Arquivo da tag: Tabela de Temporalidade

Entenda o que são os Acervos Privados da Presidência da República

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Um tema que por muito tempo esteve quase que adormecido ganhou notoriedade a partir do escândalo das joias cravejadas em brilhantes que se tornaram conhecidas a partir de investigação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nunca em toda a História da República um valor tão vultuoso teria sido dado como “presente” a um Presidente.

Em pouquíssimo tempo muitas dúvidas surgiram: afinal, o que são estes acervos? O que diz a legislação federal tem a dizer sobre o tema? Como a bibliografia técnica entende tais Acervos Privados da Presidência da República? Qual a diferença entre este e outros tipos de Acervo? Por que eles precisam ser denominados como Acervos Privados da Presidência da República e não simplesmente Arquivos ou Acervos? Quais são suas características e especificidades? Que relação existe entre tais Acervos e a Preservação e Conservação de Patrimônio Cultural Documental?

Vejamos:

Em períodos anteriores aos anos de 1980 já havia preocupação em relação ao destino de acervos que pertencessem aos então Presidentes da República, mas não havia uma legislação regulamentadora. Os acervos eram compostos em sua maioria por correspondências, registros fotográficos, sonoros, audiovisuais, entre outros.

Um pouco antes, ainda em princípios da década 1970, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas é criado com o objetivo de tratar acervos pessoais de personalidades.
Por este princípio e por um trabalho reconhecidamente metodológico de tratamento de acervos, foram convidados a participar do Projeto “Memória do Governo Sarney”, que havia sido Presidente da República no período entre 1985-1990. Diante desta situação foi formado um grupo específico para estudar as especificidades destes Acervos e as formas de tratá-lo e divulgá-lo, ao mesmo tempo em que se cuidaria de sua preservação e conservação.
Um dos produtos deste trabalho pode ser consultado na base de dados existente ainda hoje no Centro de Referência de Acervos Presidenciais que contam com acervos dos ex-Presidentes Manuel Deodoro da Fonseca (1889-1891) até o José Sarney (1985-1990).

Do ponto de vista jurídico porém, outras necessidades se impunham. E assim, duas normativas dos Acervos Privados da Presidência da República foram elaboradas. A 1ª é a Lei nº 8.394, de 30 de dezembro de 1991, assinada pelo então presidente Fernando Collor de Melo e que dispunha sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República e a sua regulamentação, por meio do Decreto nº 4.344, de 26 de agosto de 2002, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por falta de uma normatização mais específica em relação a valores e tipos de presentes ofertados, a Lei de 1991 e o Decreto de 2002 foram sendo utilizadas pelos Presidentes que as sucederam dentre eles Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (1º mandato).

Apesar da Lei e do Decreto ainda existiam algumas brechas que necessitavam ser melhor normatizadas, em especial no que concernia a valores e tipos de presentes que deveriam ser considerados privados e quais deveriam ser incorporados ao Patrimônio Nacional.
O primeiro momento em que o questionamento se tornou uma necessidade de regramento destes acervos quando estes foram alvo de litigio em 2016, devido à operação Lava Jato, e em função do questionamento do que deveria ser considerado presente pessoal do presidente e o que deveria ser incorporado ao Patrimônio da Nação, estabeleceu-se o chamado Acórdão/TCU nº 2255/2016.
Por este instrumento ficou determinado que os presentes recebidos em missões oficiais não seriam de caráter particular do Presidente, mas sim deveriam ser incorporados ao Estado Brasileiro, não sendo permitido ao mandatários que estes bens fossem tomados como pessoais. Na mesma ocasião, ficou determinado que estudos mais aprofundados fossem feitos, já que haviam poucos estudos sobre como tratar tais acervos e suas peculiaridades.
Ficou também decidido que poderiam ser considerados presentes personalíssimos itens como: camisetas de clube, bonés, bebida típica, um bordado, etc. Ou seja, algo de valor muito baixo e que fosse de uso exclusivo e pessoal.

Em síntese, o que tínhamos até o ano de 2016 as únicas regras claras que existiam sobre o que deveria ser considerado patrimônio da nação eram os presentem recebidos em cerimônias oficiais de troca de presentes entre nações. Com o Acórdão citado acima as regras ficaram muito mais claras, e a partir delas presentes recebidos por Lula e Dilma que não estavam dentro deste recorte legal foram incorporados ao Patrimônio da União.

