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História Oral: uma história que escuta

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por décadas a História Oral encontra no campo das Ciências Humanas um território tanto de aplicação quanto de estudos. Mas o fato em si não diminui a quantidade de dúvidas acerca dos procedimentos técnicos e metodológicos num momento tão específico que em última instância é a produção de um documento de valor permanente… histórico. 

De fato, estamos cada vez mais envoltos de tecnologias e possibilidades oferecidas tanto para captação quanto para guarda de tais documentos, mas ainda somos humanos e apesar de tantas soluções sobre formas de indexação, guarda e preservação é comum perguntas que parecem corriqueiras.

Assim, é objetivo deste ensaio esclarecer aos que se sentem inclinados a utilizar a História Oral em suas pesquisas ou trabalhos, mas possuem muitas dúvidas teóricas e metodológicas em sua aplicação.

Gosto de um ditado chinês que diz que se temos dois ouvidos e uma boca significa que precisamos escutar muito mais do que falar. E trabalhar com a História Oral tem este sentido como uma predominância.

Um começo fundamental é balizar as diferenças entre métodos de escuta que possuem objetivos e encaminhamentos muito diferentes uns dos outros. 

Veja: a História Oral ocorre a partir da coleta de um testemunho ou relato em forma de uma narrativa pessoal. Alguns oralistas e /ou pesquisadores optam por utilizar a expressão entrevista, mas considero que este termo se adequa melhor à determinadas situações e profissionais, como é o caso do jornalismo. Nas entrevistas realizadas por profissionais de comunicação o depoente não está de todo livre com suas memórias e relatos. O profissional costuma estar pautado e em geral já chega com as perguntas prontas e estas precisam ser respondidas. Ou seja, há um roteiro pré-determinado a ser seguido.

Por outro lado, um interrogatório por exemplo, é sempre realizado por um investigador em uma situação judicial. As perguntas se relacionam a um quebra-cabeça investigativo que tenta encontrar na fala daquela testemunha vestígios que corroborem uma linha investigativa. É natural que neste tipo de inquirição a relação costume ser tensa e podendo ser eivada de mentiras e omissões propositais ou inconscientes. 

Opto, portanto, por utilizar o termo depoimento por concluir que este não possui qualquer similaridade com uma entrevista sob o ponto de vista metodológico que aprendi a desenvolver.

Em verdade, não podemos dizer que esta ou aquela forma de nominar tal registro oral seja certa ou errada. Creio muito mais em uma perspectiva de abordagem deste método de tratar a narrativa oral que alguém que rememora traz e o quanto nos sentimos à vontade nele.

À medida que fui aprofundando minhas técnicas de escuta fui me aproximando do uso da expressão depoimento e justifico suas características como segue abaixo: 

Dentro desta perspectiva metodológica os depoimentos em geral, tem uma pauta bem mais aberta e o oralista e/ou pesquisador não atropela o depoente com perguntas em forma de inquérito, cortando ou entrecortando seu relato. NUNCA o interromperá, tornando-se indelicado ou brusco. Não buscará perguntas capciosas para buscar contradições ou explorará emoções para ter uma imagem emotiva. Muito menos haverá um roteiro prévio para as perguntas a serem feitas. 

Lembre-se que podemos invadir os espaços emocionais de uma pessoa com nossas palavras, que podem servir como lâminas agudas e pontiagudas que simplesmente cortam todo um raciocínio.

Daí a necessidade da escuta: só ela permitirá a precisão adequada no momento de interlocução ou questionamento. 

Os depoimentos obedecem exclusivamente o que os depoentes e suas memórias desejam e conseguem revelar. 
Depoimento é portanto, muito diferente de uma entrevista: não é premido pelo tempo ou a pressa.
A escuta calma é parte significativa e representativa de uma história que se tece com a oralidade.
Assim, haverá momentos de fluxo e refluxo no rio caudaloso de memórias. Esquecimentos, omissões, reelaborações serão absolutamente parte deste processo.

Caberá ao oralista e/ou pesquisador entender que não está ali para julgar, mas sim para escutar, incentivar, apoiar. Escutará com TODOS os seus sentidos. Isto significa ouvido atento, olhar firme e espírito acolhedor, empático e compassivo.
Se não for capaz de oferecer isso será melhor reconsiderar seu papel como oralista e/ou pesquisador e condutor da coleta do depoimento.

Os intelectuais que fazem da pesquisa seu oficio usam das palavras e dos registros seus cânones de segurança e em alguns casos até subterfúgios. Se encastelam entre seus muros de segurança propiciados por muitos autores, notas de rodapé, debates historiográficos ou bibliográficos para encontrar um caminho que consiga considerar seguro.

Mas a lida com a História Oral nos coloca, acima de tudo, com o desafio de estar perante o Outro num momento único, onde se constrói uma narrativa sobre um passado edificado por memórias que não nos pertencem.

Talvez por isso, muitos se sentem inseguros de caminhar não por uma trilha bem sinalizada e pavimentada, mas sim por caminhos de brumas e personagens e fatos muitas vezes velados e expostos por muitos filtros que são absolutamente seletivos e subjetivos. 

O oralista e/ou pesquisador não é juiz destes fatos, não os tenta reescrever ou interpretar. Por isso, a escuta atenta e desprovida de pré-conceitos, pressa ou ansiedade. 

Todos os que possuem o ofício de trabalhar com documentos sabem que isto significa um encontro com palavras, ideias, impressões…

É um cruzar e perspectivar por diferentes nuances e camadas. Mas História Oral ocorre em tempo real e imediato. Ela se desenvolve em nossa frente num determinado recorte de espaço/tempo que NUNCA mais se repetirá.

Talvez por isso, traga tantos desafios em sua construção. Aqui depoente e pesquisador e/ou oralista constroem juntos um documento para posteridade.

O registro oral portanto, vinca Memórias e Histórias pelo olhar de quem recorda, ao vivo e em tempo real diante dos olhos do oralista e/ou pesquisador. 

Aqui talvez seja um dos momentos mais interessantes e por onde devemos começar a nos questionar.

Em geral, o oralista e/ou pesquisador, e em especial os mais jovens ou inexperientes buscam, na fala do outro, todas as certezas e garantias para suas hipóteses e questionamentos prévios.
Mas nem sempre elas nos chegam assim. Podem, ao invés disso, trazer mais hiatos do que certezas.

Às vezes, surgem como silêncios persistentes, ou até reações emocionais como nervosismo, choro.
E tudo isso por si só pode torna-se um momento de muita ansiedade por parte do oralista e/ou pesquisador.
Teria ele perdido seu tempo e não encontrará as respostas que tanto deseja?

Começamos com uma questão que parece simples e óbvia: afinal o que esperar? O que fazer? 

A expectativa por respostas à questionamentos é natural. Afinal, espera-se que ao chegar frente a frente com o depoente muito estudo tenha sido feito. O bom oralista e/ou pesquisador terá feito sua lição adequadamente procurando estar confortável com o contexto onde seu depoente viveu e os momentos que comporão seu relato.

É inadmissível um oralista e/ou pesquisador que chega despreparado ou mal preparado para a coleta de um depoimento. Até porque como dito anteriormente não há um roteiro prévio, mas é preciso conhecer a história do depoente para ser capaz de inquirir na hora certa e da forma mais adequada.

Por ser um registro que já nasce histórico é preciso ter um comportamento de respeito, responsabilidade e muito foco. A construção deste documento é conjunta e portanto, deve haver corresponsabilidade entre os envolvidos. 

É preciso ter muito claro que esta pode ser a primeira e a única oportunidade com o depoente. 
É usual termos depoentes que tem mais idade e a morte é uma constância.
Em muitos projetos ao terminarmos, vários dos depoentes não estão mais entre nós. Por isso, é preciso ser absolutamente impecável e perfeito no momento de coleta de depoimento.

Poderá não haver uma próxima vez. 

E algo fundamental de se ter em mente: saber ouvir significará entre tantas outras coisas saber calar.

O oralista e/ou pesquisador PRECISA ter a dimensão exata de quanto seu silêncio é fundamental na construção e constituição deste documento. Não saber o momento certo de calar ou falar poderá interromper um importante momento do depoimento. Poderá ser interrompido o curso de um raciocínio que nunca mais retornará.

As memórias devem ser pensadas como um curso de um grande rio: são caudalosas, em alguns momentos volumosas e seus movimentos podem significar algumas voltas, idas e vindas. Interromper este fluxo pode significar o mesmo que colocar um obstáculo no caminho destas águas que podem se derramar para margens que não significam nada ao curso destas memórias. 

Assim, é muito importante conter a ansiedade, pressa ou mesmo expectativas sobre o dito. 

Não é momento de tentar buscar “provas” de suas perspectivas.
As conclusões e caminhos da Memória devem pertencer ao depoente.
O oralista e/ou pesquisador deverá funcionar como um incentivador, mas nunca como aquele que dirige e determina o que será dito e a que momento.  Está exatamente neste ponto a medida exata entre calar e falar.

Por isso, contenha-se!

Seja sábio e use o silêncio em beneficio de todos. 

As memórias possuem suas próprias formas de manifestação e cada depoente encontrará a sua. Reafirmo que Não ‘existe’ uma História a ser ‘resgatada” em algum ponto do passado. A História NÃO está pronta em lugar algum para ser trazida ou ‘resgatada’. Ela é uma construção, e como tal é construída a partir de perspectivas que temos no presente.

O passado chega envolto como em névoas trazida pela brisa da passagem do tempo e estas funcionam como filtros que vamos aprendendo a ter para olhar para o passado. Como somos seres em constante movimento e amadurecimento é natural vermos o passado de diferentes formas à medida que o tempo passa.

Assim, não existem mentiras para o que um depoente conta, existem perspectivas!
Um mesmo evento será contado por uma pessoa diferentemente aos 20 anos, aos 40, aos 60 e aos 80 anos. Sua perspectiva e compreensão sobre os eventos passados tenderão a sofrer transformações e poderá até, em alguns casos, sofrer desaparecimentos ou apagamentos.
E isto de modo algum poderá ser considerado uma mentira.

É a forma como a Memória e o Tempo atuam sobre as mentes humanas.

Esta Memória é também uma forma de elaboração construtiva e narrativa que contará com todos os seus movimentos de ir e vir, fluxos e refluxos.
E são a elas que a escuta atenta poderá ter acesso.
Esse território feito de sedimentos e brumas precisa ter uma paciente escuta para ser capaz de reunir cada trecho destas memórias e como num quebra-cabeça encontrar os pontos que darão sentido à todo o conjunto.
Como um tricô rico de pontos com algumas costuras que, para ter sua beleza exposta necessitará estar escondido no avesso de tudo. A trama do fio quem tece é o tempo, tal como as memórias que emergem em um relato.

Por isso, a escuta deverá ser sempre empática, paciente, tranquila. Nunca invasiva, indelicada e intrusiva. Respeitará sempre o Outro e seus movimentos no seu trânsito entre passado e presente. 

Cabe frisar que o respeito a este Outro que nos traz o seu passado, memórias, sentimentos e perspectivas precisa de espaço e tempo para elaborar o que pensa e o que sente.

Muitas vezes, você verá seu depoente numa longa pausa e um olhar que fixa o nada, como se estivesse tentando alcançar aquele tempo que passou.
Ás vezes, de fato ele se esqueceu e às vezes precisa elaborar melhor seus sentimentos para que os possa expressar. Às vezes, entra em contato com uma grande dor, perda, mágoa ou alegria. Dê tempo para que a pessoa reencontre este passado.
Pode ser que seja um passado que estava trancado em gavetas profundas dos seus pensamentos e encontrá-las ali de repente pode significar um sobressalto que o depoente simplesmente não esperava. 

Reencontrar o passado a partir de memórias pode significar em alguns casos, lidar com traumas e dores quase instransponíveis…respeito isso. 

Daí que a escuta praticada pelo pesquisador não é apenas a óbvia: feita pelos ouvidos. É uma escuta empática, serena.

Por isso, o oralista e/ou pesquisador não pode ser uma pessoa despreparada, ansiosa ou agitada. Ela PRECISA ser a boia salvadora que permite que o depoente ultrapasse as tempestades de seu passado e objetive de forma concreta o que de fato quer revelar. 

O oralista e/ou pesquisador é por assim dizer, o porto seguro após as turbulências emocionais pelas quais eles passarão no seu caminho de travessia pelo Tempo. 

Por isso, muitos depoimentos podem levar horas e até dias. Nunca ocorrerá em uma única hora. 

Diante disso, considero importante abordar um outro ponto nevrálgico e que em muitos casos surge como um grande equívoco: 

História Oral: NÃO É Storytelling

O termo se popularizou em especial por áreas ligadas ao Marketing e que possui uma forma que muitas vezes chega a desvirtuar completamente o sentido e o uso da História Oral. Seu uso tem como objetivo buscar histórias que funcionem como gatilhos, comovam ou incentivem outros a partir das experiências de personagens importantes da empresa, como fundadores e primeiros funcionários. 

O recurso de uso do Storytelling tem como objetivo apelar para o lado emotivo que pode gerar empatia em relação a estes eventos ou histórias do passado. O Storytelling funciona a partir de um enredo previamente criado para que tais historietas, eventos ou peculiaridades sejam dispostas e se entrecruzem de modo a gerar retenção e absorção mental e emocional. Por isso, é tão utilizada por áreas que trabalham exatamente o emocional das pessoas para gerar demandas e consumo, ou como neste caso, engajamento e afeto. Mas é possível que uma instituição queira usar este recurso como elemento motivador e inspirador de equipes, por exemplo. 

Apesar de às vezes, tais histórias serem “engraçadinhas” quer por seu pitoresco ou inusitado tal recurso está há anos-luz do que seja História Oral e do seu uso, por exemplo num Projeto de Memória Institucional ou de História Oral.

A História Oral possui uma forte fundamentação metodológica e requer que os envolvidos estejam preparados por todos os passos que a compõe. Nos casos do seu uso para Projetos de Memória Institucional deve-se ter em mente que sua utilização está muito mais vinculada ao fortalecimento da Cultura e Identidade institucional ao mesmo tempo que se está valorizando o Capital Intelectual existente. E sendo assim, a escuta será elemento fundamental e dominante em todo o processo.

A escuta será a protagonista de uma construção documental onde participam depoente e entrevistador numa relação que busca antes de tudo localizar memórias que muitas vezes estão encobertas pelas brumas de seu passado.

Como dito à cima nunca significarão um resgate, pois esta memória está longe de estar pronta em algum lugar. 

Uma correção fundamental: não existe história oral empresarial

Quando dizemos que a memória é uma construção narrativa feita no presente a partir de um determinado momento histórico estamos querendo dizer que será a fala e o registro que darão concretude ao que é fluido e subjetivo, que é a memória do depoente.

A memória que se torna registro e fonte documental representa uma seleção dinâmica entre quem fala e quem escuta. 

Sendo assim, e tomando como princípio metodológico que não podemos tratar a memória como algo concreto, convém que corrijamos um equívoco corrente: ou seja, substituirmos o termo “história oral empresarial” por história oral da empresa ou para a empresa. 
Isto se dá porque há diferença entre história oral da empresa e história oral para a empresa.
Entenda:

“(…) Historia oral da empresa remete ao papel externo da instituição. É endógeno. Por inscrevê-la na atividade empresarial fora da fábrica ela é para a empresa, exógena (…)

(…) História oral para a empresa é uma produção atenta à visão de fora para dentro, e diz respeito à relação entre a empresa, o contexto e o mercado. Nesta caso, a atenção é dada a inscrição da empresa no contexto histórico, econômico, em dimensões maiores que a pratica interna ou a vivência da empresa… Portanto, a história oral para a empresa diz respeito ao setor como atividade do mundo externo, atento ao impacto e desenvolvimento social provocados pela atuação daquela instituição.(…) 

(…) A história oral da empresa, pelo contrário, orienta-se para o funcionamento unitário das entidades produtivas. O “olhar interno” na instituição é o que interessa (…) a história oral da empresa devota a atenção aos funcionários e os conecta com problemas imediatos, internos da entidade. (…)”*  

(Meihy & Ribeiro, 2011)

Esta abordagem tenta corrigir o jargão de ‘história oral empresarial’.

A história oral institucional, de ou para empresas, está diretamente relacionada ao mundo do trabalho, e portanto, preocupada em relacionar a empresa na vida social que a cerca. 

O principal erro aqui é esquecer-se que a história da empresa ou história empresarial é feita com documentos, em sua maior parte escrita sem mediação do oral, não existindo uma história oral empresarial
Não que os documentos orais não possam ser considerados fontes documentais. Mas estes são produzidos no presente, com questões e filtros do presente realizado por pessoas vivas e que se debruçam sobre o passado com todos os seus filtros e impressões. Deste ponto de vista, são altamente subjetivas e podem possuir muitos ponto velados.
Além disso, são documentos que podem ser considerados colaborativos pois contam com a parceria do oralista e/ou pesquisador e o depoente.

