geral até a escolha de uma faculdade passa por aquela que não tem processos rigorosos de ingresso nem de permanência.

Mas isso é assunto para outro post…

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* Versão revista e atualizada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

** Artigo relacionado:
Rezende. Eliana Almeida de Souza. “Em tempos de tintas digitais: escritos e leitores“. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente, 13 a 15 de outubro de 2014, Florianópolis, SC. Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

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História Oral: o que é? para que serve? como se faz?

Por: Eliana Rezende

A questão sobre o que vem a ser História Oral, como pode ser utilizada pelas instituições e de que forma deve ser realizada é um tema que interessa a diferentes áreas e profissionais.

Neste artigo, procurarei tecer considerações acerca de sua utilização, metodologias, aproximações e diferenças, bem como sua importância em Projetos de Memória Institucional com vistas à valorização de Capital Intelectual e o fortalecimento da Cultura e Identidade nas Instituições.

Os relatos orais são amplamente utilizados em diferentes áreas, mas para o recorte deste artigo ficarei concentrada dentro da minha própria área de atuação que é sua circunscrição no âmbito das Ciências Humanas.

A chamada História Oral é amplamente utilizada pelas Ciências Humanas, e é caracterizada pela coleta de depoimentos com pessoas que testemunharam conjunturas, processos, acontecimentos, modos de ser e de estar dentro de uma sociedade ou instituição. Para efeito didático pode estar dividida em três gêneros distintos: a tradição oral, a história de vida e a história temática.

Explicando cada uma delas:

Tradição Oral caracteriza-se pelo testemunho transmitido oralmente de uma geração para outra. São exemplos disso metodologias, por exemplo, que são capazes de resgatar tradições rurais e urbanas como cantigas de roda, brincadeiras e histórias infantis. Isso porque esta tradição precede à escrita e podem ser encontradas em sociedades bastante antigas ou mesmo comunidades que não passaram pelo processo de escrita. São exemplos disso comunidades ribeirinhas, indígenas, agricultoras, entre outras.

Já a História Oral não pode ser confundida com História de Vida. Esta última é um relato autobiográfico onde a escrita está ausente, e, portanto, não pode ser chamada de autobiografia. A História de Vida concentra-se na história pessoal de um indivíduo contada por ele próprio. É, portanto, um relato pessoal, que em geral percorre toda a existência desta pessoa: do nascimento até o momento presente.
Em alguns casos, e como parte de Projetos de Memória, opta-se por este tipo de relato e a história da pessoa percorre todos os momentos de sua vida e o momento em que encontrou-se com a instituição à qual o projeto faz parte. É interessante esta opção, já que apesar do projeto ser sobre uma determinada instituição, a importância de uma história de vida pode ser ainda maior. Um exemplo disso é a figura de um fundador. Este personagem tem grande importância para a existência da Instituição, mas sua trajetória anterior e de vida podem ter um significado ainda maior.

De outra sorte, há a chamada História Oral Temática, que em geral, é feita com um grupo de indivíduos em torno de um determinado evento ou movimento vivido por todos. São perspectivas individuais de sujeitos inseridos em um mesmo contexto.
A utilização desta forma de coleta de depoimento pode possuir aspectos positivos e negativos. O aspecto positivo é o de que uns poderão disparar gatilhos de lembranças e detalhes poderão ser muito melhor esmiuçados à luz de muitos olhares. Mas também poderá ocorrer o seu contrário: eventualmente alguém com maior poder de fala ou influencia poderá silenciar outras vozes e memórias. São comuns depoimentos desse tipo no caso de movimentos populares, sindicais, religiosos ou culturais, entre outros. Neste caso, a importância maior está no tema, e não nas individualidades. O interesse é o maior número de informações possíveis sobre o tema a partir das multiplicidades de olhares.

Definitivamente caberá ao pesquisador uma capacidade intuitiva e metodológica bastante grande para não se perder em uma ou outra possibilidade, e conseguir se valer da melhor forma possível. Com o agravante que aquele momento é único, e provavelmente não se repetirá.

Diante disso, você poderá estar se perguntando:

Mas afinal, podemos afirmar que História Oral é uma metodologia de trabalho?

Bem, ela poderá ser considerada um método de investigação, fonte de pesquisa ou técnica para produção e tratamento de depoimento, entretanto, sua classificação dependerá da orientação dada ao trabalho.