Seguindo o Acórdão do TCU o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu 9.037 itens nos seus primeiros 2 mandatos (2003-2010) e teve que incorporar ao Patrimônio da União 559 presentes. A lista contendo fotografias destes presentes pode ser vista aqui

Dilma devolveu 144 presentes. Nos dois casos os presentes não encontrados foram ressarcidos em dinheiro.

É importante ressaltar que mesmo estando com os ex-presidentes os presentes estavam devidamente registrados no INFOAP (Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República).
Nos dois casos houve a devolução e/ou reembolso nos casos de objetos não localizados, já que os dois mandatos foram exercidos antes do Acórdão de 2016 e haviam obedecido as regras da lei de 2002.

A Teoria Arquivística aplicada à Acervos Privados da Presidência da República

Ao falarmos de acervos precisamos compreender de que forma a teoria arquivística os trata. Consideramos, de acordo com o Dicionário Arquivístico, um Acervo aquela documentação que é originária da acumulação no desempenho de funções administrativas desempenhadas em um cargo público. O acervo está intimamente relacionado às funções que o mandante desempenha e por meio delas pode-se ter acesso à História desta instituição. Tais documentos são considerados assim não porque nascem para ser patrimônio ou documentos históricos, mas sim para cumprir seu papel em uma função pública.
Entretanto, quando pensamos em acervos privados da Presidência da República encontramos algumas dificuldades técnicas:

1. Em primeiro lugar, temos a distinção entre o que seja público e privado e os documentos produzidos nesta seara que seja de interesse público. Afinal, temos um ente físico desempenhando uma função pública, e portanto, vários itens que fazem parte de seu acervo podem ter características ora privadas, ora públicas dependendo de ocasiões específicas.

2. De outra sorte, os Acervos Privados da Presidência da República não representam uma coleção no seu sentido estrito, já que seu acúmulo e/ou reunião de documentos que os compõe não se dão por escolha direta de seu titular. Sua coleção é orgânica, mas nem sempre representa os critérios de seleção de seu titular.
Em geral, as coleções quando organizadas pelos seus próprios acumuladores possui uma lógica específica que se dá por interesses pessoais de seus possuidores. Neste sentido, elas espelham fielmente o que pensa e o que protagoniza seu acumulador. No caso analisado aqui não é uma coleção no seu sentido estrito já que cada documento chega de diferentes formas e por diferentes razões. Simplesmente são incorporados de uma forma cronológica a partir de visitas, cerimônias e encontros protocolares.

3. Ainda é preciso deixar claro que em relação aos documentos que chegam a ser incorporados nestes acervos não se pode dizer que sejam exclusivamente documentos arquivisticos, nem tão pouco podem ser considerados pessoais. Tais documentos possuem um caráter muito mais político e diplomático e seus suportes e significados deixam isso muito claro, especialmente pelos que ofertam os presentes. Muitos destes presentes são formas de demonstrar amizade ou divulgar a cultura de quem visita ou é visitado.

4. Tanto por sua forma como por seu acúmulo tais acervos estão longe de ser considerados acervos pessoais, já que para este caso específico há uma profunda e objetiva intencionalidade de seu proprietário em reunir, ter e manter determinados documentos em detrimento de outros. No caso de documentos pertencentes ao acervo privado da presidência não há esta possibilidade de seleção e escolha.
A forma de organização NUNCA é pessoal, como ocorre com arquivos pessoais onde o pensamento do seu titular fica espelhado em suas preferências por determinados documentos. No caso de Acervos Privados da Presidência da República é muito mais usual que a organização se dê de forma rotineira por servidores destacados burocraticamente para fazer tais tarefas. Esta organização obedecerá, de acordo com os servidores destacados perfis diversos que podem ser bibliográficos, museológicos, arquivisticos e/ou históricos.
A organização destes acervos acaba sendo cronológica e não consegue ser fechada como é de praxe em fundos arquivisticos. Alguns princípios da arquivística, biblioteconomia e museologia serão respeitados em sua organização, mas não em sua totalidade por conta da forma como estes documentos em diversos suportes dão entrada ao acervo.