A oralidade é uma condição fluida, subjetiva que possui um código diferente de um registro escrito produzido no desempenho de funções específicas da instituição.
Tais documentos não nascem para ser históricos, mas sim para cumprir funções no interior da instituição. Carregam consigo elementos que formam e informam todo um arcabouço que poderá servir no futuro para investigações outras.
São exemplos de tais documentos: registros de atas, relatórios, cartas, instruções normativas entre outros registros. Em geral, tais documentos terão um valor inicial que se relacionam com sua função e somente posteriormente será considerado histórico ou patrimônio documental que faz parte da história empresarial.

Cabe aqui um alerta importante: não se deve separar estes documentos de forma avulsa para compor a tal história empresarial. Ou mesmo para compor Centros de Documentação e/ou Memória.

A História não é feita de documentos avulsos pinçados aleatoriamente para criar um gabinete de curiosidades institucional. Este é um erro arquivístico sério que não deveria ocorrer – na arquivística temos o que se chama a teoria do “Respeito aos Fundos” onde um documento não pode ser subtraído de um conjunto documental – mas vejo isto acontecer com alguma regularidade no âmbito da tal história empresarial. Este erro ocorre em verdade, porque alguns profissionais simplesmente não sabem disso, e a instituição que solicita o trabalho sabe menos ainda.

Voltando ao ponto que interessa:

O uso de relatos orais para compor uma história da empresa ou para empresa tem suas virtudes, mas também possui seus riscos: em alguns momentos terá elementos de excessiva subjetividade, que como pesquisadores e/ou oralistas precisam estar atentos. 

Um Projeto de História Oral para ser tomada à cabo deverá circunscrever todas estas variáveis e compreender que ele representará um recorte no espaço/tempo e por isso mesmo será finito.

E a História Oral de Vida?

Não poderia deixar de abordar um outro termo que sempre gera muita confusão no campo de história oral. 

Veja, se de um lado temos os depoimentos que se inscrevem em campos sociais ou sendo de ou para uma empresa, de outro lado podemos ter a chamada história oral de vida
Qual a sua principal característica e como se diferencia das outras formas de história oral?

As histórias orais focadas em grupos, empresas, famílias, etc., se referem a trajetória de uma pessoa dentro deste período de sua conexão com tais grupos, empresa, etc., Não há uma grande digressão sobre seu passado, formação, ou os caminhos percorridos até chegar a este ponto.

Em geral, os depoimentos quase que começam com a entrada da pessoa naquele determinado grupo, movimento, empresa, família, etc.,

Já a história oral de vida interessa-se pela trajetória completa de um determinado dirigente, líder, fundador.
É exatamente o elemento extraordinário desta pessoa que torna importante ouvir TODA a sua trajetória.
Neste caso, o relato oral começa às vezes com os pais da pessoa, sua infância, formação intelectual, leituras, o encontro com a instituição, suas contribuições e às vezes sua aposentaria ou desligamento. 

Considero que a História Oral de Vida representa mais do que em qualquer outra modalidade uma forma de dar valor ao individuo e sua trajetória. Neste caso, é onde mais diretamente encontramos a valorização do Capital Intelectual que aquela pessoa representa tanto pessoalmente quanto profissionalmente e/ou intelectualmente. Neste tipo de relato todas as formas de expressão do individuo são valorizadas: sua forma de pensar, agir, relações, criatividade, produção intelectual ou artística. 

Por tudo isso, fica claro que um Projeto de História Oral terá poucos casos de um relato de História Oral de Vida.
Se por exemplo, um depoimento normal dura entre 2 ou 3 horas, um depoimento de História de Vida pode dura muitas horas e até dias! 

De tudo o que disse, o que fica é esta excepcionalidade do vivido que se transforma em ponte para um passado vivido e revisto. Escutar será sem dúvida alguma o meio de acessar os caminhos e trilhas destas Memórias e a reunião de vários conjuntos de depoimentos nos apresentarão um caleidoscópio interessante e rico de um tempo que se foi. Trajetórias se interpenetrarão e nos apresentarão uma perspectiva diversa, e muitas vezes, complementares.

O conjunto de tais relatos nos possibilitarão perspectivar um sujeito coletivo que perpassou vidas e inscreveu-se em um determinado espaço/tempo.

Talvez por isso o fascínio que esta História nos traz. 

_______________________
* Notas: Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.

** Bibliografia de apoio:
Alberti, Verena. Ouvir Contar – Textos em História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
Alberti, Verena. Manual de História Oral – a experiência do CPDOC, 1989
Benjamin, Walter. O narrador. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. São Paulo, Brasiliense, 1987
Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade. Petrópolis. São Paulo: T.A. Queirós, 1979
Garrido, Joan del Alcàzar i. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 13, nº 25/26, set. 1992/ago.1993
Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.
Pollak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.2, nº 3
____________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.5, n.10

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Nas ruas e nas redes: uma metodologia para análise da sociedade digital

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A sociedade possui uma forma de estar e se comportar tanto nas ruas como em redes. Nossa sociedade se movimenta tanto física quanto digitalmente.

Registros fotográficos captam instantes e movimentos vividos nas ruas. Nas redes esta ‘fotografia’ de instantes pode ser observada com ferramentas de análise de redes.

A fotografia em toda sua história possui a característica de registrar e enfocar algo para nos chamar a atenção. O fotógrafo nos dirige o olhar para aquilo que lhe interessa e tudo o que está fora do enquadramento compõe o que chamamos extraquadro e se torna ausente. A fotografia, não representa nem a verdade de uma situação e representa sim um olhar sobre um vasto campo que engloba o objeto, mas que também exclui tudo o que compõe o extraquadro. É fruto de uma escolha pessoal e subjetiva do fotógrafo.

Da mesma forma que o registro fotográfico, as ferramentas de análise de redes que resultam em imagens instantâneas dos temas que provocam engajamento também trazem este foco, ao mesmo tempo que possuem, não um extraquadro, mas um contexto para suas conexões.

Há uma ampla gama de ferramentas que são utilizadas na coleta, análise, configuração dos dados e a elaboração de gráficos e imagens que fornecem a possibilidade de se verificar não apenas os graus de engajamento e interação, mas também a densidade destas ligações.

Dentre eles, temos, segundo SILVA, T. F. da .; RAMOS, T. C. da S. .; DAVID , H. M. S. L. .; VIEIRA, A. C. T. (2021):

– “(…) O Ucinet© – mais utilizado nos estudos que envolvem Análises de Redes Sociais (ARS) –, criado para auxiliar o analista de redes sociais no estudo das relações por meio de seus padrões. Permite caracterizar as ligações entre atores por meio de gráficos provenientes de uma matriz – conjunto de elementos formado por linhas e colunas, em que o analista de redes insere dados que representam as ligações dos atores na rede e pela aplicação de algoritmos específicos. Possibilita ainda o cálculo de medidas e a configuração das redes;
– O Netdraw©, que está integrado ao Ucinet© e é um programa para a representação de diagramas, possibilita a visualização de dados de redes sociais e permite visualizar relações múltiplas, distinguir atributos para os atores da rede, salvar os diagramas da rede como imagem, entre outros recursos;
– O Egonet©, que é uma ferramenta desenvolvida para analisar dados de redes egocêntricas. Auxilia o analista de redes na elaboração do questionário, na coleta de dados, na compilação de matrizes e na apresentação de análises estatísticas;
– O Pajek©, que tem a capacidade de representar, por gráficos, grandes redes, decompondo-as e identificando clusters (redes dentro de redes) ;
– E o Gephi©, considerado uma ferramenta “opensource” que auxilia na exploração e compreensão de dados a partir de gráficos. Ele permite que o usuário possa interagir com a representação, manipular as estruturas, formas e cores para revelar propriedades, por vezes ocultas, nos dados brutos. Pode ser utilizado para análise de redes egocêntricas ou completas. (…)”

Entenda toda esta teoria a partir de um exemplo prático:

Os movimentos ocorridos neste 7 de Setembro de 2021 entram para a história como sendo grandes movimentos, tanto nas ruas e praças, quanto na avenida larga da internet. Vimos o que aconteceu e o que não aconteceu nas ruas neste 7 de Setembro. Agora vamos tentar entender o que aconteceu nas redes e a forma como a sociedade se movimentou a partir das ferramentas disponíveis para análise delas.

Utilizarei grafos de Pedro Barciela que foram produzidos a partir de interações no Twitter.

Chamamos grafos estas imagens que parecem nuvens de palavras coloridas, que resultam de reunião e análise de grandes massas de dados.

Grafo de Pedro Barciela

Como forma de compreender estas imagens, tais grafos apresentam cores, que por sua vez se dividem em “grupos”. Para o caso da análise deste dia o cluster (que são as redes dentro de redes) representada pelo bolsonarismo é o laranja. Se colocarmos uma lupa sobre a quantidade de interações os dados revelam que menos de 18% dos usuários citaram as ‘manifestações’ ou mesmo ‘Bolsonaro’ em suas interações. As citações para o caso de redes utilizando hashtags são fundamentais para mensurarmos as interações. Esse baixo engajamento da análise deste grafo mostra que a mobilização digital #flopou (termo em linguagem digital para dizer que fracassou).

Mas o que poderia ser atribuído a isso? O que é definitivamente visível e perceptível é que a partir do esvaziamento da manifestação em Brasília com a presença de apenas 5% de manifestantes do que seria sua expectativa inicial. Fontes mais otimistas aguardavam algo acima de 1 milhão de manifestantes. Este volume, muito menor de pessoas, dificultou a criação de uma “enredo” sobre o que aconteceu. Isto deixou os que funcionavam como alimentadores das redes sem uma ‘ficção’ que engajasse seus pares e produzissem as tão desejadas interações que movimentariam as redes.

Apesar do grande tempo de preparação (quase 2 meses), com uso de recursos públicos e privados a decepção pelo que aconteceu em Brasília dificultou o engajamento na rede. Como a análise de redes ocorre em tempo real e instantâneo não é possível fazer análises sobre o que poderia ter acontecido nas ruas. Inúmeras versões surgem e só o Tempo mostrará. Para a análise das redes isto de fato não importa. Cabem a outras áreas de conhecimento investigar e propor caminhos interpretativos que se pautarão não apenas ao instante, mas aos eventos que circundam tais registros e estão no antes, durante e no depois. Colaboram com isso informações trazidas por apurações jornalísticas e, mais tarde e de forma bem mais robustas, por historiadores e cientistas sociais.

De outro lado, e não menos importante temos os outros clusters que representam o que pode se considerar a oposição ao bolsonarismo (representados pelas cores rosa e verde), e que se apresentam com uma interação muito maior. De novo, temos o engajamento de clusters diversos em oposição à jb. Não que TODOS pensem de forma idêntica, mas determinados pontos como a crise institucional e a luta por Democracia os une. O anti-bolsonarismo é diverso e possui muitas camadas de pensamentos, ideologias, objetivos e visões políticas e de mundo. Por isso, são uniões que ocorrem de forma pontual em resposta à situações específicas. Perceba que sempre há a figura de atores sociais que possuem um grande número de seguidores, e estes repercutem suas falas gerando o engajamento. Toda a movimentação se dá por posições e contraposições de ideias e posicionamentos. Alguns atores possuem interlocução com mais de um cluster exatamente por terem abordagens que engajam vários segmentos e pautas. E também é importante destacar que a aliança entre estes atores não se dá por conexão. Não estão conectados ou filiados politicamente, mas apresentam interesses no mesmo tema. Por isso dizemos que são alianças contranaturais. Estão unidos neste tema e aparecem neste instantâneo de momento.

Metodologia na Prática

Quando falamos em análise de redes não tomamos métricas usuais para outras coisas como raça, gênero, sexo, idade. Para analisá-las utilizamos critérios que tomam em conta a comunicação e interação entre ideias e comportamentos. O produto final destas análises funcionam como uma radiografia do social, e como toda radiografia há que se delimitar o quê efetivamente será mostrado.

A análise das redes nunca são abertas ao ponto de não se saber o que se quer mostrar. Como ocorre com todas as metodologias é preciso saber o quê e como será analisado. É preciso delimitar claramente quais serão as fronteiras do estudo.

O rigor metodológico da ARS implica duas condições: a escolha e a justificativa das relações que serão observadas e a delimitação do conjunto que será observado, ou seja, a especificação de fronteiras para a investigação. Para alcance da primeira, o pesquisador deve identificar os recursos cuja circulação é vital para o sistema, as produções, as trocas, os controles e as solidariedades que o caracterizam. A segunda condição pressupõe definir as fronteiras externas do ator coletivo ou do sistema de interdependência que se quer observar na estrutura relacional (Lazega & Higgins, 2014)“.

Por esta razão, vale frisar que as alianças contranaturais geradas pelo antibolsonarismo, segundo Pedro Barciela, são da mesma natureza que o movimento antipetismo. Isto porque ela fomenta alianças que antes só poderiam ser vistas estritamente no ambiente sócio-político.

Agora como entender os elementos que compõem este grafo e seus clusters?

A interpretação pode ser resumida da seguinte forma: os nomes que aparecem tem seu nome distribuído por tamanho de acordo com seu volume de interações. Quanto mais interações maior o nome aparecerá, sua localização no cluster estará no ponto onde se conecta com outros atores. Tais nomes também são chamados de nós. Taís nós são, dentro do ambiente de rede, tanto o que converge quanto o que bifurca interesses e conexões. Por isso, podemos afirmar que nunca as redes podem ser vistas como organismos fechados e homogêneos. Os nós podem ser antes de tudo o começo, e portanto está sempre aberto.

E as cores? Bem, as cores segundo a bióloga Carina Pensa, que utiliza grafos em seus trabalhos de pesquisa e os define da seguinte forma:

Os grafos, portanto, dão materialidade a algo que não podemos ver. Ao aplicar a análise de redes e usar os grafos podemos seguir interpretando os dados a partir das imagens que conseguimos ter a partir de diferentes ferramentas.

O que é importante destacar é que tais “fotografias” são como instantâneos e vão se alterando todo o tempo em função das interações ocorridas e dos eventos que se sucedem. As redes possuem interesses voláteis e por isso nunca representarão uma perspectiva fixa.

O exercício mais interessante é olhar para todos os dados e a partir daí seguir fazendo as interpretações possíveis a partir de todo o seu contexto.

Tal como ocorre com movimentos nas ruas, os movimentos em rede não são, nem uniformes e nem homogêneos. À medida que novos eventos ocorrem eles vão alterando o comportamento digital.

Observe-se pela manhã do dia 7 de Setembro de 2021 o movimento era maior, mas logo no meio da tarde e noite o levantamento de hashtags e engajamentos foram muito abaixo do que se esperava.

Observe o gráfico de engajamento nas redes criado também por Pedro Barciela. O gráfico mostra o engajamento em rede desde o dia anterior (06/09/21) e no decorrer de todo o dia 07/09. Fácil observar que a oposição teve uma reação bem maior contra o bolsonarismo.

Ao analisarmos fotografias do movimento nas ruas de Brasília na manhã do dia 07 de Setembro de 2021, basicamente no mesmo momento dos registros dos grafos acima verificaremos a dispersão de pessoas. Essa dispersão de pessoas levou ao menor engajamento em rede. Donde se lê que a rede acabou refletindo algo que estava ocorrendo nas ruas.

A interdisciplinaridade para análise da ruas e das redes

De tudo o que vimos, nas redes e nas ruas, fica claro que mais importante que imagens descoladas da realidade servem bem pouco à análise da sociedade digital. Sua complexidade entre diversos atores e mundos requerem uma multiplicidade de olhares. Mas antes e mais importante de tudo: são necessárias boas perguntas. Se não sabemos como elaborar boas perguntas a possibilidade de encontrarmos boas hipóteses e consequentemente boas análises interpretativas são pequenas.
O estudo tanto de redes sociais quanto digitais necessitam de um olhar interdisciplinar e atento.
E ainda mais importante: mesmo tendo em mãos muitas ferramentas para análise de redes, o sucesso depende daquele que circunscreve e delimita seu campo de investigação para posteriormente ser capaz de analisar de forma abrangente e perspicaz.

Gosto deste tipo de abordagem como análise social e digital pois permitem o cruzamento de diferentes dados. A reunião destes gera informação que pode produzir análise a partir de uma quantidade de variáveis e contextos. E aí temos uma prova fantástica de como nos dias de hoje áreas de exatas e humanas podem se unir para compreender a sociedade onde estão.

Este território de intersecção entre as áreas de Humanas com ferramentas das áreas de Exatas vem sendo chamada de Humanidade Digitais.

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** Artigos relacionados:
Lazega, E., & Higgins, S. S. Redes sociais e estruturas relacionais. Belo Horizonte. Editora Fino Traço, 2014.

SILVA, T. F. da .; RAMOS, T. C. da S. .; DAVID , H. M. S. L. .; VIEIRA, A. C. T. . Características e especificidades da Metodologia de Análise de Redes SociaisResearch, Society and Development[S. l.], v. 10, n. 3, p. e46510313622, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i3.13622. Acesso em: 9 set. 2021

Rezende, Eliana Almeida de Souza. ”Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”. An. mus. paul. [online]. 2007, vol.15, n.1, pp.115-186. ISSN 0101-4714. Acesso em: 9 set, 2021.