Vejamos um exemplo:

Quando a história oral é utilizada como forma de conhecer um período, conjuntura ou instituição, ela será entendida como uma metodologia de trabalho mas, a partir do momento que essas informações sejam utilizadas, tais relatos constituirão a bibliografia de uma pesquisa posterior.
Ou seja, de acordo com o encaminhamento da pesquisa e seus usos. E poderá ser ao mesmo tempo mais do que uma coisa. O fundamental é que o pesquisador tenha muito claro o que quer e assim conduzir cada forma com o rigor metodológico que precisará ter. Para cada uma das situações a condução das ações e os procedimentos deverão ser específicos.

Um ponto muito importante de ser destacado é que a produção de um depoimento é um trabalho conjunto entre depoente e entrevistador/pesquisador onde juntos produzem um documento. Após a geração deste documento, que deve obedecer a um método e sequência de trabalho próprio da história oral, é necessário estabelecer critérios técnicos para a sua guarda, sigilo e acesso. Ressalto que o produto deste depoimento é um documento histórico, e portanto, de valor permanente. Nunca poderá ser eliminado. Além de ser um importante repertório de matéria bruta para usos infindáveis de subprodutos.

Considerar o depoimento como documento toma em conta minha definição, de que “qualquer informação registrada em um suporte se constitui documento”, de acordo com a imagem a seguir:

documento_info_suporte

Há diferença entre um depoimento e uma entrevista?

Em linhas bem genéricas podemos afirmar que sim!

Em geral, a entrevista é utilizada pelas áreas de Comunicação e obedece a  uma pauta previamente estabelecida, com objetivos claros e definidos a priori.

Numa entrevista nunca se busca ir muito além da pauta, especialmente, por questões de tempo e disponibilização aos meios de comunicação que a produziram e, normalmente, atendem sempre a urgência de um fato. É habitual que as perguntas saiam prontas da reunião de pauta, e em poucos casos são feitas de improviso. E normalmente quando isso ocorre costumam atender um insight de momento, que muitas vezes pode interromper uma linha de raciocínio ou mesmo uma direção de pensamento. Em caso de pessoas menos inexperientes isso pode significar um corte fundamental na construção do ritmo das ideias do entrevistado, gerando perdas aos eventuais interessados e ao registro como um todo. Ao observarmos boa parte dos casos de entrevistas deste tipo, notamos o quanto o silêncio é importante e como o entrevistador perde chances de exercê-lo.

Com o depoimento precisa e deve ser diferente. Em geral, faz-se um roteiro inicial para entrevista, mas este pode ser alterado de acordo com a interação entre depoente e entrevistador. O roteiro neste caso passa longe de ser uma lista semelhante a um interrogatório. É apenas um norteador que deve ser usado como bússola. O depoimento respeita a sequência memorialística do depoente, valorizando seus silêncios e não ditos.  Nesse tipo de depoimento, o depoente nunca deve ser interrompido. O entrevistador é antes de tudo um ouvinte!

Daí que NUNCA um entrevistador deve ser ou estar ansioso. Sua ansiedade pode tolher o curso das águas caudalosas da memória. E isso para um registro que pretende ser histórico é imperdoável.
Por isso, aquele que colhe o depoimento não é um entrevistador, é um ouvinte! Aqui está a grande e significativa diferença.

Insisto que o responsável pela coleta do depoimento deve ser alguém sensível, empático e tranquilo. Será como um porto seguro para que as memórias do depoente possam atracar. Oferecerá segurança ao que lhe está oferecendo seus tesouros no formato de memórias tecidas pelo tempo: seu bem mais precioso.
É com este olhar e com esta atitude que o ouvinte deve se colocar.

Foi no tempo que as memórias foram tecidas, e é com tempo e sem pressa que elas devem ser ouvidas…

outono-tempo

Seguindo sobre a história oral seria importante você saber que:

Sua introdução no Brasil deu-se a partir dos anos 1970 e encontrou força nos anos 1990. Deste crescimento surgiu a criação em 1994 da Associação Brasileira de História Oral, e em 1996 foi criada a Associação Internacional de História Oral.

Desde os seus primórdios a história oral firmou-se como um instrumento de construção da identidade de grupos em processo de transformação social.

A história oral é caracterizada por uma série de procedimentos no pré, no curso e pós-depoimento. Isso porque a definição de quem, porquê e como deve obedecer a critérios pré-estabelecidos de relevância e sentido ao que se quer pesquisar ou preservar.