5. Outra característica que diferencia estes Acervos Privados da Presidência da República de outros tipos de documentos arquivisticos é seu uso como sendo elemento de prova. Por tratar-se de um acervo específico como o da presidências ele provavelmente não estará inserido nesta modalidade de servir de prova, já que haverão outros documentos na Administração Pública que poderão oferecer tais subsídios e com muito mais riqueza de detalhes.

É preciso lembrarmos que a Constituição de 1988 esclarece em detalhes como se deve proceder sua guarda, sigilo e acesso com fins de preservação de memória e como forma de produção de conhecimento por meio de pesquisa, com documentos que denomino tridimensionais – que abarcam todo o conjunto do acervo do Palácio do Planalto que vai desde sua arquitetura e estruturas até suas tapeçarias, mobiliários, obras de arte diversas, paisagismo e jardins – as especificações não são tão pormenorizadas, e podem levar à pratica de erros como os que a reportagem acima revelou. Se os habitantes do Planalto não possuem sensibilidade e algum nível de respeito à coisa pública teremos tais problemas.

Os chamados Acervos Privados da Presidência da República possui uma equipe técnica e fixa que se responsabiliza por catalogar os diferentes documentos que passam a fazer parte do acervo desde o momento que o Presidente é empossado. Mas ao deixar a Presidência tais documentos não são considerados plenamente seus ou privados. Por possuírem interesse público e poderem ser utilizados para fins de pesquisa não podem ser vendidos sem antes ser oferecidos à União e nem podem ser remetidos para fora do país sem a autorização do Estado Brasileiro. Por estarem inseridos na Administração Pública, devem obedecer criteriosamente aspectos determinados em metodologias de acervos arquivisticos, bibliográficos e museológicos de acordo com seus suportes e obedecer rigorosamente os termos que se relacionam a tombamentos e descrição de objetos de arte quando for o caso (lembrando que há casos de telas, tapeçarias, vasos, pratarias entre outros objetos considerados obras de arte).

Por tudo isso, ex-presidentes criam Fundações ou Institutos para que tais acervos continuem a ser cuidados e acessados. Além disso, são eles que devem arcar com as custas de preservação, conservação e tratamento técnico documental destes acervos.

A Lei nº8.394, de 30 de dezembro de 1991 é a que disciplinou num primeiro momento os “Acervos Privados da Presidência da República” e que posteriormente teve o Decreto publicado em 2002 e o Acórdão citado acima pelo TCU em 2016

O texto da Lei nº8.394 deixa claro quais devem ser as ações e responsabilidades destes acervos como se nota a seguir:

Art. 5° O sistema dos acervos documentais privados dos presidentes da República terá participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional, Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República e, mediante acordo, de outras entidades públicas e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que detenham ou tratem de acervos documentais presidenciais.

        Art. 6° O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo:

        I – preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos;

        II – coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos;

        III – manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País.

        IV – propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e

        V – conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público.

LEI NO 8.394, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – QUE DISPÕE SOBRE A PRESERVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E PROTEÇÃO DOS ACERVOS DOCUMENTAIS PRIVADOS DOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA E DÁ PROVIDÊNCIAS

E foi a partir disso que, tanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como Luís Inácio Lula da Silva, instituíram Fundações que pudessem cuidar de todos estes conjuntos de documentos.

Acompanhe abaixo como cada um dos ex-presidentes lidou com seus acervos:

Abaixo, a própria fala do ex-presidente FHC sobre seu Instituto>

(…) Nasceu assim a ideia de fundar um instituto. Quis que ele fosse não só um centro de memória histórica, mas também um lugar de debates sobre a democracia e o desenvolvimento. Duas causas com as quais estive envolvido desde muito cedo. Desempenhando um ou outro papel, sua missão para mim seria uma só: contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o País e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.
Inaugurado em maio de 2004, com um debate internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells, o Instituto transformou-se em Fundação em 2010. O objetivo da mudança foi o de fortalecer o iFHC – hoje chamado Fundação FHC, como instituição perene, comprometida com a missão definida em sua origem(…)

FHC

Abaixo, temos as explicações sobre o Instituto Lula que abriga o Acervo do Presidente de seus dois primeiros mandatos, e que provavelmente abrigará o deste terceiro mandato:

“(…) O Instituto Lula tem a responsabilidade de cuidar do acervo que deixou Brasília junto com Lula em 2011, e o faz com toda transparência. São milhares de cartas, livros, CDs, fitas, quadros, gravuras, fotografias, álbuns, DVDs, presentes de altas autoridades, instituições, empresas e populares, assim como prêmios, condecorações e títulos que Lula recebeu. Todo esse material está catalogado, embalado e armazenado. Neste link você pode consultar todos os objetos do acervo. (…)”

No ano de 2021 foi assinada uma Resolução que dispôs sobre os Acervos Documentais Privados da Comissão Memória dos Presidentes da República e que segue como publicado em 09 de Dezembro de 2021, e que tenho certeza que após tudo o que ocorreu no caso dos diamantes será amplamente revisada e devida esclarecida.

O que continua sendo claro é o compromisso de que os documentos em diferentes suportes são de responsabilidade do setor de Memória da Presidência da República nos casos de acervos que serão incorporados à Nação e no casos dos documentos que compõe o Acervo Privado do Presidente da República deverão ter garantida sua segurança, preservação, conservação, tratamento técnico documental (higienização, descrição, indexação, digitalização, manuseio e acesso), eventualmente trabalhos de exposição e divulgação como forma de divulgar e preservar a Memória do Executivo.
Mesmo os documentos que por ventura sejam indexados em bases digitais ou que existam em tais formatos deverão ter garantidos aspectos relacionados à sua preservação digital e garantias de acesso. Lembrando que tais documentos possuem valor permanente e compõe o conjunto de documentação histórica do país.

A importância destes acervos e do cabedal necessário para tratar de todo este conjunto favorece a solicitação de profissionais técnicos qualificados para tratar adequadamente cada um destes acervos nos seus diferentes suportes. O que deixa claro a necessidade de uma equipe interdisciplinar.

A preservação de Patrimônio Cultural Documental e a Responsabilidade Histórica como forma de garantir fortalecimento da Memória do Executivo

Todo este debate sobre a importância dos Acervos Privados da Presidência da República serve para demonstrar de que forma a Administração Pública e a guarda documental necessitam de regras e procedimentos para que possam cumprir suas funções.
Se para a Administração Pública como um todo, temos a Gestão Documental e a elaboração de Tabelas de Temporalidade Documental instituindo prazos e locais de guarda, o caso dos Acervos Privados da Presidência da República necessitam de uma outra forma de regramento.

Conforme citei no artigo “Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!”

Diante tudo isso, e como forma de auxiliar tais chefes de Estado, há a previsão de destino de verbas para a realização de obras de preservação, conservação e até restauração tanto de obras arquitetônicas, quanto de peças de arte, mobiliários, paisagísticos.
Mas tudo isso simplesmente não se efetiva se as pessoas que tem sob sua responsabilidade esta tarefa não estejam sensibilizadas suficientemente e compreendam que cuidar da preservação, conservação e até restauração de um acervo tão rico e plural deve fazer parte de uma política de cultura da preservação de patrimônio, atendendo de perto ao que seja minha concepção de Responsabilidade Histórica.
É esta consciência de que o Presidente da República é o responsável direto a imprimir e propiciar que tais cuidados se efetivem e que isso seja parte de sua política cultural, já que estará cuidando de um legado que é de todos e que precisa ser entregue ao futuro. Daí a aplicação do conceito de Responsabilidade Histórica.

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Como dito acima, estes acervos possuem peculiaridades e é muito importante que apesar de haver Decretos e Acórdãos regulamentando, é essencial que haja profissionais que compreendam tais especificidades e consigam tratar toda a gama de documentos, muitos dos quais em formatos diversos, com necessidades específicas de higienização, identificação, catalogação, indexação e guarda com vistas à preservação (já que estes documentos possuem valor permanente, ou seja, NUNCA poderão ser eliminados). Tais Acervos Privados da Presidência da República se assemelham muito à concepção de Centros de Documentação e/ou Referencia, dada a similaridade de sua acumulação, bem como sua diversidade de temas e suportes, exigindo profissionais de áreas tão distintas como História, Diplomacia, Biblioteconomia, Arquivística, Museologia para ficar em apenas algumas áreas.