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Importância do Rigor Metodológico e Conceitual em Memória Institucional

Por: Eliana Rezende Bethancourt 

À guisa de uma introdução:

A escrita coloca a quem escreve, o desafio de ponderar palavras e elaborar conexões de sentido. Diante disso, um esclarecimento: minha fala pauta-se a partir da observação que venho fazendo em relação ao oferecimento de cursos e outras formas de capacitação e/ou consultorias que tem proliferado nas redes, até propiciada pelos recursos online aos quais temos acesso. 

Uma tempestade perfeita se formou onde de um lado, temos a tecnologia acessível, e de outro pessoas disponíveis com tempo ou recursos, querendo realizar cursos e aperfeiçoamentos, ou demandas que necessitam de uma consultoria ou assessoria técnica. Engana-se aquele que acredita que, por ser uma capacitação ou consultoria, esta deva ser desprovida de rigor, e que qualquer coisa poderia ser aceita, já que são poucas horas destinadas a ela.

Os pilares que sustentam, e que firmam toda uma carreira, assentam-se obrigatoriamente na formação teórica, acadêmica e no rigor metodológico. São pilares que prezo e persigo tanto em mim, quanto no meu trabalho, meus alunos e nos profissionais que me cercam, ou nos clientes que me procuram.

Em geral, e até por uma demanda que chamamos de coerência, este rigor Conceitual e Metodológico devem ser acompanhado por ações profissionais que os sustentem. A seriedade imposta deve ser ainda mais rigorosa quando nos dispomos a ensinar ou a desenvolver um trabalho que repercutirá numa comunidade ou organização (seja ela qual for). A docência e o profissionalismo em áreas de conhecimento técnico é um compromisso público e ético com a área em que atuamos e com aqueles com quem compartilhamos nossos conhecimentos ou experiências.

Colocando uma lupa

Como é óbvio, não é possível cobrir todas as formas de capacitações ou consultorias e assessorias técnicas em diferentes áreas. Portanto, me aterei a minha área específica de atuação acadêmica e profissional que é a Gestão de Informação e a Memória Institucional. Leitores de outras áreas podem tirar proveito do que escrevi pensando em conexões com suas áreas especificas de formação e/ou atuação.
Meu debate procura reforçar a noção de que em todas as áreas há os que se esmeram em Conceituação e Método aplicáveis à sua prática profissional. Mas há também os que consideram isso supérfluo e até desnecessário, por considerarem que o que importa é mesmo a cifra ao término e ao cabo. Para estes últimos não há a preocupação, pois consideram que os demandantes pouco sabem e por isso tanto faz.

No decurso de minha experiência, e por diferentes vezes, me defronto com cursos ou consultorias oferecidas que pecam exatamente pela falta de compromisso ético com o rigor e a qualidade do que se oferece. Em alguns casos, tais cursos ou consultorias apresentam fragilidades conceituais, técnicas, metodológicas e chegam a ser oferecidos de uma forma mercadológica, onde preços e certificados são oferecidos e suas entregas muitas vezes, à domicilio!

Consigo compreender que existam, na livre concorrência e nas leis de mercado, sistemas mercadológicos tais como os descritos acima e que também existam alguns profissionais que se submetam a isso. O que definitivamente não sou capaz de aceitar são fragilidades conceituais e muitas vezes grandes equívocos propiciados pela tábula rasa da ausência de consistência teórica e intelectual sendo oferecidas como vantagem e capacitação.

Exemplo neste sentido é a área de Gestão Documental, por excelência uma área multidisciplinar, e isto lhe dá como característica predominante a possibilidade de trocas e experiências com diferentes saberes. Mas simplesmente não pode ser confundida e colocada de uma forma como se tudo pudesse estar junto e misturado, sem um detido e aprofundado estudo dos diferentes conceitos que a compõe.

Dentre eles cito os que são mais gritantes e perceptíveis na área que atuo: Memória Institucional, Gestão Documental, Processos Híbridos (microfilmagem e digitalização) e célebres frases indevidas e erradas como: “arquivos inativos”, “arquivos mortos”, ou afirmar que Arquivo seja Memória Institucional e que GED é Gestão Documental. Usual é também considerar que Informação possa ser tomada como Conhecimento. Algo impensável, já que Conhecimento representa uma a informação processada e transformada em experiência pessoal e intrasferível.

Pode ficar ainda pior quando técnicas são confundidas, como por exemplo, não saber diferenciar storytelling, depoimento, história de vida ou entrevista e de como estes poderiam ser realizados em um Projeto de Memória Institucional.
Ou não ser capaz de entender como a Memória Institucional acaba sendo uma parte importante do que seja a Memória Social, e que esta definitivamente tem que ver com Tabelas de Temporalidade Documental, e NUNCA com colecionismo ou escolhas que compõe uma lógica que está há anos-luz de ser um Método adequado. Coloco propositalmente temas que se tocam, mas são de áreas diversas e possuem concepções teóricas e metodológicas diversas, não porque seja errada a interdisciplinaridade, mas sim a incapacidade por parte de alguns de transitar por todas estas áreas sem praticar alguns equívocos conceituais.

Infelizmente tenho visto muitos confundirem Linhas de Tempo e “relíquias institucionais” com Memória Institucional e com História.
Em outros casos, vejo Memória Institucional ser confundida com Arquivo. Apesar dos arquivos fornecerem subsídios para que se possa chegar ao que denominamos Memória Institucional, Arquivo NÃO é Memória Institucional. Assim como Memória Institucional NÃO significa uma cronologia composta a partir da produção de documentos, como querem alguns arquivistas.
Alguns usam a expressão “resgate de Memória“, como se esta fosse uma ‘entidade’ a ser buscada em alguma parte, para ser embalada e mostrada como produto. Esquecem-se ou simplesmente não sabem que a Memória é forjada no território social, que é constituída a partir da História e que esta não existe à priori: é uma construção subjetiva a partir de um determinado ponto de vista e/ou repertório, em última instância é forjada a partir de relações sociais complexas e que possuem diferentes vetores.

O “equívoco” é grave quando se supõe que a partir de escolhas realizadas por áreas de Comunicação ou Marketing se acumulem documentos e objetos para formar o que chamam de Memória Empresarial ou Museu. Cabe sempre lembrar que documentos NÃO nascem para ser isso ou aquilo. São produzidos no âmbito de FUNÇÕES desempenhadas por pessoas ou organizações e por isso, a escolha aleatória por terceiros não passa em grande parte de achismos e de reunião de objetos e coisas que poderiam bem compor um “gabinete de curiosidades”. Decidir por critérios outros que este ou aquele documento ou objeto é histórico é, em grande parte um erro que não se sustenta por rigor teórico e metodológico. Ainda que se faça esta ou aquela pesquisa denominada histórica, esta está longe de ser rigorosa. Representa apenas uma forma de maquiar e dar lastro à coleção reunida por objetos e eventuais ditos documentos.

São portanto, equívocos cometidos em série e que atinge de morte áreas como a Arquivologia e a História.
Há também equívocos que consideram que a produção de documentos arquivísticos da Administração Direta e Indireta de Órgãos Públicos são Memória Institucional, o que NÃO é real. A Memória Institucional é uma construção e não fruto apenas de Tabelas de Temporalidade (apesar destes documentos ser utilizados como fontes). Ainda dentro desta mesma esfera e no campo da Administração Pública, os documentos permanentes (que são os de valor histórico) devem cumprir seus prazos legais como tais. Poderão ser utilizados como fonte histórica, mas NUNCA ser subtraídos dos conjuntos documentais de que são parte. Aqui temos um exemplo bem acabado do seja teoria e metodologia aplicáveis à diferentes áreas e que possuem em comum um conjunto documental. Uma área NUNCA poderá prescindir da outra ou suplantá-la.

Também NÃO é Memória Institucional elaborar Linhas do Tempo ou escrever textos bonitinhos para integrar livros comemorativos ou mesmo exposições. Não é também colecionar imagens num álbum de fotos antigas, ou fazer colagens de ‘curiosidades’. Reduzir o trabalho a isso significa oferecer “perfumarias” desprovidas do que seja o verdadeiro significado da Memória Institucional. É preciso ir muito além disso. Como repito constantemente: a Memória Institucional não é um produto em si. É sim, meio para fortalecer a Identidade e Cultura Organizacional. É favorecer a produção de Conhecimento e Inovação dentro das organizações além de ser importante na valorização do Capital Intelectual nas organizações.

São tão graves esses equívocos que, colocar tais termos em cursos ou consultorias oferecidas, mostra à partida quão grave e preocupante é a qualidade do que se abordará! Quem se propuser a ir por esta seara deverá estar firmemente embasado por 4 áreas, talvez 5: Arquivologia, História, Tecnologia, Biblioteconomia e Gestão. Sendo a História a mais complexa e com maior rigor de leituras e metodologia. As demais áreas são técnicas e de aplicação. Diante disso, conceitos caros à História como Memória, Identidade, Sociedade, Cultura, etc, devem ser tratados a fundo e muito bem fundamentados. Utilizar tais conceitos sem conhecimento de causa é pelo menos uma temeridade.

Vejo a multidisciplinaridade como meio eficaz de aprendermos e nos esmerarmos com o aprendizado e nunca, nem que seja por um minuto sequer apropriar-nos de forma errada, equivocada ou despretensiosa de uma área tão grande de conhecimento.

Não aceitem ser ludibriados! Solicito que tenham atenção. Verifiquem, analisem, peçam indicação.

Um diagnóstico preliminar
A formação profissional, metodológica e técnica é algo sério e todos devemos zelar por isso! Se não souber avaliar, peça ajuda de quem saiba! Não temos que saber tudo sobre tudo, mas temos o dever de esclarecer quando houver problemas graves.

Um equívoco custa caro ao seu emitente, mas pode ser muito mais caro ao consumidor do mesmo! Exatamente por preocupar-me com os que buscam o saber é que estou me posicionando. Os discentes ou clientes muitas vezes, não possuem ferramentas para discernir, às vezes são jovens demais, inexperientes e oriundos de outras áreas. Por isso, temos que nos colocar e esclarecer quando possível quando detectamos tais problemas.

Acho que é um misto de várias coisas, em especial para os casos de cursos para que tais problemas ocorram.
De um lado, há uma busca de ter sempre na prateleira alguma coisa de consumo rápido e raso… sem grandes compromissos ou aprofundamentos. Este uso é comum, e temos casos de conteúdos ficarem ali sendo “fornecidos” por anos à fio. Já vi casos que os docentes morreram e o conteúdo permanece ali disponível. Isto em geral ocorre com modalidades em formado EaD previamente gravados, ou mais recentemente em formatos de conteúdos online. Estes obedecem uma lógica de oferecer ao maior número possível de pessoas o mínimo sobre algum tema. Com isto possuem um atrativo simples: custos módicos, certificados rápidos e a fantasia de capacitação.

Em outros casos, pode haver má fé: pessoas apropriando-se de ideias e proposições de outros e tentam costurar algo que sirva à vários “corpos”.

E numa que talvez seja a forma mais grave, que é a falta de cabedal e sustentação intelectual e conceitual que compromete a formação de outros. Considero essa a forma mais grave pois quando ensinamos estamos nos comprometendo com a ética da partilha de Conhecimento, mas este deve assentar-se de forma sólida numa formação devida. Nunca poderá ser aceitável uma pessoa que não seja de determinada área ser irresponsável de abarcar saberes que desconhece, ou que os saiba apenas de superfície. O que digo, é que não há problema algum em visitar áreas afins, beber e constituir perspectivas para atuação pessoal e profissional. Mas nunca apropriar-se indevida e equivocadamente daquilo que não sabe só como forma de tornar palatável a venda de um produto ou serviço (no caso aqui me refiro a cursos de capacitação e/ou consultorias).

Talvez o maior remédio que temos contra isso é que as pessoas aprendam a selecionar.

Creio que muitos espaços são indevidamente ocupados exatamente porque os que o deveriam fazer isso deixam as brechas.

Uma torre fortificada numa Ilha da Fantasia

Cito como exemplo, a minha área – as Ciência Humanas -, que é também território de aplicabilidade e prática e infelizmente muitos acham que só são profissionais se estiverem na academia… deixam com isso, espaços que poderiam ser seus na sociedade, em empresas e instituições, para serem ocupados por profissionais que possuem talvez boa vontade mas lhes falta consistência, aprofundamento e na maioria das vezes, leituras da formação.
Seria interessante que os profissionais se desencastelassem da academia e fossem ao mundo real atuar de forma aplicada quer ministrando capacitações, quer prestando assessorias técnicas ou consultorias!
A sociedade ganharia muito!

O fato a que me refiro é de que muitos profissionais encastelam-se em suas “fortalezas” intelectuais: produzindo apenas para seus pares e deixam de alcançar o cerne da sociedade. Mas creio que discursos esvaziam-se quando ficamos em discussões epistemológicas, conceituais ou de especialidades sem o pé na realidade. Aí o que temos é apenas, e tão somente, conteúdos que massageiam egos e inflam vaidades.

Preocupo-me muitíssimo, e aí falo dentro da minha área de atuação (sou historiadora, de graduação à pós-doc), que exista essa cisão de que o profissional de gabinete quase nunca saiu de sua zona de conforto e em muitos casos, não conhece as demandas de mercado e das instituições que não sejam as acadêmicas. Sabe pouco sobre a aplicação de tantos conhecimentos discutidos apenas na academia em um formato teórico. A metáfora que gosto de usar é a da Ilha da Fantasia. Alguns intelectuais ficam apenas dentro da academia, numa bolha que não o coloca no confronto direto com as demandas da realidade. Seria muito interessante que tais intelectuais pegassem seus barquinhos e fossem ao continente para ver o que se passa. Voltariam com outros olhares para a sua pequena ilha.

O inverso também é verdadeiro. Alguns saem da Ilha, vão ao Continente e NUNCA mais retornam à sua origem. Ou seja, afastam-se do rigor que é tão caro e necessário na Academia. Acredito sinceramente que o profissional do século XXI precisa e deve trafegar entre a ilha e o continente e saber levar de cada um o que há de melhor. Este seria o melhor dos mundos.

A História durante toda sua existência, e com especial força durante todo o século XIX, lutou para instituir-se e figurar como Área de Conhecimento. São discussões longas, cujos iniciadores não viveram para ver o final. Mas é muito importante que as aproximações feitas entre áreas diversas representem um esforço sério de embasamento teórico, metodológico e técnico (quando for o caso).

Arquivologia e Biblioteconomia iniciaram essas discussões ainda há pouco e há também as Ciências da Informação, que reivindicam um outro espaço de ocupação, o que indica uma longa e árdua discussão em campos teóricos e epistemológicos não cabíveis de fato ao espaço deste artigo.

Uma proposição
Acho que deve haver a busca do caminho do meio: há sim discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas no universo de constituição e aplicação desses saberes, mas há também um território de aplicabilidade que não se encontra na academia e que nem por isso deva ser feito de forma pouco consistente. Um não deve servir de impedimento ao outro. A responsabilidade fica assim na mão de profissionais que devem estar inteirados, atualizados, preocupados e responsavelmente determinados a aplicar os mesmos em suas respectivas áreas de atuação.

Considero que estes equívocos ocorrem exatamente porque muitos profissionais de academia não assumem seu papel de agentes no âmbito social e fornecem as brechas para que profissionais sem muitos escrúpulos mascateiem o que deveria ser algo mais sério: que é a formação profissional. Este é um ponto que me inquieta.

Às vezes, os pesquisadores nos cursos de pós graduação (aqui refiro-me mais aos Mestrados e Doutorados) permanecem num mundo à parte e o que digo é que toda essa competência de fundo conceitual, metodológico, teórico precisa aparecer na sociedade e nos produtos oferecidos a instituições públicas e privadas e que não fiquem restritas às salas e discussões em aula. É altamente salutar fazermos isso! Em hipótese alguma sou contra a produção acadêmica e escrever e compartilhar deve ser nossa preocupação.
Não me coloco contra a realização de cursos e capacitações oferecidos em ambiente de web. Desde que os respectivos profissionais sejam responsáveis e tenham estofo intelectual, teórico e metodológico para isso. Esta responsabilidade sim, fará com que haja produção de Conhecimento. E é com ela que me preocupo e esforço todos os dias. 

É contra esse mercantilismo que me coloco!

A dica que fica é: quer aprimorar seus conhecimentos? Estude, investigue para poder saber escolher entre joio e trigo. 

Ou então:

Quino, Picasso revisitado

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Planejamento Estratégico e Responsabilidade Histórica

Por: Eliana Rezende

Existem muitas definições para o quê seja Planejamento Estratégico. Estas variam de acordo com: a área de aplicação, o seu formulador e os objetivos para os quais será criado.
Escolho como definição de trabalho a que diz:

“(…) Planejamento estratégico para nossas necessidades, é um sistema de escolhas sucessivas e hierarquizadas entre alternativas que se prefiguram dentro de um universo de conhecimentos em expansão dirigida, com o propósito de racionalizar e orientar a ação com vistas à consecução de determinados fins – dadas, de um lado, certa disponibilidade estimada de recursos e, de outro, uma série, também estimada, de obstáculos” (Couto e Silva).