Em geral, a opção pela história oral dentro de uma instituição ocorre com alguns objetivos pré-definidos. Dentre os quais citamos:

  1. Registrar os relatos das personalidades que, direta ou indiretamente, partilharam determinado período, tema, ou instituição;
  2. Recuperar dados e informações sobre fatos e episódios importantes para a história institucional;
  3. Constituir um acervo que sirva às consultas, para posterior pesquisa e produção de conhecimento.
  4. É preciso que se tenha em mente que o equacionamento entre história x memória nestes casos, resulta em uma nova “construção do passado, mas pautada em emoções e vivências”, já que os eventos da memória são retomados a partir de experiências passadas com o filtro da atualidade.

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Sugiro que aprofunde seus conhecimentos sobre o tema. Você pode obter informações sobre todos os passos necessários à coleta do depoimento, suas diferenças e procedimentos, consultando o Manual do CPDOC no link abaixo, tal leitura será útil para a nossa Unidade que trata sobre metodologias adequadas:

Alberti, Verena. Manual de História Oral.

Abra-o e leia-o na íntegra aqui:

Na sua leitura tenha atenção sobre os aspectos relacionados à metodologia de produção do depoimento e de que forma esta se adequaria às realidades de sua instituição ou às suas concepções de projeto. Fazendo desta forma, sua leitura passa a ter uma direção metodológica e não apenas informativa.

As experiências do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV  continuam a fornecer importantes relatos sobre a experiência de colher e tratar depoimentos. Por isso, sugiro que leia o artigo “Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC”, de Alberti (2005), disponível aqui:

No caso dessas leituras, é importante ressaltar que para além das discussões entre História, Memória e Psicologia, todo um universo que considera os aspectos técnicos e tecnológicos deve ser tomado em conta. Muitas vezes o fascínio pela possibilidade de colher depoimentos tira a nitidez do que todo o processo significa.

As tecnologias hoje disponíveis facilitam em muito a coleta de depoimentos, por outro lado colocam inúmeros desafios em relação à sua perenidade que o artigo trata de forma meticulosa e acertada. Considere tais aspectos ao pensar sobre a elaboração de um Projeto de Memória Institucional quando for o caso.

Sugiro atenção em relação aos campos definidos para compôr a identificação do depoimento. Defina com antecedência quais serão estes campos, como deverão ser preenchidos e de que forma sua acessibilidade estará garantida em especial considerando aspectos relacionados à obsolescência tecnológica. A leitura atenta do artigo de Alberti auxiliará na estruturação destas necessidades.

Não há uma única forma de estruturar depoimentos de história oral. Mas alguns cuidados podem e devem ser tomados na fase de elaboração e execução do projeto. Transcrevo alguns destes cuidados, apresentados no artigo “História Oral e Memória: a construção de um perfil de Historiador-Etnográfico”, de Éder Silveira e que você, se desejar, pode ler na íntegra aqui:

(…) A entrevista se configura como principal instrumento (ou técnica) do método de História Oral. Para realizá-la, não há uma única receita ou diretriz. Contudo, cita-se algumas observações convergentes nas obras de THOMPSON (2002), ALBERTI (2004; 2005) e ZAGO (2003) que orientam o pesquisador na produção de entrevistas no método da História Oral:

  1. Ter consciência de que não existe neutralidade do pesquisador desde a escolha pelo tipo de entrevista a qualquer outro instrumento de coleta de dados ou fontes.
  2. Respeitar os princípios éticos e de objetividade na pesquisa, lembrando que nenhum método dá conta de captar o problema em todas as suas dimensões. Todas as conclusões são provisórias, pois podem ser aprofundadas e revistas por pesquisas posteriores.
  3. O pesquisador não deve se apropriar da entrevista somente como uma técnica de coleta de dados, mas como parte integrante da construção do objeto de estudo.
  4. A entrevista compreensiva não tem uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação. Dar preferência a perguntas mais abertas e um roteiro flexível.
  5. Reservar um tempo relativamente longo para a realização da entrevista.
  6. Durante a entrevista é válido ter um diário de campo onde se possa fazer anotações das reações, posturas e impressões do entrevistado, dificuldades nas informações obtidas, o que provocaram suas lembranças, novidades nas informações ou conteúdo, informações obtidas em off, etc.
  7. Uso de elementos que evoquem a memória do entrevistado como fotografias, recortes de periódicos e menção a fatos específicos podem facilitar o desenvolvimento do trabalho.
  8. Construir fichas que organizem e orientem as futuras fontes orais. Deve-se privilegiar dados como o nome do entrevistado, número da entrevista que vai representar dentro do universo da pesquisa, idade do entrevistado, endereço, local onde foi gravada a entrevista, nome do entrevistador, idade, profissão, religião, datas das entrevistas realizadas com o informante, em que fitas (previamente numeradas) estarão gravadas as entrevistas, em que páginas da transcrição se encontrarão referências a determinados temas e se há alguma restrição ao acesso das informações.
  9. No início da entrevista, gravar informações como: nome do entrevistado, do(s) entrevistador (es), data, local e finalidade do trabalho.
  10. Providenciar um Termo de Consentimento Informado, onde fique bem claro ao entrevistado:
    1. as finalidades da pesquisa;
    2. nome do informante e número de documento pessoal, como RG;
    3. se a divulgação da entrevista oferece riscos ou prejuízos à pessoa informante;
    4. a permissão ou não permissão da divulgação do nome do informante (caso não seja permitido, orienta-se que se produza uma declaração para este fim no verso deste termo, sendo assinado por ambas as partes (pesquisador e entrevistado), podendo o informante optar por um pseudônimo;
    5. cedência dos direitos da participação do entrevistado e seus depoimentos para a pesquisa em questão;
    6. abdicação dos direitos autorais do entrevistado e de seus descendentes;
    7. data e assinatura do termo pelo participante e pesquisador – torna-se importante nesse item, anexar ao termo que será assinado por ambas as partes, a transcrição da entrevista. (…)  Silveira (2007)