Por isso, FHC e Lula optaram para criar instituições, e que nelas pudessem abrigar os diferentes acervos e profissionais capacitados trabalhando na sua guarda e custódia. Além de trabalhar especialmente com divulgação das informações contidas nestes acervos,. FHC por seu perfil acadêmico colocou sua Fundação num âmbito bastante acadêmico e de formação. Lula por estar muito ligado à Movimentos Sociais tem um Instituto que trabalha muito próximo destes setores.

Cabe ressaltar que nos dois casos o tratamento técnico documental é realizado e toda a documentação obedece os termos de preservação e conservação dos documentos com esta importância. Mas nem por isso, necessitam ser idênticos em sua forma. Como mostrado nos vídeos acima, cada um deles encontrou uma forma de cumprir o que a legislação determina. Tal como ocorre com Centros de Documentação e/ou Memória não existe uma ÚNICA fórmula a ser usada. Cada equipe deverá encontrar a melhor forma de tratar a documentação e dar a ela sentido de acordo com seu titular presidencial e ao mesmo tempo encontrar maneiras de divulgar estes acervos ao mesmo tempo em que cuida de sua preservação e conservação.

É importante deixar muito claro que o compromisso de preservação e conservação de acervos envolve não apenas os presentes recebidos pelos Presidentes da República no desempenho de suas funções. A eles cabem também o cuidado com todo o conjunto composto pelo Palácio do Planalto, Palácio do Alvorada e todas as obras de arte e mesmo a parte arquitetônica destas edificações. Ainda no artigo “Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!” abordei esta questão e os maus tratos sofridos por tais obras arquitetônicas e muitas de suas obras durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), e que tal descaso pode ser considerado crime e falta do cuidado com o que denomino Responsabilidade Histórica e como esta se mantém quando a Memória Institucional se fortalece a partir do conjunto de informações trazidas pelo conjunto de documentos presidenciais.

_______________________

Posts Relacionados:
Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!
Patrimônio Arquitetônico: Preservar não é apenas Tombar!
Patrimônio Cultural e Responsabilidade Histórica: uma questão de cidadania
Cavernas como Acervos Vivos: seu valor de Patrimônio Natural
Uso de tecnologias como Política de Preservação de Patrimônio Cultural
Memória Institucional: ferramenta de Gestão Estratégica
Uso de tecnologias como política de preservação de patrimônio cultural – documental
Patrimônio Arquitetônico: Preservar não é apenas tombar!
Quem precisa de Arquivo?
Interdisciplinaridade: essencial para profissionais de Informação
Gestão Documental para Racionalidade e Transparência Administrativa
Qual o valor de um Centro de Documentação e/ou Memória
Informação não processada é só ruído
Mídia hegemônica e seu séquito de midiotas

** Referencias:
ABREU, A. A. Apresentação. In: SILVA, S. B. Os presidentes da república: guia de acervos privados. Rio de Janeiro: FGV, 1989.
ARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.
BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006
BRASIL. Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília, 9 jan. 1991a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm. Acesso em 15/03/2023
BRASIL. Decreto nº 4.344, de 26 de agosto de 2002. Regulamenta a Lei no 8.394, de 30 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 ago. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4344.htm.Acesso em 15/03/2023
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2255/2016. Plenário. Relator: Walton Alencar Rodrigues. Sessão de 31 ago. 2016. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wpcontent/uploads/sites/41/2016/09/52_OUT4-TCU-TRALHAS-LULA.pdf. Acesso 15/03/2023
CRUZ, B. S.; BEZERRA, M. FHC na defesa de Lula: “cuidar de acervo é obrigação, mas
não há dinheiro”. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/09/fhc-na-defesa-de-lula-cuidar-de-acervo-e-obrigacao-mas-nao-ha-dinheiro.htm . Acesso em 15/03/2023
RODRIGUES, Georgete Medleg e LOPES, Bruna Pimentel. “Os acervos privados de presidentes da República no Brasil: entre as noções de propriedade privada e de interesse público” In: InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 10, n.1, p. 64-80, mar./ago. 2019 – DOI: 10.11606/issn.2178-2075.v10i1p 64-80

***
Siga-nos: 
No LinkedIn
No Pinterest

© 2023 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

Por que Ferramentas de GED não são Gestão Documental?