Em outras palavras, o Planejamento Estratégico é utilizado como ferramenta onde se pode antecipar tendências, problemas, oportunidades, diagnósticos com o objetivo de encontrar maiores e melhores soluções.
É, entre muitas ferramentas, o meio que os gestores encontram para atingir seus objetivos de forma adequada e satisfatória de acordo com um plano previamente traçado.

No âmbito de atuação no qual a ER Consultoria atua, toda instituição é vista como sendo possuidora de um ciclo de vida próprio, e que com ele há o surgimento de necessidades específicas, que variam de uma organização jovem, para uma organização madura ou para uma secular.
Há que se tentar entender como esta organização se coloca e como impacta e é impactada pelos ecossistemas (tanto contextos internos quanto externos) à sua volta.
Em comum, todas tem que zelar pela qualidade das informações produzidas e as formas como são armazenadas.

Podemos afirmar que as organizações podem ser divididas em pelo menos três ciclos de existência:

  1. Jovem: que coincide com seu momento de surgimento. Definições estratégicas sobre o que é, a quem serve, alcance, âmbito de atuação, e concorrência são fundamentais para dar-lhe um perfil. É neste momento, e sob a ótica da Informação, que a organização necessita estabelecer critérios sobre o quê preservar, para quê e com quê finalidade e que faz parte da principal definição do que seja Gestão Documental nas organizações.
    É neste momento que se precisa determinar tipos de documentos produzidos e armazenados, ambientes físicos ou digitais (onde serão criados, tramitados e armazenados), normas e procedimentos para criação, segurança, sigilo e acesso, bem como determinação de prazos de guarda ou eliminação visando o cumprimento de legislação vigente.
  2. Madura: Uma empresa madura continuará a aplicar as determinações acima descritas, mas deverá se preocupar também com sua imagem institucional e a forma como sua produção documental é armazenada, divulgada e preservada para as gerações futuras. É onde a prática da Responsabilidade Histórica começa a ser uma demanda tão séria como vem sendo hoje em dia a Responsabilidade Social, nas Organizações.
  3. Secular: Para as empresas seculares, o fortalecimento de sua Identidade e Cultura Organizacional se colocam como prioritárias. Além, é claro, do cuidado com seu Patrimônio Cultural/Documental, matéria-prima para continuidade de Produção de Conhecimento e Inovação. Ao mesmo tempo, a Responsabilidade Histórica se consolida como prática e garantia de solidificação de uma imagem junto a `toda uma comunidade’. Essa inter-relação entre Organização e Sociedade se consagra como a forma que a Responsabilidade Histórica se coloca.

Mas afinal, o que é Responsabilidade Histórica nas organizações?
A construção do termo Responsabilidade Histórica nas organizações chega a ser recente e ainda possui um debate, tanto conceitual quanto historiográfico, restrito. Poucos profissionais a abordam. Paulo Nassar, em sua tese de doutorado, em 2006 a menciona,  mas não chegou a se aprofundar conceitualmente para a construção do termo. Na tese o termo surge como título de um tema e se encerra aí.

De forma sintética, e a partir da forma como tomo o termo para os objetivos deste artigo e no âmbito de minha atuação profissional, considero que a Responsabilidade Histórica ocorre quando a organização compreende seu papel histórico para com a sociedade que a cerca e para com as futuras gerações.
Tal comprometimento com o futuro das gerações se refletirá em ações de preservação e conservação de seus patrimônios culturais/documentais, técnicos e de capital intelectual.
Sob a perspectiva de minha atuação esta conscientização se dá quando a organização decide tratar a forma como suas informações são produzidas, tramitadas e armazenadas através de políticas consistentes de Gestão Documental e Memória Institucional, visando o fortalecimento de sua Cultura e Identidade Organizacional através do tempo. Passam neste sentido, longe de ações às quais denomino de “perfumarias” que servem muito mais como ações de marketing e subprodutos como exposições, artigos ou mesmo livros comemorativos. Tais ações NÃO SÃO a Responsabilidade Histórica em si, representam apenas produtos de marketing. Responsabilidade Histórica PRECISA ir além e de forma muito mais consistente e que estar amparadas metodologicamente e estruturalmente em ações inter e trasndisciplinares como citamos acima.

A Responsabilidade Histórica, quando bem compreendida por uma organização, acionará todo um conjunto de boas práticas que reforçarão a Identidade e a Cultura Organizacional e terá amplos reflexos sobre a sociedade à sua volta. Cria-se com isso um ciclo virtuoso onde quanto mais forte as raízes históricas de uma organização, maiores serão suas chances de perpetuar-se no tempo e no espaço.

Independente de sua fase institucional, as empresas demandam por parte de seus gestores uma comunicação estratégica que permita que seus valores sejam facilmente compreendidos pelo público externo (desde clientes até concorrentes) e por seu público interno (funcionários, gestores e fundadores).
Compreender que a organização possui um papel que é social e também histórico, dentro da sociedade, é praticar a Responsabilidade Histórica. O que significa dizer: cuidar, preservar e disponibilizar seu Patrimônio Cultural e Documental, para as futuras gerações.
Ter, esta preocupação garantirá a contínua produção de conhecimento e inovação. Ao mesmo tempo que a História Institucional se fortalece.

Portanto, sob a ótica tomada para este artigo, a Responsabilidade Histórica é um conceito abrangente que comporta todas as demais formas de responsabilidade hoje presentes dentro das organizações, tais como: a social, cultural, jurídica, civil, ética, ambiental, de preservação e retenção do capital intelectual nas organizações, entre outras. Daí a necessidade de integrar-se como uma política (no sentido de continuidade) dentro da organização e ser planejada estrategicamente para atingir seus fins.

Se a organização de fato se preocupar com sua permanência no tempo e a forma como responderá as demandas da sociedade à sua volta, será imprescindível um planejamento estratégico que tome em conta seu papel histórico e a imagem que procurou vincar no Tempo.

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É bom que se faça a distinção entre Imagem e Identidade organizacional.
A Imagem é  como as pessoas vêem e/ou percebem a organização e tem como característica principal ser intangível. A Imagem é, portanto, subjetiva, exterior à organização.
A Identidade por outro lado, é o que de fato a organização é e faz, é tangível. Podemos afirmar que sua existência se dá pelo tripé: o que diz, o que faz e o que dizem e acham dela.

Ações de Planejamento Estratégico com uma visão de Responsabilidade Histórica será sempre um trabalho interdisciplinar e deverá ser pensado como Comunicação Organizacional, já que produtos e subprodutos servirão às áreas de Publicidade, Marketing, Relações Institucionais, Recursos Humanos, entre outros.

planejamento-tempo-historia

Cabe ressaltar que toda a produção envolvendo ações de Responsabilidade Histórica, como: exposições itinerantes e/ou permanentes, tanto de imagens quanto de objetos museológicos, produção de vídeos, coletas de depoimentos, storytelling ou mesmo a formação de Centros de Documentação e Memória, terão papel fundamental como espaço de produção, manutenção e preservação daquilo que é  Patrimônio Cultural da organização, e também espaço para valorização do Capital Intelectual.

É neste universo que a Memória Institucional se coloca como um elemento fundamental, tanto do Planejamento Estratégico, como na Responsabilidade Histórica das organizações. Somente as empresas que entendam este seu papel, tanto técnico quanto social, cultural e histórico, podem se orgulhar de levar a sério sua Identidade e Cultura Organizacional.
Sem Responsabilidade Histórica, a Cultura e Identidade Organizacional, serão apenas termos esvaziados de sentido.

CulturaOrg

*  Se sua organização pensa e aceita o compromisso de ter Responsabilidade Histórica, e pensa em elaborar uma ação de Planejamento Estratégico para ter uma boa reputação no futuro, com o fortalecimento de sua Cultura e Identidade, nos contate. Teremos imenso prazer em pensar como realizar um trabalho de Memória Institucional com Responsabilidade Histórica. Ao mesmo tempo, poderemos pensar em formas de zelar por seu Patrimônio Patrimônio Cultural/Documental.
Teremos enorme prazer em pensar numa Solução customizada para as suas demandas, ou para o tratamento técnico documental de acervos documentais e fotográficos e sua preservação e conservação.

____________

Referências:
BOSI, Ecléa. Lembrança de velhos: memória e sociedade. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.
KUNSCH, Margarida M. Krohling. Planejamento estratégico para a excelência da comunicação. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling. Obtendo resultados com relações públicas. 2a. ed. rev. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006. p. 33-52.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 2003.
NASSAR, Paulo. Relações Públicas na construção da responsabilidade histórica e no resgate da memória institucional das organizações. São Paulo: Difusão, 2007.
______. Comunicação organizacional e as novas relações públicas. In: DINES, Alberto, NASSAR, Paulo e KUNSCH, Waldemar Luiz (orgs.). Estado, mercado e interesse público: a comunicação e os discursos organizacionais. Brasília: Banco do Brasil, 1999.
REZENDE, Eliana Almeida de Souza.“Um Ensaio de Ego-História” na revista SUSTINERE – Revista de Saúde e Educação da UERJ, 2016.

______________
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Ler de forma produtiva. Mas como?!

*Por Eliana Rezende

Muito se tem dito e escrito sobre a qualidade dos leitores em tempos de tantos estímulos digitais.
Desconcentração e desinteresse tendem a encabeçar quase todas as listas.
A seguir e bem de perto estão a preguiça, dificuldade de retenção e compreensão do que se lê.

Sem entrar nos méritos da alfabetização ou sua ausência, do analfabetismo funcional e problemas com o ensino desde sua base, algumas sugestões podem e devem ajudar quem, de fato, quer ou precisa ler e ainda não aprendeu como.

Aqui a sugestão é para leituras técnicas ou de conteúdo profissional e que necessitam de uma outra forma de leitura daquelas que destinamos a romances e entretenimento de horas de lazer.

livro-leitura-xícara-outono

Vamos ver se consigo:

  • Crie o hábito de tracejar o que lê. Isso mesmo! Use um lápis (nada de marcadores e canetas! Estes estragam seu livro). Procure um lápis macio (6B ou mesmo um integral seriam fantásticos). Se estiver lendo em um tablet use o recurso de pintar o trecho que quer destacar.
  • Munido desta ferramenta aprenda a sinalizar o que lê. Encontre uma sinalética que te dê pistas se o assunto é interessante, repetitivo, se você já leu em outro lugar, etc.
  • Não grife parágrafos inteiros! Escolha palavras que sintetizem a ideia do parágrafo. Assim quando bater os olhos na página não terá que ler todo o conteúdo novamente.
  • Procure anotar títulos que te façam saber do que o parágrafo ou a página tratam.
  • Relacione a leitura desta página com outra que a complemente, ou mesmo outra obra e autor.
  • Estabeleça uma relação com o autor. Faça-lhe perguntas e procure encontrar as respostas enquanto lê. Dessa forma ficará atento e a concentração será consequência deste diálogo silencioso.
  • Este recurso também pode ser usado quando lembrar do argumento de outro autor. Interpele o atual sobre o que o outro disse e tente encontrar uma resposta satisfatória.
  • Tenha sempre um dicionário por perto. A leitura é fantástica para descobrir novos significados para as palavras, bem como seu emprego na construção de uma ideia.
  • Achou uma palavra nova? Não a perca! Escreva ao lado dela o seu significado. Você provavelmente não decorará de primeira.

Logo nas primeiras páginas pergunte-se:

  1. Qual é o objetivo do autor? O que o autor quer com seu escrito? Ele está vendendo uma ideia ou um produto? É importante descobrir qual é o seu objetivo para que ao término da leitura você possa qualificar de boa ou má sucedida sua obra em relação a você. Isto será importante para que você seja capaz de argumentar se gostou ou não do que leu e o quanto ficou convencido pelo exposto.
  2. O que ele está defendendo?
  3. Com quem ele fala? Conversa ou rebate a ideia de outro autor? Ou tenta expor e propor uma nova ideia ou conceito?
  4. De onde o autor fala? Ele é do mercado de trabalho, da academia ou é um empreendedor? Atentar para isso pode ajudar a compreender seus argumentos. Ele procurará falar aos seus pares e saber quem são lhe ajudará a ter mais ferramentas para compreende-lo.
  5. Qual a data da publicação? Essa é uma pergunta interessante, já que se for um autor contemporâneo trará temas mais recentes. Mas às vezes é uma publicação escrita há décadas! Talvez seja um clássico, ou uma leitura obrigatória dentro da área de conhecimento. Saber quando uma obra foi escrita evitará que cometamos erros de interpretação, ou mesmo notar ausências de abordagens, pois estas só ocorreram muito mais tarde.
  6. O autor consegue convencer você ao final? Veja, o convencimento aqui é você cruzar o que era o objetivo inicial dele e como ele foi conduzindo você. Ao final, valeu a pena o percurso? Ele conseguiu cumprir o objetivo que se colocou?
  7. Suas ideias são claras ou já viu outros autores explicando melhor? Tente fazer estas conexões. Isto significará que você não está mais na superfície e que sua leitura está ganhando consistência.
  8. Ao concluir a leitura de um tópico ou capítulo, pergunte-se: “o que mesmo o autor falou?”. E neste momento escreva em duas ou três linhas o que respondeu. Isso lhe ajudará a ir fixando as partes importantes de cada capitulo, seção ou tópico. Ao término da leitura poderá se arriscar a ler tuas anotações e fazer a mesma pergunta só que para o livro todo e redigir um parágrafo síntese.
  9. Pode parecer bobagem, mas fazer isto pouco a pouco o ajudará a ir fixando o conteúdo e imprimindo sua compreensão ao que leu. Com certeza você irá mais longe em sua compreensão.

Se prestou atenção, os recursos para ler um livro físico são os mesmos que você também pode usar em um livro ou paper digital. A via é a da comunicação. É preciso estabelecer uma relação de troca com o texto, com o escritor. Fale com ele! Feito isto não há leitura que seja difícil ou dura.

Será que quer aplicar comigo estas dicas que falei?
Experimente! E depois me conte!

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*
Os procedimentos para uma boa leitura auxiliam e muito nos meios possíveis para estabelecer trocas em especial as acadêmica e profissionais.
A leitura acurada é meio de tornar a informação muito mais proveitosa, e sim, matéria-prima para a produção de conhecimento.
ER Consultoria, atenta às muitas formas de “ler” possui como missão, portanto, prestar serviços de Gestão de Informação que possibilitem aos seus clientes: fortalecimento de sua identidade institucional e cultura organizacional, disponibilização de matéria-prima para a produção de conhecimento e inovação, além de valorização do capital intelectual existente no interior de cada organização.

Consulte-nos e saiba como podemos auxiliá-lo, ou consulte nosso Portfólio de clientes e o quê eles tem a dizer sobre nosso trabalho.

* Post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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História Oral: o que é? para que serve? como se faz?

Por: Eliana Rezende

A questão sobre o que vem a ser História Oral, como pode ser utilizada pelas instituições e de que forma deve ser realizada é um tema que interessa a diferentes áreas e profissionais.

Neste artigo, procurarei tecer considerações acerca de sua utilização, metodologias, aproximações e diferenças, bem como sua importância em Projetos de Memória Institucional com vistas à valorização de Capital Intelectual e o fortalecimento da Cultura e Identidade nas Instituições.

Os relatos orais são amplamente utilizados em diferentes áreas, mas para o recorte deste artigo ficarei concentrada dentro da minha própria área de atuação que é sua circunscrição no âmbito das Ciências Humanas.

A chamada História Oral é amplamente utilizada pelas Ciências Humanas, e é caracterizada pela coleta de depoimentos com pessoas que testemunharam conjunturas, processos, acontecimentos, modos de ser e de estar dentro de uma sociedade ou instituição. Para efeito didático pode estar dividida em três gêneros distintos: a tradição oral, a história de vida e a história temática.

Explicando cada uma delas:

Tradição Oral caracteriza-se pelo testemunho transmitido oralmente de uma geração para outra. São exemplos disso metodologias, por exemplo, que são capazes de resgatar tradições rurais e urbanas como cantigas de roda, brincadeiras e histórias infantis. Isso porque esta tradição precede à escrita e podem ser encontradas em sociedades bastante antigas ou mesmo comunidades que não passaram pelo processo de escrita. São exemplos disso comunidades ribeirinhas, indígenas, agricultoras, entre outras.