Realizado o depoimento, vem o momento de indexá-lo de modo a facilitar sua posterior pesquisa. De novo, o exemplo do CPDOC merece ser considerado. Como forma de pensar em formas de indexação para o caso da história oral proponho a leitura do artigo “Princípios de indexação de entrevistas de história oral” de Brando,que você lê aqui:

Mas, todo este trabalho não faria qualquer sentido se a divulgação não alcançar seus objetivos: registrar as informações de maneira a atender às demandas de produção de conhecimento e/ou inovação em diferentes áreas de conhecimento.

Para esta tarefa, o mundo contemporâneo tem oferecido inúmeras ferramentas e possibilidades. Se usadas de forma coerente e consciente trarão inúmeros benefícios.

Muitos subprodutos um Projeto de Memória Institucional pode oferecer: de exposições permanentes à itinerantes, livros comemorativos, sites, portais, workshops, seminários, boletins, calendários, entre outros. Em todo caso, o cuidado e o zelo na elaboração do projeto devem estar refletidos e mostrar a importância e o respeito às memórias ali reunidas.

Os produtos devem refletir o valor reunido de experiências e da identidade institucional.

Simples assim…
*
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*Esta é uma versão revista e atualizada de um post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta
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Memória Institucional: ferramenta de Gestão Estratégica

Por: Eliana Rezende

Para quê um Projeto de Memória Institucional?
Vivemos em um mundo tão voltado para o exterior e para as aparências que imaginar que os anos nos trarão maiores e melhores condições para nos relacionarmos com nossas ideias, parece ser mesmo uma grande vantagem. Uma sociedade que luta constantemente para manter a juventude, lida mal com a passagem do tempo.

Em geral, muitos descobrem, por exemplo, que a escrita ou produção intelectual neste momento da existência encontra poder criativo muito maior e que há agilidade de ideias: a alma liberta-se e todos ganham.

O repertório que trazemos conosco não envelhece jamais.

Estamos sempre recriando e renovando: mesmo que sejam ideias antigas, pois o olhar de hoje carrega outras experiências que no momento anterior não tínhamos. Ter essa perspectiva liberta e mostra que o tempo é mesmo um grande aliado de nossas existências, e que o corpo é apenas um invólucro que carrega nosso verdadeiro tesouro.

Fantástico ter a exata noção de que, tal como um músculo, o cérebro quando exercitado, nunca deixa de responder. E que o tempo, aliado às experiências vividas e experimentadas, podem fornecer conexões muito mais certeiras do que as que ocorrem nos jovens: já que estes contam apenas com o que lhes é extrínseco. Ainda aprenderão a transformar vivências em experiência.

São de fato, os artifícios que o tempo e a existência nos oferecem e brindam.

Importante pensar o tempo não como um caminho de perdas!
Pode e deve ser um caminho de transcendência, já que maduros deixamos as inseguranças e inexperiências próprias da juventude para trás. Ganhamos a possibilidade de aliarmos experiência com ação.
E isso, cá entre nós, é o caminho para alargamento do espírito!

A passagem do tempo pode fazer muito mais do que trazer linhas de expressão: vinca a alma e nos talha. Lapida-nos para melhorar. É neste contexto que a Memória Institucional colabora com as organizações: colhe os frutos maduros desenvolvidos no decurso dos anos.