Por: Eliana Rezende*

Não é de hoje que uma pergunta nos meios institucionais se coloca.
Afinal, podem os softwares de GED/ECM e um profissional de tecnologia substituir a figura de um profissional que realize a Gestão Documental?

Ou: pode uma ferramenta de GED ser responsável por todas as ações que envolvem Gestão Documental?
E muito recentemente: como uma IES pode cumprir a determinação do MEC de em até 24 meses se adequar à Portaria nº 22 de 21 de Dezembro de 2017 sobre Acervos Acadêmicos?

Tal preocupação não apenas se justifica como também encontra sólidos motivos: no mercado proliferam diferentes tecnologias que são oferecidas como vantagem competitiva no que diz respeito ao tratamento de documentação. Em muitos casos, são oferecidos como a Caixa de Pandora, onde todos os problemas em relação à produção e gestão de documentos estaria solucionada. Mas como muitos já aprenderam, e à duras penas, isso nem sempre acontece. É comum encontrarmos o argumento que com ferramentas de GED os problemas com papel acabam e tudo se transformará magicamente……Gastos se extinguirão e o papel desaparecerá….

Mas, em verdade as coisas não são tão simples ou lineares quanto isso. Muito mais está  envolvido, como por exemplo aspectos relacionados à obsolêscencia digital, preservação digital consequente desta obsolência, segurança, autenticidade e temporalidade documental, para citar apenas alguns.

Mas, que fatores devem ser tomados em conta no momento em que se decide por essa ou aquela estratégia?
Sugiro que, para abordarmos tal tema comecemos por estabelecer definições para cada um dos termos que envolvem esta questão, e qual a sua abrangência ou a que tipo de instituição e objetivos, eles se aplicam.

Em primeiro lugar é preciso definirmos o que vem a ser Gestão Documental e de que forma esta se diferencia de um GED/ECM. Para isso sugiro a leitura de outro post; Gestão Documental para Racionalidade e Transparência Administrativa, que fiz e onde procurei estabelecer essa diferença.
Esclarecidos ambos, agora é o momento de definirmos o que vem a ser a digitalização. Para o Conarq (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS), digitalização pode ser definida como:

“Um processo de conversão dos documentos arquivísticos em formato digital, que consiste em unidades de dados binários, denominadas de bits – que são 0 (zero) e 1 (um), agrupadas em conjuntos de 8 bits (binary digit) formando um byte, e com os quais os computadores criam, recebem, processam, transmitem e armazenam dados.
De acordo com a natureza do documento arquivístico original, diversos dispositivos tecnológicos (hardware) e programas de computadores (software) serão utilizados para converter em dados binários o documento original para diferentes formatos digitais. No entanto, o produto dessa conversão não será igual ao original e não substitui o original que deve ser preservado.
A digitalização, portanto é dirigida ao acesso, difusão e preservação do acervo documental”.

Outra confusão usual é confundir documento digitalizado com documento digital.
De novo, nova definição se faz necessária. Vamos a elas:

Digitalização – Processo de conversão de documento para o formato digital por meio de dispositivo apropriado, como um escâner.

Documento digital – Documento codificado em dígitos binários, acessível por meio de sistema computacional.

Documento eletrônico – Gênero documental integrado por documentos em meio eletrônico ou somente acessíveis por equipamentos eletrônicos, como cartões perfurados, disquetes e documentos digitais. Em verdade, poderíamos dizer que ele é um precursor do documento digital.

Como se nota, cada um dos termos possui horizontes diversos. E que, como tais, possuem aspectos positivos e negativos, vantagens e desvantagens. Para os objetivos deste post, concentrar-me-ei apenas na questão Gestão Documental vs Digitalização. Em outras oportunidades abordarei suas relações com documentos digitais, microfilmagem, processos híbridos e implantação e implementação de Projetos de Preservação e Conservação Documental.