Já a História Oral não pode ser confundida com História de Vida. Esta última é um relato autobiográfico onde a escrita está ausente, e, portanto, não pode ser chamada de autobiografia. A História de Vida concentra-se na história pessoal de um indivíduo contada por ele próprio. É, portanto, um relato pessoal, que em geral percorre toda a existência desta pessoa: do nascimento até o momento presente.
Em alguns casos, e como parte de Projetos de Memória, opta-se por este tipo de relato e a história da pessoa percorre todos os momentos de sua vida e o momento em que encontrou-se com a instituição à qual o projeto faz parte. É interessante esta opção, já que apesar do projeto ser sobre uma determinada instituição, a importância de uma história de vida pode ser ainda maior. Um exemplo disso é a figura de um fundador. Este personagem tem grande importância para a existência da Instituição, mas sua trajetória anterior e de vida podem ter um significado ainda maior.

De outra sorte, há a chamada História Oral Temática, que em geral, é feita com um grupo de indivíduos em torno de um determinado evento ou movimento vivido por todos. São perspectivas individuais de sujeitos inseridos em um mesmo contexto.
A utilização desta forma de coleta de depoimento pode possuir aspectos positivos e negativos. O aspecto positivo é o de que uns poderão disparar gatilhos de lembranças e detalhes poderão ser muito melhor esmiuçados à luz de muitos olhares. Mas também poderá ocorrer o seu contrário: eventualmente alguém com maior poder de fala ou influencia poderá silenciar outras vozes e memórias. São comuns depoimentos desse tipo no caso de movimentos populares, sindicais, religiosos ou culturais, entre outros. Neste caso, a importância maior está no tema, e não nas individualidades. O interesse é o maior número de informações possíveis sobre o tema a partir das multiplicidades de olhares.

Definitivamente caberá ao pesquisador uma capacidade intuitiva e metodológica bastante grande para não se perder em uma ou outra possibilidade, e conseguir se valer da melhor forma possível. Com o agravante que aquele momento é único, e provavelmente não se repetirá.

Diante disso, você poderá estar se perguntando:

Mas afinal, podemos afirmar que História Oral é uma metodologia de trabalho?

Bem, ela poderá ser considerada um método de investigação, fonte de pesquisa ou técnica para produção e tratamento de depoimento, entretanto, sua classificação dependerá da orientação dada ao trabalho.

Vejamos um exemplo:

Quando a história oral é utilizada como forma de conhecer um período, conjuntura ou instituição, ela será entendida como uma metodologia de trabalho mas, a partir do momento que essas informações sejam utilizadas, tais relatos constituirão a bibliografia de uma pesquisa posterior.
Ou seja, de acordo com o encaminhamento da pesquisa e seus usos. E poderá ser ao mesmo tempo mais do que uma coisa. O fundamental é que o pesquisador tenha muito claro o que quer e assim conduzir cada forma com o rigor metodológico que precisará ter. Para cada uma das situações a condução das ações e os procedimentos deverão ser específicos.

Um ponto muito importante de ser destacado é que a produção de um depoimento é um trabalho conjunto entre depoente e entrevistador/pesquisador onde juntos produzem um documento. Após a geração deste documento, que deve obedecer a um método e sequência de trabalho próprio da história oral, é necessário estabelecer critérios técnicos para a sua guarda, sigilo e acesso. Ressalto que o produto deste depoimento é um documento histórico, e portanto, de valor permanente. Nunca poderá ser eliminado. Além de ser um importante repertório de matéria bruta para usos infindáveis de subprodutos.

Considerar o depoimento como documento toma em conta minha definição, de que “qualquer informação registrada em um suporte se constitui documento”, de acordo com a imagem a seguir:

documento_info_suporte

Há diferença entre um depoimento e uma entrevista?

Em linhas bem genéricas podemos afirmar que sim!

Em geral, a entrevista é utilizada pelas áreas de Comunicação e obedece a  uma pauta previamente estabelecida, com objetivos claros e definidos a priori.

Numa entrevista nunca se busca ir muito além da pauta, especialmente, por questões de tempo e disponibilização aos meios de comunicação que a produziram e, normalmente, atendem sempre a urgência de um fato. É habitual que as perguntas saiam prontas da reunião de pauta, e em poucos casos são feitas de improviso. E normalmente quando isso ocorre costumam atender um insight de momento, que muitas vezes pode interromper uma linha de raciocínio ou mesmo uma direção de pensamento. Em caso de pessoas menos inexperientes isso pode significar um corte fundamental na construção do ritmo das ideias do entrevistado, gerando perdas aos eventuais interessados e ao registro como um todo. Ao observarmos boa parte dos casos de entrevistas deste tipo, notamos o quanto o silêncio é importante e como o entrevistador perde chances de exercê-lo.

Com o depoimento precisa e deve ser diferente. Em geral, faz-se um roteiro inicial para entrevista, mas este pode ser alterado de acordo com a interação entre depoente e entrevistador. O roteiro neste caso passa longe de ser uma lista semelhante a um interrogatório. É apenas um norteador que deve ser usado como bússola. O depoimento respeita a sequência memorialística do depoente, valorizando seus silêncios e não ditos.  Nesse tipo de depoimento, o depoente nunca deve ser interrompido. O entrevistador é antes de tudo um ouvinte!

Daí que NUNCA um entrevistador deve ser ou estar ansioso. Sua ansiedade pode tolher o curso das águas caudalosas da memória. E isso para um registro que pretende ser histórico é imperdoável.
Por isso, aquele que colhe o depoimento não é um entrevistador, é um ouvinte! Aqui está a grande e significativa diferença.

Insisto que o responsável pela coleta do depoimento deve ser alguém sensível, empático e tranquilo. Será como um porto seguro para que as memórias do depoente possam atracar. Oferecerá segurança ao que lhe está oferecendo seus tesouros no formato de memórias tecidas pelo tempo: seu bem mais precioso.
É com este olhar e com esta atitude que o ouvinte deve se colocar.

Foi no tempo que as memórias foram tecidas, e é com tempo e sem pressa que elas devem ser ouvidas…

outono-tempo

Seguindo sobre a história oral seria importante você saber que:

Sua introdução no Brasil deu-se a partir dos anos 1970 e encontrou força nos anos 1990. Deste crescimento surgiu a criação em 1994 da Associação Brasileira de História Oral, e em 1996 foi criada a Associação Internacional de História Oral.

Desde os seus primórdios a história oral firmou-se como um instrumento de construção da identidade de grupos em processo de transformação social.

A história oral é caracterizada por uma série de procedimentos no pré, no curso e pós-depoimento. Isso porque a definição de quem, porquê e como deve obedecer a critérios pré-estabelecidos de relevância e sentido ao que se quer pesquisar ou preservar.

Em geral, a opção pela história oral dentro de uma instituição ocorre com alguns objetivos pré-definidos. Dentre os quais citamos:

  1. Registrar os relatos das personalidades que, direta ou indiretamente, partilharam determinado período, tema, ou instituição;
  2. Recuperar dados e informações sobre fatos e episódios importantes para a história institucional;
  3. Constituir um acervo que sirva às consultas, para posterior pesquisa e produção de conhecimento.
  4. É preciso que se tenha em mente que o equacionamento entre história x memória nestes casos, resulta em uma nova “construção do passado, mas pautada em emoções e vivências”, já que os eventos da memória são retomados a partir de experiências passadas com o filtro da atualidade.

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Sugiro que aprofunde seus conhecimentos sobre o tema. Você pode obter informações sobre todos os passos necessários à coleta do depoimento, suas diferenças e procedimentos, consultando o Manual do CPDOC no link abaixo, tal leitura será útil para a nossa Unidade que trata sobre metodologias adequadas:

Alberti, Verena. Manual de História Oral.

Abra-o e leia-o na íntegra aqui:

Na sua leitura tenha atenção sobre os aspectos relacionados à metodologia de produção do depoimento e de que forma esta se adequaria às realidades de sua instituição ou às suas concepções de projeto. Fazendo desta forma, sua leitura passa a ter uma direção metodológica e não apenas informativa.

As experiências do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC / FGV  continuam a fornecer importantes relatos sobre a experiência de colher e tratar depoimentos. Por isso, sugiro que leia o artigo “Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC”, de Alberti (2005), disponível aqui:

No caso dessas leituras, é importante ressaltar que para além das discussões entre História, Memória e Psicologia, todo um universo que considera os aspectos técnicos e tecnológicos deve ser tomado em conta. Muitas vezes o fascínio pela possibilidade de colher depoimentos tira a nitidez do que todo o processo significa.

As tecnologias hoje disponíveis facilitam em muito a coleta de depoimentos, por outro lado colocam inúmeros desafios em relação à sua perenidade que o artigo trata de forma meticulosa e acertada. Considere tais aspectos ao pensar sobre a elaboração de um Projeto de Memória Institucional quando for o caso.

Sugiro atenção em relação aos campos definidos para compôr a identificação do depoimento. Defina com antecedência quais serão estes campos, como deverão ser preenchidos e de que forma sua acessibilidade estará garantida em especial considerando aspectos relacionados à obsolescência tecnológica. A leitura atenta do artigo de Alberti auxiliará na estruturação destas necessidades.

Não há uma única forma de estruturar depoimentos de história oral. Mas alguns cuidados podem e devem ser tomados na fase de elaboração e execução do projeto. Transcrevo alguns destes cuidados, apresentados no artigo “História Oral e Memória: a construção de um perfil de Historiador-Etnográfico”, de Éder Silveira e que você, se desejar, pode ler na íntegra aqui:

(…) A entrevista se configura como principal instrumento (ou técnica) do método de História Oral. Para realizá-la, não há uma única receita ou diretriz. Contudo, cita-se algumas observações convergentes nas obras de THOMPSON (2002), ALBERTI (2004; 2005) e ZAGO (2003) que orientam o pesquisador na produção de entrevistas no método da História Oral:

  1. Ter consciência de que não existe neutralidade do pesquisador desde a escolha pelo tipo de entrevista a qualquer outro instrumento de coleta de dados ou fontes.
  2. Respeitar os princípios éticos e de objetividade na pesquisa, lembrando que nenhum método dá conta de captar o problema em todas as suas dimensões. Todas as conclusões são provisórias, pois podem ser aprofundadas e revistas por pesquisas posteriores.
  3. O pesquisador não deve se apropriar da entrevista somente como uma técnica de coleta de dados, mas como parte integrante da construção do objeto de estudo.
  4. A entrevista compreensiva não tem uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação. Dar preferência a perguntas mais abertas e um roteiro flexível.
  5. Reservar um tempo relativamente longo para a realização da entrevista.
  6. Durante a entrevista é válido ter um diário de campo onde se possa fazer anotações das reações, posturas e impressões do entrevistado, dificuldades nas informações obtidas, o que provocaram suas lembranças, novidades nas informações ou conteúdo, informações obtidas em off, etc.
  7. Uso de elementos que evoquem a memória do entrevistado como fotografias, recortes de periódicos e menção a fatos específicos podem facilitar o desenvolvimento do trabalho.
  8. Construir fichas que organizem e orientem as futuras fontes orais. Deve-se privilegiar dados como o nome do entrevistado, número da entrevista que vai representar dentro do universo da pesquisa, idade do entrevistado, endereço, local onde foi gravada a entrevista, nome do entrevistador, idade, profissão, religião, datas das entrevistas realizadas com o informante, em que fitas (previamente numeradas) estarão gravadas as entrevistas, em que páginas da transcrição se encontrarão referências a determinados temas e se há alguma restrição ao acesso das informações.
  9. No início da entrevista, gravar informações como: nome do entrevistado, do(s) entrevistador (es), data, local e finalidade do trabalho.
  10. Providenciar um Termo de Consentimento Informado, onde fique bem claro ao entrevistado:
    1. as finalidades da pesquisa;
    2. nome do informante e número de documento pessoal, como RG;
    3. se a divulgação da entrevista oferece riscos ou prejuízos à pessoa informante;
    4. a permissão ou não permissão da divulgação do nome do informante (caso não seja permitido, orienta-se que se produza uma declaração para este fim no verso deste termo, sendo assinado por ambas as partes (pesquisador e entrevistado), podendo o informante optar por um pseudônimo;
    5. cedência dos direitos da participação do entrevistado e seus depoimentos para a pesquisa em questão;
    6. abdicação dos direitos autorais do entrevistado e de seus descendentes;
    7. data e assinatura do termo pelo participante e pesquisador – torna-se importante nesse item, anexar ao termo que será assinado por ambas as partes, a transcrição da entrevista. (…)  Silveira (2007)

Realizado o depoimento, vem o momento de indexá-lo de modo a facilitar sua posterior pesquisa. De novo, o exemplo do CPDOC merece ser considerado. Como forma de pensar em formas de indexação para o caso da história oral proponho a leitura do artigo “Princípios de indexação de entrevistas de história oral” de Brando,que você lê aqui:

Mas, todo este trabalho não faria qualquer sentido se a divulgação não alcançar seus objetivos: registrar as informações de maneira a atender às demandas de produção de conhecimento e/ou inovação em diferentes áreas de conhecimento.

Para esta tarefa, o mundo contemporâneo tem oferecido inúmeras ferramentas e possibilidades. Se usadas de forma coerente e consciente trarão inúmeros benefícios.

Muitos subprodutos um Projeto de Memória Institucional pode oferecer: de exposições permanentes à itinerantes, livros comemorativos, sites, portais, workshops, seminários, boletins, calendários, entre outros. Em todo caso, o cuidado e o zelo na elaboração do projeto devem estar refletidos e mostrar a importância e o respeito às memórias ali reunidas.

Os produtos devem refletir o valor reunido de experiências e da identidade institucional.

Simples assim…
*
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*Esta é uma versão revista e atualizada de um post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta
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Qual o valor de um Centro de Documentação e/ou Memória

Por: Eliana Rezende

Uma pergunta constante é a de qual valor pode haver em um Centro de Documentação e/ou Memória dentro de uma instituição já que estamos tão rodeados por informações que nos chegam de todos os lados.
Sua implantação não representaria um gasto e demanda desnecessários?
Afinal, qual seu valor e importância?

Importância e objetivos:
Implantar e manter um Centro de Documentação e/ou Memória pode ser um grande desafio institucional, mas ao mesmo tempo é item fundamental dentro de um Projeto de Memória Institucional, que tenha como preocupação o fortalecimento da Identidade e Cultura Organizacional.

As dúvidas são recorrentes e muitas, em especial sobre quais seriam suas funções e de que forma podem ser item de produção de Conhecimento e Inovação. Como estruturá-lo e mantê-lo passam a ser preocupações recorrentes. Daí a necessidade de um trabalho interdisciplinar e linkado ao DNA da instituição.

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Alcance:
Os Centros de Documentação (CEDOC) extrapolam o universo documental das Bibliotecas, embora possam conter material bibliográfico (que será sempre e unicamente aquele relacionado à temática na qual o Centro é especializado), e aproximam-se do perfil dos arquivos, na medida em que recolhem originais ou reproduções de conjuntos arquivísticos. É por isso uma instituição híbrida com desafios de amplos alcances e com a lida de diferentes suportes.

Um Centro de Documentação e Referência diferencia-se de um arquivo na medida em que este se torna um repositório de informação para profissionais de diferentes áreas que se ocupem de um determinado ramo do conhecimento. Tem um potencial de transformar-se em Centro de Referência, no sentido de ser o local para onde convergem todo tipo de arquivo, em conjuntos documentais de diferentes suportes, sempre voltados para o mesmo tema, e que facilita, em última instância, a pesquisa dos usuários. Assim, encontramos audiovisuais, fotografias, livros, jornais, revistas, microfilmes, mapas, plantas, gravuras, negativos flexíveis, negativos em celulose e vidro, e outros..

Numa hierarquia, diríamos que o Centro de Documentação (CEDOC) possui maior alcance que uma Biblioteca e que um Arquivo. Isto porque possuem conjuntos bibliográficos, arquivísticos e até museológicos e arqueológicos, em alguns casos.

É natural em sua formação possuir documentos museológicos, hemerográficos, iconográficos, textuais, audiovisuais, entre outros. E, devido a esta característica, necessariamente precisará “beber” das metodologias oriundas das diferentes áreas como a a arquivística, a história, a museologia, e biblioteconomia entre outras.

Nem sempre o Centro de Documentação (CEDOC) tem como objetivo a preservação da memória ou a pesquisa histórica. Muitos estão vinculados à pesquisa em outras áreas ou à produção e prestação de serviços a usuários internos e externos. Neste caso, pode se configurar um Centro de Referência (CR) para as área em que atuam.

Importante destacar que a principal missão de um Centro de Documentação (CEDOC) é o apoio à pesquisa: seja ela institucional ou acadêmica. Seu papel não é o de substituir a gestão arquivística de acervos permanentes, que possuem fins administrativos e/ou probatórios e que, no caso da documentação pública, cumpre legislação vigente. Utilizá-lo desta forma seria um desvirtuamento de seus objetivos e funções.

Os primeiros passos de uma implantação
A natureza e vocação de um Centro de Documentação (CEDOC) sendo a pesquisa e referência, implica a definição de sua abrangência e recorte temático, espacial e cronológico.