É isso que as instituições precisam e devem perceber.
Nossa sociedade está envelhecendo e manter-se-á por muito mais tempo em período de maturidade do que o seu contrário. Vale a pena redimensionar conceitos e valores. Só assim este benefício se estenderá a pessoas, organizações e comunidades.

Memória Institucional como caminho para fortalecer Identidade e Cultura Organizacional
A necessidade de abordar este tema se dá porque recentemente muitas empresas começaram a investir em suas memórias institucionais e rapidamente encantaram-se por projetos que, muitas vezes, deixam de ter a visão e a perspectiva adequada. Ou seja, que relacionem a instituição ao seu tempo, ao seu meio social e cultural, mais do que apenas produtos de marketing.

Memória Institucional é um trabalho interdisciplinar.
A interdisciplinaridade, neste caso, é necessária para não resumir a Memória Institucional à coleta de depoimentos, uma Linha de Tempo, um livro ou uma exposição.

Depoimentos e Linhas de Tempo são ferramentas, mas não resumem todo um projeto. Tomadas neste sentido, são apenas perfumaria, que pouco ou nada acrescentam à cultura organizacional. Um trabalho consistente pode ser feito não com os olhos voltados para o passado, mas sim perspectivando e construindo o futuro a partir dos alicerces do passado e das necessidades do presente.

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Os produtos de um Projeto de Memória Institucional devem ser compreendidos, como um meio eficaz para a manutenção da informação com vistas à gestão organizacional. Pode servir, sim, à pesquisa para produção de conhecimento, inovação e tomadas de decisões estratégicas e, quanto maior o seu alcance, mais decisivo o seu papel na construção, e definição, de uma Identidade Institucional e sua inserção na sociedade.
Decidir o quê perpetuar e o quê esquecer estão intimamente relacionados à ideia de construção de uma Identidade. Isso vale para os casos individuais, mas vale também para as Instituições.

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É a partir destas estratégias de movimentos entre esquecer e lembrar que as instituições irão construindo a Identidade que querem perpetuar e expor.
E também, é sempre bom que se diga: esta Memória constitui-se e reconstitui-se a partir de necessidades presentes. O momento presente coloca demandas e perguntas que buscarão respostas em um passado filtrado a partir do presente. As memórias emergirão a partir daí.
Da mesma forma, a partir do conjunto formado por instalações, máquinas, equipamentos, pessoas e missões que uma Instituição se firma e se põe e, impõe ao mercado, aos funcionários e a toda à sociedade. Este conjunto é considerado Patrimônio Institucional. E as pessoas em seu interior são seu Capital Intelectual.

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Portanto, um Projeto de Memória Institucional visa fixar, divulgar e preservar a História de uma instituição ao mesmo tempo em que reúne, organiza e disponibiliza fontes e informações contidas em seus documentos, armazenados em diferentes suportes (fotografias, filmes, áudios, textos).

Reforço a noção de que a Memória Institucional não pretende ser a reconstituição de algo que não existe mais, mas o seu contrário: pretende ser a identidade do que o tempo e a experiência de todos trouxeram à Instituição.
Neste sentido, quando falamos em Memória Institucional estamos falando de um conjunto de experiências que, reunidas, dão a dimensão e os contornos de uma instituição no tempo e no espaço.
É a História, que é viva se constituindo.
Por isso, todos são tão importantes e contam tanto!
Seja generoso em partilhar e compartilhar suas memórias quando solicitado, ajudando a fortalecer os caminhos de identidade de sua instituição.

A quem serve um Projeto de Memória Institucional?
A todas as instituições que, além de possuir um acervo documental de referência e memória, reconheçam seu potencial de fortalecer a identidade institucional, valorizar o capital intelectual e consolidar a cultura organizacional.

Ações de um Projeto de Memória Institucional e como a ER Consultoria pode auxiliá-lo:

  • Definir qual caminho seguir
  • Como pensar em um Projeto de Memória Institucional?
  • Como ir além da simples “perfumaria”?
  • Como utilizar as metodologias de Storytelling e História Oral?
  • Como através de um Projeto de Memória divulgar e fortalecer a imagem corporativa/institucional?
  • De que forma o Projeto de Memória Institucional pode valorizar o capital intelectual, gerando Conhecimento e Inovação?

Minha experiência me dá condições para analisar e propor soluções compatíveis com as suas necessidades. Além de poder orientar e capacitar colaboradores, in company e on line.
Muitas destas perguntas poderão ser respondidas.

Entre em contato pela nossa página, pelo e-mail ou pelo telefone (55.11) 4215-1924 para elaborarmos um Projeto totalmente customizado de acordo com as demandas de sua instituição.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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