Os usos e aplicações de sistemas eletrônicos/digitais nos meios institucionais, no entanto, são uma realidade concreta com a qual lidamos dia a dia. Agiliza o acesso à informação, ao mesmo tempo que favorece seus tramites. Isso é fato. É  preciso apenas darmos à estes seus devidos lugares e aplicações. Nem supervalorizando nem os desvalorizando.

ged_ecm_gd1

Em geral, a digitalização pode ocorrer em diferentes etapas da Gestão Documental, muito mais como uma forma de favorecer o acesso aos documentos, ou mesmo como uma política de preservação de originais, em especial quando estes possuem valor histórico e precisam ser protegidos de fragilidades geradas por uso excessivo ou inadequado.

Sobre isso, veja meu post sobre o “Uso de tecnologias como política de preservação de patrimônio cultural – documental“. Ali apresento algumas considerações fundamentais ao se tomar em conta quando esta for a situação.

Em todos os casos, e do ponto de vista legal, a digitalização representa apenas e tão somente uma cópia, como ocorria anteriormente com fotocópias reprográficas. Sua maior e principal vantagem é ser um meio eficaz para tramitar informações por meios eletrônicos, como é o caso do e-mail. Ela não possui valor legal, e muito menos substitui seu original.

ged_ecm_gd2

No entanto, temos outro universo de produção documental que requer muito mais atenção ao se analisar políticas de digitalização para os casos de documentos com guardas permanentes e de valor histórico. Neste ponto a discussão precisa, e deve, ganhar outro contorno. Diferentes variáveis precisam ser tomadas em conta.  O acesso dos mesmos não deverá ser pensado de forma imediata apenas. O tempo precisará ser considerado e a obsolescência mora neste caminho.

ged_ecm_gd3

O que ocorre em geral, quer por desconhecimento ou por boa fé, é que muitas empresas contratantes destes serviços esperarem que a solução tecnológica resolva seus problemas de organização documental. No entanto, é importante que se ressalte, que tais soluções tecnológicas não representam o trabalho de Gestão Documental, que necessita de maior cabedal, elaboração de normas e procedimentos muito mais amplos. Tal como o nome indica tais soluções são apenas uma ferramenta dentro de um universo muito mais amplo que é a Gestão Documental.

Como forma de explicitar isto, preparei a apresentação a seguir onde procuro mostrar qual o universo e abrangência da Gestão Documental num universo institucional privado e em setores públicos, onde a responsabilidade é ainda mais pesada.

[slideshare id=34493599&doc=gestodocumentalracionalidadeetransparnciaadministrativa-2-140509143703-phpapp02]

É  sempre bom ressaltar que a digitalização necessita de um trabalho de organização, pois, se houver um caos no meio físico apenas estaremos trocando o suporte: de físico para digital.

Digitalização e ferramentas de GED não resolvem problemas nem de organização e nem de busca, se os envolvidos não souberem o quê e como buscam. Ferramentas não sabem além daquilo que nós as informamos. Todo o trabalho para a recuperação de informação é esforço intelectual de profissionais. Neste contexto, repito o que sempre digo: “informação boa é a que encontramos”. Delegar a tais ferramentas esta tarefa é gerar nada além do que lixo digital, sem valor algum.

Além disso, a digitalização e ferramentas de GED por si só não resolvem uma gama imensa de ações e que estão diretamente ligadas à Gestão Documental, como: elaboração e aplicação de tabelas de temporalidade, cumprimento de prazos prescricionais estabelecidos em legislação para diferentes documentos, políticas de preservação, sigilo e acesso a documentos.

ged_ecm_gd4

Outro grande equívoco é acreditar que a digitalização oferecerá a panaceia de resolver um dos maiores problemas dos Arquivos, que é sua falta de espaço, por meio da eliminação de documentos físicos. O que juridicamente torna-se inviável devido a uma ausência de legislação que autorize uma situação como esta.

Por questões de ampla obsolescência, a simples substituição de documentos físicos por digitalizados ou mesmo digitais não significaria economia de custos. Ela obriga a ações de preservação que representam custos elevados para manutenção das mídias para garantir o acesso aos mesmos. Investimentos em tecnologia que envolvam políticas de preservação digital custam recursos financeiros, humanos e tecnológicos pelo tempo, e em geral as pessoas se esquecem disto. Simplesmente consideram os custos iniciais e deixam de olhar pela perspectiva do tempo.
Falta sob esta ótica um olhar gestor.