Isto se dá pela abrangência documental permitida na sua configuração. Colocar tais recortes favorecerá a qualidade das referência geradas. Quanto mais abrangente, provavelmente, mais superficiais serão suas informações.
Em geral, o primeiro passo a ser dado é a definição do que chamamos “Linha de Acervo”, que é exatamente o universo do seu recorte e sua área de atuação. Por exemplo: estudos sobre a cidade, educação, saúde, sustentabilidade, indústria têxtil, etc. Em que período? Começo do século XIX. meados do século XX, 2ª metade do século XX, e assim por diante….

Estas definições darão ao Centro de Documentação (CEDOC) aporte e consistência diante de outros fornecedores de dados e informações. Legitimarão seu universo de atuação, bem como as políticas de ampliação do acervo.

Apesar disso, tais Linhas de Acervo não são rígidas a ponto de não sofrerem processos de flexibilização. Vez por outra, poderão mover-se em uma ou outra direção sofrendo adequações, acréscimos ou mesmo reconfigurações a partir de demandas de usuários e público alvo.

Definidas as Linhas de concentração, é hora de definir o âmbito das ações que o Centro de Documentação (CEDOC) desenvolverá. É neste ponto que se definem estratégias de cursos, oficinas, workshops, seminários, congressos, conferências, publicações diversas, exposições (fixas, itinerantes, virtuais), fac-símiles de documentos, assessorias e/ou consultorias técnicas a outras instituições.
Atentar para tais ações reforça a vocação para a pesquisa e produção de conhecimento que se espera de um Centro de Documentação (CEDOC).

Torna-se evidente que, pela abrangência de suportes e documentos, de ações a serem desenvolvidas e universo de atuação, o perfil profissional exigido dos que atuarão neste Centro de Documentação (CEDOC) deverá ser múltiplo e interdisciplinar. No entanto, está longe de representar o universo de um único tipo de profissional. Quanto mais flexível e interdisciplinar maiores as chances de obtenção de bons resultados à frente de uma instituição como esta.

Alguns cuidados
Um Centro de Documentação (CEDOC) não pode converter-se em uma colcha de retalhos ou um gabinete de curiosidades! Facilmente, e até por desconhecimento na maior parte das vezes, começam a ser reunidos em seu interior quinquilharias que pouco ou nada tem que ver com o que se determinou como Linha de Acervo.

A constituição do acervo, e dos objetos que o integram, deve obedecer critérios técnicos estabelecidos quando da definição do âmbito e alcance do Centro de Documentação (CEDOC). Sua ampliação é paulatina e sempre se guiará por tais critérios. Isso evitará dispersão e gastos desnecessários envolvendo espaço físico, tempo de tratamento técnico e recursos humanos e tecnológicos.

É importante destacar que um Centro de Documentação (CEDOC) não precisa reunir TUDO sobre sua área de atuação. Não é um órgão acumulador, mas deve ser antes de tudo um referenciador: fornecendo a maior quantidade possível de informações sobre sua área de cobertura.

Ser referenciador também não deve significar ser um duplicador! É importante que um Centro de Documentação (CEDOC) não seja um duplicador de informações, reproduzindo tudo o que já existe em outros acervos. Valendo-se de tecnologias digitais pode fornecer as informações que se encontram em outras instituições ou Base de Dados, sem reproduzir desnecessariamente acervos ou documentos.

E aqui entra uma palavra de cautela: a digitalização utilizada para fins de ampliação de acervo deve ser tomada com cuidado. Mais do que isso, deve ser uma ferramenta utilizada com parcimônia e eventualmente, como política de preservação documental, favorecendo o acesso sem permitir manipulações indevidas de originais raros, por exemplo.

Apesar de oferecerem muitas potencialidades e possibilidades, as ferramentas tecnológicas disponíveis hoje em dia podem não trazer todos os benefícios possíveis por ausência de uma boa estruturação e metodologia de trabalho. Por isso, todo o cuidado em seu planejamento é fundamental.

Centros de Documentação em tempos web
Algumas instituições possuem dúvidas sobre como criar este espaço físico, mas também um espaço virtual onde possa ser visitado e consultado por aqueles que estão distantes. Precisamos ter alternativas para isso.

Em um mundo tão digitalizado vem sendo questionado a existência ou não de um acervo físico e meios pelos quais um Centro de Documentação possa ser virtual e estender suas fronteiras para além de um espaço estritamente físico, eles extrapolam muros institucionais e geram visibilidade, valorizando a cultura institucional.

As tecnologias da informação podem apoiar projetos de implantação de Centros de Documentação (CEDOC) ao mesmo tempo que as funcionalidades da WEB 2.0 contribuem para a disseminação, compartilhamento e colaboração tanto de matérias-primas como de produtos. Em todos os casos, muitas decisões precisam ser tomadas.

As tecnologias hoje disponíveis propiciam diferentes meios de divulgação com um alcance nunca antes imaginado. E, quando bem estruturados, possuem um custo benefício interessantíssimo.

A fluidez dos meios digitais faz com que as pessoas em geral olhem para as tecnologias como sendo a panaceia para todos os problemas de divulgação que uma Instituição possa ter.
No entanto, as coisas não são bem assim.

É um equívoco achar que um espaço virtual demandará menos trabalho, ou apenas facilidades. Todo o trabalho bruto de referenciamento e tratamento técnico será mantido, alterando-se apenas as formas de veiculação e acesso. Em alguns casos podemos afirmar que um espaço virtual poderá ter ainda mais acessos e buscas e demandará até a necessidade de possuir um atendimento que sirva às necessidades de estrangeiros. A web é uma uma porta aberta ao mundo e não à uma rua local. Por isso é preciso tomar em conta isso.

Além disso, há decisões que envolvem a disponibilidade e acesso de acervos. Dentre as muitas questões cito algumas cruciais:
Se houver um banco de dados como se dará o acesso? E no caso de imagens originais? Como cuidar de aspectos relacionados à autoria e créditos?
Em caso de exposições virtuais como serão? Qual a periodicidade para sua atualização?
E as formas de contato e atendimento aos usuários/pesquisadores?
Em relação aos cursos, oficinas, workshops, exposições, conferências, publicações: como serão sua veiculação? Estarão abertos em canais online?

Todas são questões que precisam ser pensadas ainda na fase de planejamento e periodicamente deverão ser repensadas de acordo com erros e acertos, que sempre ocorrem.

O que é definitivo, e que podemos afirmar com certeza, é que a partir desta nova concepção de uso da Web o mundo das bibliotecas e locais que detém informação organizada e estruturada passou a se movimentar na direção do usuário. Esteja ele onde estiver!

Se de um lado este sentido de colaboração inovou e começou um processo irreversível de interação, de outro colocou o desafio da segurança de que estes conteúdos estarão acessíveis e disponíveis no tempo, cuidando integralmente e com o respeito devido ao sigilo, preservação e acesso.

O Centros de Documentação (CEDOC) lidam com documentos que em sua maior parte são permanentes e, portanto, com necessidades de perenidade, longevidade, segurança e autenticidade a serem garantidas.
As coisas ficam ainda mais complicadas quando falamos não apenas de textos, mas imagens, audiovisuais e outras possibilidades de links e hipertextos.
A funcionalidade de muitos recursos só é possível em determinada configuração.
Se não forem estruturados de forma que contemplem a obsolescência poderemos ter um rico material que estará fadado à impossibilidade de utilização futura para diferentes fins.

Quando pensamos em períodos para a obsolescência falamos em períodos que em geral não excedem os 5 anos.
E isso, para documentos permanentes, não significa rigorosamente nada!
O termo “longa permanência” pode ser definido por períodos não inferiores a 100 anos.

Por isso, é fundamental um bom planejamento e estratégia de escolha consciente envolvendo o quê preservar, para quê e para quem e com quais objetivos.

O que tomar em consideração para Centros de Documentação (CEDOC) em ambientes digitais?

Em primeiro lugar deve-se definir qual tecnologia a ser utilizada. E nesta escolha o mais importante é definir um sistema robusto e que tenha sido amplamente usado.
Evite as últimas “novidades” no mercado. Tenha certeza da solidez e robustez destas tecnologias, sua manutenção e custos.
Pense que o mais caro em tecnologia não é sua aquisição inicial, mas a sua manutenção no decurso do tempo. Em especial se os documentos forem de caráter permanente.

Atente para os dados reunidos e a forma escolhida para sua disponibilização e divulgação.
1. Se não houver uma preocupação efetiva, com o tempo o que você terá em poucos anos é uma base de dados inútil e sem possibilidades de uso e produção de conteúdos, conhecimento ou inovação.
A tônica principal em verdade não é o acesso e sim a autenticidade dos documentos digitais no decurso do tempo. Acesso acaba sendo o fator mais simples em uma cadeia extremamente longa e importante, e seu ápice é sem dúvida fornecer garantias de que estes documentos são autênticos e que não sofreram alterações e adulterações. O investimento, sem dúvida, é na segurança da informação. Sem ela, poderemos apenas acumular o que será apenas lixo digital.

2. Elaboração de uma política clara de preservação e conservação de documentos em suportes físicos e digitais, com previsão de prazos de guarda e com quais utilizações nas diferentes ferramentas tecnológicas disponíveis pela Instituição;

3. É necessário, portanto, uma visão mais curatorial de todo o processo.
Tendo claro todos os limites que um projeto se defronta e já iniciá-lo tendo ações bem delineadas, flexíveis e adequadas às nossas reais circunstâncias de recursos humanos, financeiros e tecnológicos.

Dos fins
De tudo o que se disse, o fundamental é ter em conta que todo este trabalho de base, inter e multidisciplinar visa antes de tudo a reunião de informações para a produção de conhecimento. Só aí que o Centro de Documentação (CEDOC) cumprirá sua verdadeira vocação.

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Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para o desenvolvimento e a aplicação da Gestão Documental e Memória Institucional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação.

Além de podermos orientar boas práticas em relação ao uso de ferramentas tecnológicas com vistas a preservação e conservação física e digital dos documentos.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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Fotografia como Documento e Narrativas Possíveis

Por: Eliana Rezende*

Pare, pense e responda:
Você vai fazer uma longa viagem, somente poderá levar uma mala de mão com alguns pertences. O quê você levaria, quais objetos seriam sua escolha? O que seria fundamental?

Em 1995, a Secretaria de Saúde do Estado de New York, desativou o Sanatório Mental de Willard, em Syracuse. um edifício de arquitetura vitoriana que abriu suas portas em 1893. Antes de concluir o fechamento, o funcionário Bev Courtwright, foi incumbido de fazer uma vistoria para determinar o que poderia ser recuperado (antiguidades, mobília, etc.). Ao executá-la, o funcionário abriu a porta de um dos sótãos, e descobriu um tesouro: uma coleção de mais de 400 malas (429, mais precisamente) com pertences de antigos pacientes da instituição, datando de 1910 até fins dos anos 1960.

Craig Williams adquiriu as malas para o Museu do Estado de New York e as incorporou à Coleção Permanente da instituição. No ano de 2003 ela originou uma exposição que o fotógrafo Jon Crispin pode ver e interessou-se em documentar através de registros fotográficos tais pertences. Contar um pouco desses pacientes que, a partir de um dado momento de suas vidas foram internados e viveram ali até suas mortes. Poderiam ser trilhas para as histórias prováveis desses pacientes a partir daquilo que carregaram consigo no momento de sua internação.

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A escolha deste argumento para meu post não foi aleatória. O caso aqui utilizado como mote para o post é exatamente o quê alguém que estava sendo confinado em um manicômio levaria consigo… ou quem sabe o fariam levar para uma viagem que provavelmente não teria volta.

Belíssimo sob esse aspecto, pois aponta uma certa quantidade de valores tangíveis e intangíveis e que só fazem sentido ao seu possuidor. De qualquer forma, podemos inferir possibilidades, intenções, trechos de uma história nem dita nem escrita, apenas disposta em retalhos como num caleidoscópio.

De outra parte, e não menos sedutor para mim que sou historiadora e também arquivista, é o sentido que tal documentação de cultura material pode ajudar a tecer trilhas de existências que se foram. Achei de uma criatividade sensível incrível a proposta do artista e a forma delicada com que lançou luz aos objetos para que, combinados entre si, fossem crônica do pensado e vivido por um paciente recluso devido aos fantasmas mentais que os habitavam.

São imagens fortes, apesar do ensaio ter um quê muito sensível.
Olhar por essas frestas das histórias por trás dessas malas e de seus pertences, saber sobre seus pacientes, seus nomes e histórias pregressas é mesmo uma experiência muito forte e cheia de significados.

Quando pensamos no caso de pacientes de manicômios desse período podemos de fato encontrar historias de pessoas que foram deixadas ali por abandono ou ganância. Era comum pessoas sãs serem entregues a essas instituições por seus familiares, como forma de mantê-las reclusas.
Mas há também aqueles que, de fato, tinham do seu passado apenas sua mala. Suas memórias (bem mais precioso que podemos ter) já haviam sido perdidas.

Além disso, a fotografia, para mim, também tem um sentido muito especial.

Sou historiadora, conservadora e restauradora de fotografias dos séculos XIX e XX.
E como historiadora, lido muito com as memórias das pessoas e sei o quanto objetos pessoais são elementos de ligação com uma trajetória, um passado, uma vida. Despertam sentimentos e emoções que muitas vezes não cabem entre duas linhas. São carregadas de sentimentos e portam como poucas coisas aquilo que é precioso para cada um.

E é nesse sentido que o ensaio fotográfico é tão forte.
Somos alçados a estas vidas através de seus pertences pessoais. As malas são por assim dizer metáforas de vidas vividas que se foram, sobram como repositório de vestígios, pistas de um passado diverso.
É como se nós próprios estivéssemos embarcando em uma longa viagem.

Lógico está que esta viagem dependerá de onde partimos, com qual olhar, e com quais inquietações. Por isso a diferença do olhar do historiador, do escritor de ficção, ou mesmo de um psicólogo verá de maneira diferente do que um jornalista olhando para os mesmos objetos.
O fundamental é termos a dimensão exata do que este ensaio revela: a humanidade vivida e experienciada deixada nesses pequenos vestígios.

Através do singelo olhar do fotógrafo, foi-nos possível conhecer o conjunto de objetos, e descobrir neles indícios e links da vida vivida e sentida desses pacientes. Seu ensaio fotográfico tornou-se, pelo seu conjunto, uma narrativa.

Convido-os a vir comigo e ver o resultado desse ensaio. Preparei uma apresentação para que tenham a oportunidade de perscrutar algumas dessas muitas vidas e seus fragmentos:

[slideshare id=33919125&doc=willardasylumsuitcases1-140424183413-phpapp02]

Conheça mais o projeto e seu idealizador clicando aqui:

Na área de História chamamos de Cultura Material o trabalho de ver nesses objetos pequenas notas de existências e pequenos trechos de possíveis longas histórias.
Da reunião desses objetos tem-se uma micro-história.
Os objetos assim, possuem uma biografia, uma trajetória que o insere em um determinado contexto.

São como pontos que tecem um fio… cada fio conta uma história.

Como destaco em um artigo que escrevi sobre a fotografia e cultura material, que você pode ler na íntegra aqui, de onde o trecho abaixo foi tirado:

“Seria bom frisar que, no caso do documento fotográfico, temos sempre um objeto único e, portanto, com características muito peculiares. No entanto, se tecermos a rede das tramas que nos trouxeram a estes objetos, sozinhos ou em coleções, chegaremos a horizontes mas amplos.” (Rezende, 2007)

Lidar com tais documentos tridimensionais requereu por parte do fotógrafo um cuidado extremo, e mais do que tudo: apoio interdisciplinar de profissionais de várias áreas. Acompanhe um vídeo produzido para mostrar como foi o trabalho de produção do ensaio fotográfico:

[vimeo 29772611 w=640 h=360]

Todo esse trabalho feito pelo museu de identificar cada um dos pacientes e suas respectivas malas podem ser conhecidos, eis o link.
Gostaria que percebessem porque a História é algo tão fascinante para mim.
Na realidade, tais fragmentos abrem janelas de possibilidades que fornecem pontes de acesso, elos que ligam a um outro tempo. Sem estes toda a leitura do conjunto ficaria dificultada.

Ao fotografar tais objetos, o fotógrafo nos direciona o olhar. Fragmenta e enfoca o tema para fixarmos nossa atenção. Depois desse momento, todas as leituras são possíveis a partir do repertório, interesses e indagações de cada um.
Um historiador olhará de forma diferente que um autor ficcional, por exemplo. Cada um lançará viés próprio.

As imagens nos remetem a uma certa intimidade de um tempo e de determinadas histórias que estavam perdendo suas referências, identidades e memórias. Confinadas num espaço de reclusão podem ser alcançadas pelos rastros e vestígios que deixaram e que traziam de uma vida pregressa, que teve que ficar do lado de fora dos muros de sua reclusão.
Muitos deles deixaram suas vidas ali mesmo na instituição.
Nunca mais retornaram às suas origens.

Por serem registros tomados com sensibilidade nos trazem uma beleza quase roubada de uma existência que se foi. Uma história que passou.

O projeto do fotógrafo de fato nos permite caminhar por esse horizonte de análise de documentos e o qual convencionamos chamar de Cultura Material. Lógico que aqui não é uma aula, mas é um meio de conhecerem um pouco outras formas e fontes documentais que servem à pesquisa e à organização documental.

Percebam como ‘documento’ é uma categoria muito mais ampla do que simplesmente a que o senso comum costuma imaginar?

E, ao término, uso este post para indicar-lhes como se faz um trabalho de curadoria. Não apenas no que tange ao trabalho do fotógrafo e curadores da exposição no museu, mas para o meu próprio caso.
Notem que aqui vocês tem exemplificado como se realiza a curadoria de conteúdos. Tão em voga enquanto produto, mas muito longe de ser feito corretamente.
Espero ter podido mostrar como a curadoria de conteúdos acontece de acordo com a metodologia que indiquei em outro post, intitulado “Curadoria de Conteúdos: O que é? Quem faz? Como faz?”

Além disso, contribuiu para toda a construção do conteúdo e mesmo do ensaio fotográfico algo fundamental a qualquer profissional: saber usar a empatia. Sem ela provavelmente você não teria terminado a leitura deste post.

Encerrando, gostaria de saber:
“Conseguiu decidir o que tua mala conteria?
Que pistas deixaria para investigações e elucubrações futuras?
O que teus vestígios revelariam?
Qual seria a narrativa que tua mala possibilitaria?”

E de tudo o que viu? Qual a sua narrativa?

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*
Este post é uma versão revisada e atualizada da versão publicada originalmente no Blog Pensados a Tinta sob o título: “Como se constrói uma Narrativa Fotográfica?

___________________
Referências:

Ginzburg, Carlo. “Mitos, Emblemas e Sinais – Morfologia e História“. São Paulo, Companhia das Letras, 1986.
Meneses, Ulpiano T. Bezerra de. “Memória e Cultura Material: Documentos Pessoais no Espaço Público”.
Meneses, Ulpiano T. Bezerra de. “A cultura material no estudo das sociedades antigas“.
Rede, Marcelo. “Estudos de cultura material: uma vertente francesa“.
Rezende, Eliana Almeida de Souza. “Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade“.
Rezende, Eliana Almeida de Souza. “Um Ensaio de Ego-História

Créditos:
Todas as imagens aqui apresentadas são de direitos autorais do fotógrafo Jon Crispin

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O desafio das Soluções na Era da Informação

Por: Eliana Rezende

É usual abrirmos sites e portais e vermos que as ofertas mais comuns são de soluções. Palavra que de tão utilizada parece esvaziar-se de seu sentido real.
A primeira pergunta que nos deve ocorrer é: mas afinal, o que significa oferecer uma Solução? No que ela se diferencia de uma Ferramenta? E como elas se relacionam com Tecnologia e Gestão de Informação?

A grande questão em geral, quer para clientes e muitas vezes para vários profissionais, é não saber ou perceber o que diferencia Solução de Ferramenta. Fala-se de ambas como se fossem sinônimas ou equivalentes uma da outra. Por isso, creio que o melhor a fazer é esclarecer cada uma delas e de que forma elas aparecem no contexto do trabalho que desenvolvo na área de Gestão da Informação.

Se nos reportarmos ao dicionário Ferramenta significa:

“(…) Qualquer instrumento que se use para a realização de um trabalho (…)”

Ao mesmo tempo, Solução é definida como:

“(…) Do latim solutĭo, tem duas grandes acepções. Por um lado, trata-se da ação e do efeito de resolver uma dificuldade ou uma dúvida. Por outro, a ação e o efeito de dissolver.
No primeiro caso, a solução supõe a satisfação de uma preocupação ou a razão com que se desbloqueia um problema.
Solucionar algo consiste, portanto, em resolver o mesmo ou dá-lo por concluído.
A Solução seria então, aquilo que termina ou encerra um assunto ou uma situação = conclusão, desfecho, desenlace, termo (…)”

Se no dicionário encontramos esta diferença tão bem marcada, como ela fica quando tais Soluções são pensadas por profissionais da Informação?

Sumariamente, diria que a Ferramenta é sempre pensada para ser simples, barata e de aplicação pontual e restrita. Depende só de você fazê-la funcionar.
Serve a uma determinada função e praticamente se encerra em si mesma. Por sua simplicidade e facilidade de aplicação tende a ser barata e tem resultados rápidos e bem mais limitados. Não adianta dourar a pílula: ferramenta tem valor restrito exatamente por possuir alcance igualmente restrito.
Isso em si não é um defeito, ou problema.
A ferramenta nasce da demanda pontual e busca atender esta, no menor tempo possível e com os melhores resultados possíveis, dentro deste universo.

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A Solução por sua vez, possui um alcance muito maior, e tem como principal característica trazer uma nova concepção ou forma de realizar um trabalho ou processo. Sua complexidade está em ter que ser muito mais inter e transdisciplinar, movimentando áreas diversas. As Soluções acontecem no tempo e a partir de muito estudo, análise e customização entre demandas, necessidades e possibilidades. É enfim, uma nova maneira de fazer ou gerenciar fluxos de trabalho.
Em geral, a Solução depende de muitos e em alguns casos, como nos trabalhos que desenvolvo, requerem uma mudança de cultura organizacional.

Nos dois casos, tanto para Ferramentas como para Soluções, a Tecnologia poderá estar presente. Mas ela não será determinante ou exclusiva num ou noutro caso.

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Um exemplo que gosto de citar é um dos resultados do trabalho que desenvolvi de implantação de Gestão Documental junto ao Município de Curitiba em 32 Secretarias de Governo. Se acompanhar no gráfico abaixo verá que o atendimento ao usuário que levava inicialmente 40 dias para ser feito, ao final de apenas dois anos de trabalho passou a ser desenvolvido em apenas 3 minutos a partir da demanda inicial. O que significa dizer que no mesmo período de tempo inicial (40 dias), poderiam ser atendidos 19.200 cidadãos (a 3 minutos cada).

GraficoPMC_2Houve o desenvolvimento de uma ferramenta tecnológica que auxiliasse isso, mas por si só ela não traria todos os benefícios de redução de prazos e localização dos documentos. Foi necessário todo um novo conjunto de práticas e ações que foram incorporadas às rotinas dos servidores para que este resultado pudesse ser obtido em tempo tão curto. Um Buy-in e Empoderamento dos colaboradores do novo processo. A soma de todas estas variáveis constituiu a SOLUÇÃO para este caso específico.

Daí a minha afirmação de que Ferramentas e Tecnologias sozinhas nada fazem se não houver por trás um trabalho de elaboração de uma Solução! E mais: não há Soluções que sejam únicas ou definitivas! Cada cliente, e cada demanda, necessitará de estudo e soluções diversas. Portanto, deduz-se que não existem receitas prontas!
Cada caso é um caso.

Por isso, que em muitos casos Ferramentas transformam-se, paradoxalmente em fonte de problemas e dificuldades de várias ordens. Isso porque são pensadas em atacado. Como se todos os clientes tivessem o mesmo problema e portanto, a ferramenta serviria a todos.

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Diante de todo o exposto, cada vez mais foi ficando claro para mim que a ER Consultoria trabalharia para oferecer Soluções aos clientes, mas não aquelas vendidas e consumidas como mágica. Seriam Soluções que, de fato, pudessem fazer com que os clientes tivessem atendidas suas demandas em relação ao trato da informação e todas suas conexões possíveis, de acordo com uma metodologia que desenvolvi.

Tal metodologia própria de trabalho procura integrar Gestão de Informação e Memória Institucional com vistas à produção de Conhecimento e Inovação.
Uma perspectiva multidisciplinar e holística, que prima pelo trato da informação em todas as suas dimensões: produção, armazenamento, circulação, disponibilização e preservação, com vistas ao fortalecimento da Identidade Institucional.
O fim último de todo o trabalho interdisciplinar é a produção de Conhecimento e Inovação para as organizações.

AssessoriaAssim, tais Soluções estariam assentadas em um tripé fundamental: Consultoria, Assessoria Técnica e Capacitação com vistas à produção de Conhecimento e Inovação.

De que forma isso se daria?

Sinteticamente diria que este tripé é composto por Consultoria, que analisa e https://www.eliana-rezende.com.br/consultoria/propõe soluções, Assessoria Técnica que além de analisar, acompanha a implementação das soluções propostas, e a Capacitação que cria condições para governança e replicação de conhecimentos internos, pós assessorias.

CapacitacaoCada Solução é sempre desafiadora, pois é única e precisa ser pensada em um universo multidisciplinar segundo o perfil de cada cliente e suas demandas. Necessariamente precisa ser assim, já que a Informação é o recurso mais abundante e caro em todas as instituições, pois sem utilização adequada perde-se como um excedente. Estranhamente é a chamada ‘Era da Informação’ que mais tem produzido e perdido seus recursos com espetacular velocidade.
Uma sangria que as organizações simplesmente não podem dar-se ao luxo de possuir.

A área de concentração da ER Consultoria que é a Gestão de Informação e Memória Institucional é técnica e bastante especializada, muitas vezes desconhecida pelos próprios clientes que detêm acervos e necessidades. Em muitos casos, nos chegam sem ter claro o que de fato necessitam. Na maior parte das vezes buscam alternativas para apenas um problema específico final e não enxergam a complexidade por trás de sua solicitação, ou mesmo as possibilidades e potencialidades que seu projeto tem.

Casos podem ser citados a partir de meu portfólio de trabalho, que os convido a conhecer, clicando na figura abaixo:

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Observe que as modalidades de Projetos desenvolvidos foram assentados exatamente no tripé Assessoria Técnica, Consultoria e Capacitações. E mais: a maior concentração nestes cases está justamente na Assessoria Técnica – com uma forte atuação da ER Consultoria em todos os processos.

O que é certo e objetivo último de todo este trabalho é garantir que as Soluções da ER Consultoria possam capacitar/emancipar funcionários e empresas a seguir aplicando todo o conjunto de praticas e técnicas adquiridos no decurso de execução de seus projetos por meio do tripé acima descrito.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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Curadoria de Conteúdos: O que é? Quem faz? Como faz?

Por: Eliana Rezende
Versão revisada

O termo inquieta muita gente e, pela banalização de seu uso na mídia, causa a impressão de que afinal qualquer um pode realizar Curadoria de Conteúdo, ou como alguns preferem chamar Curadoria Digital ou Curadoria Informacional.

Em todos os casos, a questão circundante não muda muito e por uma questão que é muito mais pessoal do que de qualquer outra ordem, opto por chamá-la aqui de Curadoria de Conteúdos, já que a Informação é a matéria-prima com a qual se lida. E não utilizo Digital, por crer que o curador pode, e deve, atuar utilizando a produção de conteúdos para quaisquer suportes ou ambientes.

Já há algum tempo venho pensando em como falar a respeito do tema, tomando em conta especificamente a visão que tenho a partir de diferentes leituras e experiências que tenho tido.

Devido as amplas confusões em torno de seu uso em emprego, opto por um caminho contrário: talvez devêssemos estabelecer o que Curadoria de Conteúdos não é.

Observe:

  1. Curadoria não é simplesmente reunir e compartilhar conteúdos de terceiros nas redes
  2. Curadoria não se restringe à ferramentas tecnológicas
  3. Curadoria não está restrita à um único nicho de profissionais (encontraremos curadores entre profissionais da área de Comunicação Social, Biblioteconomia, Ciências da Informação, Ciências Humanas e outras diferentes áreas de Conhecimento)
  4. Curadoria não é editar e publicar conteúdos alheios para jornais, revistas ou sites
  5. Curadoria não é o que o chamado Marketing de Conteúdo diz fazer
  6. Curadoria de Conteúdos não pode ser confundido com o que vem sendo chamado de curadoria de informação (aqui um termo que vem sendo utilizado em especial por profissionais de informação, mas que possui uma outra forma de atuação, técnica e metodologia e em nada se assemelha ao que defino como curadoria de conteúdos).

Comecemos pelo princípio.
Se tomarmos a palavra pela sua origem, temos uma raiz que vem do latim “cura”, zelo por algo.

Os dicionários a dividem em pelo menos 4 significados:

  1. pessoa que cura um doente. Ex: Tratou-se com um curador.
  2. pessoa que exerce a curadoria de algo. Ex: o curador da exposição
  3. (lei) pessoa judicialmente incumbida de zelar pelos bens e interesses daqueles que não podem fazê-lo por si próprios. Ex:  Foi nomeado curador do órfão.
  4. (lei) membro do Ministério Público incumbido de defender pessoas ausentes, incapazes, instituições falidas. Ex: Foi indicado para o cargo de curador.

O termo desta forma remete sempre a um sentido de cuidar, zelar, proteger.

Assim, tomo em conta esta noção e saliento que o curador tem em mãos um patrimônio (i)material, e que após todo o seu trabalho o converterá para uma socialização.

É papel da Curadoria de Conteúdos oferecer um contexto e percursos alternativos ao usuário/leitor, de modo a valorizar as informações trabalhadas e disponibilizadas através do curador de conteúdos.
A necessidade e importância da curadoria de conteúdos tem aumentado na mesma proporção em que quantidades massivas de informações irrelevantes são produzidas dia a dia, gerando no usuário/leitor dificuldades em hierarquizar, priorizar e localizar o que de fato é de seu interesse.

Rosembaum (2011), por exemplo, denomina o ambiente desse volume de informações crescentes de “tsunami de dados” e Bieguelman (2011) de “dadosfera“.

Neal Gabler (2011) chegou a declarar que a era digital nos libertou para a “ignorância bem informada”. Isso porquê cada vez mais as pessoas vêm se transformando em grandes acumuladores de informação, mas já não são capazes de desenvolver um pensamento crítico e mais aprofundado das coisas.
Leia aqui o post que escrevi que trata sobre esse perfil de coletores e produtores de informação.

Um exemplo disso, é o que o recentemente um repórter do periódico The Guardian observou em pesquisa que fez verificou que de cada 100 pessoas online, uma cria conteúdo, dez interagem com ele (comentando ou oferecendo incrementos) e os outros 89 apenas leem, ou seja, continuam como espectadores passivos.
Ainda assim é um consumidor que pode ser influenciado. E portanto, alvo de diferentes mídias.
Graficamente estariam assim distribuídos:

Keen (2009), é outro jornalista e que se coloca como avesso à produção de conteúdos por internautas. Segundo ele, público e autor estão se tornando uma coisa só, e podemos estar transformando nossa cultura em cacofonia. Conheça aqui sua principal obra, e veja como ele se refere ao esvaziamento do papel de especialistas e a emergência dos palpiteiros da web que estão isentos de controle, fiscalização, abrindo com isso um território livre para plágio, calúnia, boataria e propaganda.

A grande diferença aqui é que todos os consumidores podem, se desejarem, ser produtores. Diferente do que ocorria com a mídia de controle que tínhamos antes do tempo de web, onde somente veículos institucionalizados poderiam produzir conteúdos.
A produção de conteúdo, no entanto, passa longe de ser curadoria.

Da mesma forma, que curadoria de conteúdos definitivamente não tem nada haver com curadoria de informação. Apesar da similaridade em relação à nomenclatura, o que temos é a utilização de um conceito polissêmico, mas que possui nos seus usos, aplicações e metodologias caminhos diversos e objetivos também diferentes.

A curadoria de informação aplica-se em ambientes onde dados e registros (que podem apresentar-se em diferentes suportes, de formas estruturadas ou não) necessitam ser organizados para ser disponibilizados como informação, e quem sabe posteriormente produzir conhecimento. Alguns também usam o termo curadoria digital para o trabalho que envolve a gestão de informação e a implantação de ambientes digitais onde esta informação será criada, armazenada e distribuída.
Em todos estes casos, são os profissionais de informação que serão os que farão este trabalho, e na maioria das vezes restringe-se ao trabalho de bibliotecários, cientistas de informação, arquivistas entre outros.

Explicito todos estes usos e aplicações para, a seguir, poder mostrar como a Curadoria de Conteúdos se aproxima e afasta deste termos, e talvez por isso gere tantas confusões conceituais.

É muito importante entender que a curadoria de conteúdos e seu curador, não estão restritos a uma área, e seu perfil é bem mais diversificado.  Ele exige por parte de quem deseja ser curador bem mais do que o manuseio de algumas ferramentas e técnicas.

Vejamos:

Tomando-se esse universo de grande produção de informação, diferentes pesquisadores veem tentando estabelecer quais seriam as fases que consistiriam esse trabalho de cura. Apesar de vários autores tratarem do tema não existe um consenso geral.
Apresento, portanto, alguns deles:

Segundo Weisgerber (2012) por exemplo, o trabalho de curadoria de conteúdos poderia ser dividido da seguinte forma:

  1. Achar: identificar um nicho; agregar
  2. Selecionar; filtrar; selecionar: qualidade/originalidade/relevância
  3. Editorializar: contextualizar conteúdo; introduzir/resumir (não simplesmente postar); adicionar a sua perspectiva;
  4. Arranjar/formatar: classificar conteúdo; hierarquizar; leiautar conteúdo;
  5. Criar: decidir por um formato: Paper.li, Scoop.it, Storify.Storiful, Twitter curation; creditar fontes
  6. Compartilhar: identifique sua audiência; qual mídia usam?
  7. Engajar: seja o anfitrião da conversação; providencie espaço; participe; anime;
  8. Monitorar: monitorar o engajamento; monitorar a liderança da conversação; melhorar

Creio ser importante analisar cada uma em em separado.