Projetos de digitalização e mesmo de aplicação de ferramentas de GED precisam de recursos financeiros que garantam a aquisição, atualização e manutenção de versões de software e hardware, como forma de cumprir requisitos funcionais estabelecidos pelo CONARQ, que garantam a preservação e o acesso a tais documentos, a médio e longo prazo, sem prejuízo de qualquer ordem.

ged_ecm_gd8

Uma outra variável a ser considerada é a de que o grande problema na recuperação de informação não está nos sistemas automatizados e sim na etapa anterior, ou seja, na organização. Analogia que pode ser aplicada aos Arquivos. Sem organização e uma mudança de cultura organizacional que contemple a co-responsabilidade de todos na produção e gestão desses documentos, de nada adiantará adotar o melhor aparato tecnológico. Se o caos físico existir ele apenas estará sendo transferido de suporte: sairá do analógico e poderá ser encontrado em abundância no digital. O inverso acaba sendo verdadeiro: uma boa estrutura de organização e co-responsabilidade que zele por princípios da Gestão Documental encontrará lugar em qualquer tecnologia.

Mesmo nos casos de digitalização para simples tramitação precisa-se estabelecer critérios e hierarquização. Digitalizar indiscriminadamente tudo pode ser um tiro no próprio pé. Gerará um aumento indiscriminado do que simplesmente não interessa e que do ponto de vista de consulta não se justificará.

ged_ecm_gd7

Diante de tudo o que foi considerado até agora, nem de longe esta ampla oferta de soluções tecnológicas colocam em risco a atuação de profissionais sérios e comprometidos. Mais cedo ou mais tarde necessitarão da atuação do profissional em Gestão Documental para solucionar e rever os gargalos surgidos e para estabelecer procedimentos em relação ao futuro dos documentos já criados e dos que estarão por vir.

Vejo em todo este processo, de discussão e elaboração de estratégias, uma excelente oportunidade de mostrar o quanto é importante um trabalho multidisciplinar não apenas para solucionar problemas presentes, mas como também para prevenir problemas no futuro.

ged_ecm_gd5

Não creio em compartimentação. Creio em trabalhos de equipe com a orientação de profissionais de diferentes áreas que tem na Informação sua principal matéria prima. Colaboram sempre nesse sentido arquivistas, historiadores, especialistas em tecnologia, profissionais do direito (dado que muitos documentos possuem prazos estabelecidos em legislação devida), bibliotecários e administradores para ficar com o mínimo de profissionais.

Creio que o grande desafio é colocar todos em volta dessa grande roda que gira e que como sempre digo: deve funcionar como um imenso sistema solar (lembre-se das figuras na apresentação que mostram a Gestão Documental de forma sistêmica). Cada um com sua função e olhar, mas todos em torno da Gestão Documental.

Gosto da metáfora até porque é a forma que trabalho e de onde vejo os resultados surgirem!

ged_ecm_gd6

Se você ou sua instituição se defrontam com tais questões e buscam a forma mais adequada para implantar ou implementar uma política de Gestão Documental, entre em contato pela nossa página, pelo e-mail ou pelo telefone (55.11) 4215-1924 para elaborarmos um Projeto totalmente customizado de acordo com as demandas de sua instituição.

Consulte nosso portfólio e clientes e observe a nossa atuação em cada uma das instituições públicas e privadas e a forma como foram propostas soluções compatíveis à cada necessidade. O mesmo podendo ser feito no caso de você ou sua instituição. Além disso, podemos orientar e capacitar colaboradores, in company e on line.

ERlogo_stat_site_wp
* Texto atualizado e modificado a partir de post original publicado no Blog Pensados a Tinta

___________________
Posts Relacionados:
Direto ao ponto: Gestão Documental e a Babel Algorítmica
Gestão Documental para Racionalidade e Transparência Administrativa
Digitalização não é Solução. Entenda Porquê
Seminário Internacional: Gestão da Informação e Transparência
Porque Documento Digitalizado não é Documento Digital
O Valor da Gestão Documental para as Empresas
Memórias Digitais em busca da Eternidade
O desafio das Soluções na Era da Informação
Uso de tecnologias como Política de Preservação de Patrimônio Cultural 
Informação não processada é só ruído

**
Siga-nos:
No LinkedIn

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).