Curador de conteúdos

O que é?

O Curador de Conteúdo tenta encontrar entre a vasta quantidade de informação que inunda a internet, aquela que é realmente relevante aos seus usuários/leitores.
Esse conteúdo de valor deverá satisfazer as exigências de informação que tais pessoas apresentam, e que funcionaria como um antídoto contra aquilo que vem se convencionando chamar de infoxicação, da qual a rede padece de forma pandêmica.

Perceba que o objetivo é um público, e os escritos tem que ser altamente especializados. O curador será a ponte entre informação e usuário. Não pode deixar passar nada que seja relevante ou fundamental. E usará sua expertise para tanto.
É por isso, que o curador não irá simplesmente recolher ou editar textos alheios para publicar em alguma ferramenta tecnológica.
O que se espera do curador não é uma colcha de retalhos.

De acordo com minha experiência considero que as principais fases da Curadoria de Conteúdos sejam assim discriminadas:

Fases:

1 – Coleta

Esta fase é a primeira, exatamente porque é nela em que o curador toma contato com o grosso da informação disponível.

Esse momento equivale a um verdadeiro garimpo, onde vai-se buscar em meio a tudo o que se produz o que verdadeiramente tem interesse para aqueles que são seus usuários/leitores.

Nessa fase, se percorrerá todas as fontes possíveis de informação sobre o tema escolhido para cura e que estão em diferentes suportes e formatos: infográficos, resenhas, artigos, fotografias, tutoriais, etc..,.

Devido a essa quantidade massiva de informação o esforço demandado será grande e poderá significar um investimento alto em tempo despendido.

Importa ressaltar que nesse ponto já seria importante estabelecer hierarquias de valores para o que for sendo encontrado, excluindo-se aquilo que não for relevante ou que não tenha real interesse.

Considero nesse ponto, um grande teste ao curador de conteúdos: aqui começará a provar seu valor e consistência.

Deverá de pronto saber separar o joio do trigo. Não se deslumbrará e nem equivocará facilmente.
Não pode ser um compulsivo por compartilhamentos.

  1. Seleção e Criação de Filtros

Aqui é que o curador de conteúdos mostrará seu valor tanto como pesquisador como agregador.

Do universo, muitas vezes incomensurável de coisas, buscará critérios para selecionar aquilo que de fato será importante e que merece tempo e investimento em publicação e divulgação.

Um equívoco comum é achar que essa fase será simples e rápida, uma vez que tudo já foi coletado. Mas nem sempre é assim.

Esta fase pode também demandar tempo e esforço para filtrar e hierarquizar.
Cabe ressaltar que o filtro principal desta seleção é a área de conhecimento e produção do curador. Sua seleção se pautará exclusivamente sobre o que de fato entende suficientemente para posicionar-se e aprofundar conceitos e ideias.

  1. Edição, Elaboração

Nessa fase caberá ao curador acrescentar contexto ao conteúdo a partir de sua perspectiva e conhecimentos.
Lembre-se que o curador precisa ser um especialista sobre aquilo que fala.

Esta fase tem como objetivo poupar possíveis problemas, já que é nela que se examina como os conteúdos selecionados podem ser adaptados para melhor atender aos usuários. Essa adaptação pode tomar em conta: adequação ao idioma, formato para publicação, o tempo de leitura, links e hiperlinks.

Todos esses aspectos ajudam a definir qual a melhor estratégia de publicação e divulgação e minimizar erros ou fracassos dos mesmos como post ou outro meio.

Por isso, citei acima que um editor em uma redação não é um curador!

A velha e boa edição de redações em áreas de comunicação não representam e nem se configuram curadoria. A utilização do termo para estes casos é absolutamente inadequada.

4) Arranjar/formatar:

Classificar o conteúdo, criar hierarquizações e dar um leiaute à tudo o que selecionou, editou e elaborou.
O curador terá que se sentir à vontade nos meios que escolher para divulgar aquilo que amealhou e enriqueceu com seus conhecimentos.
E por isso a ferramenta importa muito pouco. Cada um preferirá esta ou aquela. O fundamental neste caso é o conteúdo a ser veiculado. Maus conteúdos ficam ruim em qualquer plataforma ou tecnologia.

5) Criar a estratégia de disponibilização/distribuição

Aqui é o momento de decidir por um formato: Paper.li, Scoop.it, Storify.Storiful, Twitter curation, entre outras.

É também o momento de creditar as fontes utilizadas.

Uma vez selecionada, filtrada, elaborada chega o momento de distribuir essa informação.

Aqui a escolha recai sobre quais os meios mais adequados para aquele conteúdo, em que faixa de horário e até o melhor dia da semana para alcançar a maior audiência para o mesmo.

É também a fase onde é testado o grau de conhecimento e interação do curador de conteúdos e sua audiência (público alvo)

O que citei acima sobre as ferramentas se aplica às redes escolhidas. É o conhecimento do curador sobre o perfil de seus usuários/leitores que o levarão para este ou aquele veículo. Se você não sabe quem é o seu público e quais as melhores formas de interagir com ele, nunca conseguirá ter conteúdos com boa circulação.

  1. Engajamento

O curador nesta fase exercitará seu poder de influência, animação entre seus usuários/leitores. Será preciso motivar, trocar e dialogar com sua audiência como forma de estabelecer a relação tão desejada de engajamento.

É o espaço de conversação e onde as relações com os usuários/leitores se estreitarão.

Daí a importância do curador ser conhecedor do tema em que faz a cura. Somente assim será capaz de instigar, tirar dúvidas, trocar, e mais do que tudo: ter uma boa reputação online. A influência acontece exatamente a partir desta qualidade e capacidade.
Se o curador não for capaz de sustentar e motivar a interação com seus leitores, não fez curadoria: apenas compartilhou. E isso, já sabemos, qualquer um em rede é capaz.

  1. Análise, monitoramento

A curadoria não termina no momento da divulgação.

É fundamental analisar de forma precisa e meticulosa todos os resultados obtidos.

Serão eles que determinarão se houve êxito na empreitada, se os objetivos e o público a que se destinava foram alcançados e com qual grau de assertividade.

Também será nessa fase que se estabelecerá estratégias futuras. A partir de erros e acertos, o curador irá aprimorar suas ações.

Portanto, essa fase tem igual peso e importância.

Erros mais comuns a se evitar:

É natural que lidando com um número tão grande de informações, ações e compartilhamentos cometamos alguns erros.

Estes aumentam especialmente se temos que fornecer conteúdos de forma sistemática e contínua.

Estabelecer crivos e filtros pode ser mais difícil do que se imagina.

Assim, aqui algumas dicas aos que desejam ser curadores de conteúdos e não apenas um compartilhador contumaz, ou um editor de ocasião:

  1. Nunca simplesmente cole e copie

Isso é desmerecer a inteligência e a paciência de seu usuário/leitor.

Cuide para não ficar repetindo chavões e fórmulas prontas. A internet anda cheia disso, e quem busca bom conteúdo não gosta disso.

  1. Nunca deixe de se posicionar. Sempre coloque sua posição

O Curador de Conteúdos deve ser antes de tudo um alimentador, fomentador de ideias. O objetivo de uma curadoria de conteúdos não é uma colcha de retalhos! Exercite sua criatividade. Vá além do dado e crie conexões e trilhas para que seus leitores cheguem aos seus caminhos com a ajuda que você oferecer.

  1. Dê sempre o crédito à sua fonte inicial

Nunca, nem sob tortura omita a fonte de onde retirou as informações. Não plagie! Nem ideias e muito menos conteúdos. Busque a autenticidade todo o tempo. Seja profissional em suas escolhas e ações. Se não for capaz disto, desista de ser um curador!
As pessoas podem não ser especialistas em muitas coisas, mas reconhecem a quilômetros um profissional que é um blefe.

Portanto, atribua créditos e tenha certeza que será igualmente respeitado e creditado

  1. Seja responsável com o que escreve

Como Curador de Conteúdos você não pode colecionar achismos. É preciso que, como especialista, saiba exatamente o que diz e porquê.
O curador deve vincular seus escritos com o seu nome. Portanto, não é apenas um conteúdo de quinta que oferecera se for pouco cioso. Estará construindo uma péssima reputação. E se de fato você estiver fazendo curadoria, estará em um determinado nicho especializado. Todos de conhecerão, tanto pelo que fez e faz de bom, mas muito mais pelo que faz de equivocado ou de forma preguiçosa e descuidada.
Zele por seu nome, sua reputação e o nicho ao qual faz parte.
Aqui é uma situação de igual profissionalismo e ética.

  1. Vá além das palavras chaves! 

As publicações precisam ter um conteúdo consistente que sirva de acompanhamento a tudo o que está recomendando.
Não escreva o óbvio e nem se restrinja a ser mero reprodutor de chavões e frases e ideias fáceis. Todos que não sabem o que fazer vão por esta via.
Escreva conteúdo de qualidade ou simplesmente fique em silêncio. O silêncio bem empregado vale mais do que mil palavras!

  1. Tenha cuidado com infográficos!

O infográfico possui como característica fundamental ser um facilitador de leitura de um conteúdo. Ele precisa e deve, por meio de imagens fazer com que o leitor/usuário fique dispensado da leitura e por meio de imagens intuitivamente apreender um conteúdo.

Mas, o que temos em muitos casos são verdadeiros poluidores de imagens e textos que geram mais confusão e ruído informacional do que qualquer outra coisa. Não se deslumbre facilmente por eles!

Recomendo a leitura deste excelente post que dá muito boas sugestões sobre o que tomar em conta quando se elabora um.

Algumas qualidades que são fundamentais para um Curador de Conteúdos:

  1. Precisa ter espírito curioso

Sem essa qualidade estará sempre no mesmo lugar. A curiosidade movimentará suas buscas e será fonte de inspiração para seus usuários/leitores. A curiosidade alimentará a si próprio ao mesmo tempo em que estimulará seus leitores/usuários.

  1. Precisa ter espírito sintético, já que deve funcionar como um filtro entre a informação e seus usuários/leitores.

Seu papel e função é exatamente ser capaz de reduzir tudo ao mínimo indispensável e de forma clara, objetiva e instigante. Mas sem omitir o que seja importante.

  1. Precisa ser empático

Se interagirá entre conteúdos e usuários/leitores precisa ser capaz de sentir o humor, as vontades, as necessidades de quem está do outro lado.

É muito importante que saiba colocar-se do lado de onde está seu usuário/leitor para perceber quais são as suas expectativas, necessidades, vontades.

Fazendo isso conseguirá um caminho estreito entre si  e o outro e a isso chamamos de diálogo.

A empatia gerará também confiança por parte do usuário/leitor e isso como vimos acima é fundamental na construção de uma boa reputação online.

  1. A proatividade é outra característica importante.

Tê-la significa antecipar-se sempre às necessidades e demandas de seus usuários/leitores e significará que sempre estará um passo adiante.

  1. O curador de conteúdos precisa ser um especialista do tema que escolher para curar.

Não é possível planar sobre várias coisas.

O Curador de Conteúdos terá que definir, para o bem e qualidade de sua permanência no meio, sobre qual será o âmbito de sua curadoria. Por isso, sugere-se que seja uma área em que domine e que possa ser considerado um especialista.

Caso não o seja, rapidamente poderá ser identificado como apenas um charlatão ou reprodutor puro e simples de ideias alheias. O que definitivamente não deve ser o caso.
Imagino que isso seja a última coisa que alguém que quer ser curador de conteúdos deseje ser.

Portanto, não vá além daquilo que você sabe! O limite de um curador, como tenho dito, é sempre a sua ignorância. Este é o momento de parar.

Quem está em busca de bom conteúdo saberá identificar rapidamente imprudências, superficialidades e engodos.
E caímos novamente no que pode ser o contrário de ter uma boa reputação online

Ainda um alerta: ser especialista em uma área não significa ser monotônico, ou seja, sempre falar das mesmas coisas. Isso vai cansar o público alvo. Rapidamente as pessoas pararão de lê-lo, pois sempre terão a impressão de que você fala de uma coisa só todo o tempo. A criatividade é fundamental nesta hora e ajudará a trazer ar frescos a antigas ideias.

  1. Saber exercitar a crítica

Aqui não é a crítica pela crítica, mas alguém com profundidade e consistência suficiente para, ao se defrontar com diferentes informações, saber qualificar o que lê na medida correta.

Graficamente teríamos:
[slideshare id=33345876&doc=curadoriadeconteudofinal-140409202705-phpapp01]

Trocando em miúdos

De tudo o que citei acima, vejo que um cuidado a se ter na Curadoria de Conteúdos é a acuidade nas escolhas.
Se não for seletivo e atento pode-se “atirar” para vários alvos e acabar afastando leitores. Sentir esse humor do usuário/leitor é fundamental.

Não vejo como sendo uma atividade a ser desenvolvida de forma restrita por esta ou aquela profissão. O Perfil deste profissional está muito mais ligado a uma habilidade do que propriamente a um diploma. O que de fato importa é que este profissional tenha profundo conhecimento da área em que atuará.
E que não seja necessariamente este ou aquele profissional oriundo desta ou daquela formação.

Além disso, o curador deve ser capaz de movimentar o tema e interagir quando for necessário. Se apenas reproduzir as notícias sem o trabalho de posicionar-se sobre as mesmas o conteúdo se transformará rapidamente em apenas mais um site de atualização de notícias. O que não vejo que seja o caso e nem o objetivo desse profissional.

Este trabalho de fato é técnico, mas requer grande habilidade e sensibilidade do outro. Este talvez seja o grande diferencial do Curador de Conteúdo. Conseguir ter repertório que sustente suas sugestões de conteúdos, encontrar temas relevantes e adequá-los ao seu público leitor é uma tarefa muitas vezes árdua e de “alta-costura” (requer paciência e cuidado). E o que é principal: deve posicionar-se de forma crítica ao mesmo tempo que acrescenta informação que venha complementar a sugestão de conteúdo inicial.

Talvez esteja aqui a maior e principal dificuldade da curadoria. Não somos capazes de falar com propriedade sobre tudo o que achamos interessante.
O limite para o curador será sempre sua própria ignorância!
Para manter a consistência terá que estar focado não apenas no que o seu público quer, mas também naquilo que pode comentar e contribuir com segurança e profundidade.

É preciso dar corpo e voz ao conjunto de postagens e fazer com que toda uma comunidade interessada no tema tenha conhecimento agregado a partir da verticalização que cabe ao curador.

Após toda esta explicação metodológica, recomendo a leitura do meu post “Fotografia como Documento e Narrativas Possíveis“, onde procurei exemplificar como se faz um trabalho de curadoria. Não apenas no que tange ao trabalho do fotógrafo e curadores da exposição no museu, mas para o meu próprio caso. Notem que neste caso vocês tem exemplificado como se realiza a curadoria de conteúdos. Tão em voga enquanto produto, mas muito longe de ser feito corretamente.
Espero ter podido mostrar com ele como a curadoria de conteúdos acontece de acordo com a metodologia que indiquei neste post de Curadoria.

A Curadoria não é fácil e exige muita leitura e disciplina. Isso eu garanto!
Mas de outro lado, é muito bom ver o quanto isso faz da comunidade usuária/leitora coesa e consistente.

Mas tudo falharia se não houvesse interlocutores.
Sem estes nenhuma curadoria faria sentido!

Será que é de um Curador de Conteúdos que sua Instituição precisa?

A ER Consultoria tem condições de ajudá-lo em áreas afins à Gestão de Informação, Gestão de Conhecimento e Memória Institucional.
Consulte-nos e apresentaremos uma Solução para as suas demandas.

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Referências

  • Amaral, Adriana; Aquino, Maria Clara. Eu recomendo…e etiueto. Praticas de folksonomia dos usuários di Lst.fm, Revista Libero, n. 24, Ano XII
  • Belguelman, Gisele, Curadoria de Informação. Palestra, USP 2011. [Link:]
  • Jenkins, Henry. Cultura da Convergência, São Paulo, Aleph, 2006
  • Keen, Andrew. O Culto do amador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009
  • Recuero, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009
  • Rosenbaum, Steven. Curation nation. Why the future of context is context. NY: McGraw Hill, 201
  • Site e Infográficos:
  • Link 1: 
  • Link 2: 
  • Link 3:

Agradecimentos:

  • Lionel Bethancourt por leitura atenta e cuidada e auxilio em diagramar ideias transformando-as em imagens.
  • Victor V. Valera por ser interlocutor atento e me despertar para uma série de temas relacionados à Curadoria de Conteúdos, e que me serviu de inspiração para muitos dos temas tocados nesse post.

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