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História Oral: uma história que escuta

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por décadas a História Oral encontra no campo das Ciências Humanas um território tanto de aplicação quanto de estudos. Mas o fato em si não diminui a quantidade de dúvidas acerca dos procedimentos técnicos e metodológicos num momento tão específico que em última instância é a produção de um documento de valor permanente… histórico. 

De fato, estamos cada vez mais envoltos de tecnologias e possibilidades oferecidas tanto para captação quanto para guarda de tais documentos, mas ainda somos humanos e apesar de tantas soluções sobre formas de indexação, guarda e preservação é comum perguntas que parecem corriqueiras.

Assim, é objetivo deste ensaio esclarecer aos que se sentem inclinados a utilizar a História Oral em suas pesquisas ou trabalhos, mas possuem muitas dúvidas teóricas e metodológicas em sua aplicação.

Gosto de um ditado chinês que diz que se temos dois ouvidos e uma boca significa que precisamos escutar muito mais do que falar. E trabalhar com a História Oral tem este sentido como uma predominância.

Um começo fundamental é balizar as diferenças entre métodos de escuta que possuem objetivos e encaminhamentos muito diferentes uns dos outros. 

Veja: a História Oral ocorre a partir da coleta de um testemunho ou relato em forma de uma narrativa pessoal. Alguns oralistas e /ou pesquisadores optam por utilizar a expressão entrevista, mas considero que este termo se adequa melhor à determinadas situações e profissionais, como é o caso do jornalismo. Nas entrevistas realizadas por profissionais de comunicação o depoente não está de todo livre com suas memórias e relatos. O profissional costuma estar pautado e em geral já chega com as perguntas prontas e estas precisam ser respondidas. Ou seja, há um roteiro pré-determinado a ser seguido.

Por outro lado, um interrogatório por exemplo, é sempre realizado por um investigador em uma situação judicial. As perguntas se relacionam a um quebra-cabeça investigativo que tenta encontrar na fala daquela testemunha vestígios que corroborem uma linha investigativa. É natural que neste tipo de inquirição a relação costume ser tensa e podendo ser eivada de mentiras e omissões propositais ou inconscientes. 

Opto, portanto, por utilizar o termo depoimento por concluir que este não possui qualquer similaridade com uma entrevista sob o ponto de vista metodológico que aprendi a desenvolver.

Em verdade, não podemos dizer que esta ou aquela forma de nominar tal registro oral seja certa ou errada. Creio muito mais em uma perspectiva de abordagem deste método de tratar a narrativa oral que alguém que rememora traz e o quanto nos sentimos à vontade nele.

À medida que fui aprofundando minhas técnicas de escuta fui me aproximando do uso da expressão depoimento e justifico suas características como segue abaixo: 

Dentro desta perspectiva metodológica os depoimentos em geral, tem uma pauta bem mais aberta e o oralista e/ou pesquisador não atropela o depoente com perguntas em forma de inquérito, cortando ou entrecortando seu relato. NUNCA o interromperá, tornando-se indelicado ou brusco. Não buscará perguntas capciosas para buscar contradições ou explorará emoções para ter uma imagem emotiva. Muito menos haverá um roteiro prévio para as perguntas a serem feitas. 

Lembre-se que podemos invadir os espaços emocionais de uma pessoa com nossas palavras, que podem servir como lâminas agudas e pontiagudas que simplesmente cortam todo um raciocínio.

Daí a necessidade da escuta: só ela permitirá a precisão adequada no momento de interlocução ou questionamento. 

Os depoimentos obedecem exclusivamente o que os depoentes e suas memórias desejam e conseguem revelar. 
Depoimento é portanto, muito diferente de uma entrevista: não é premido pelo tempo ou a pressa.
A escuta calma é parte significativa e representativa de uma história que se tece com a oralidade.
Assim, haverá momentos de fluxo e refluxo no rio caudaloso de memórias. Esquecimentos, omissões, reelaborações serão absolutamente parte deste processo.

Caberá ao oralista e/ou pesquisador entender que não está ali para julgar, mas sim para escutar, incentivar, apoiar. Escutará com TODOS os seus sentidos. Isto significa ouvido atento, olhar firme e espírito acolhedor, empático e compassivo.
Se não for capaz de oferecer isso será melhor reconsiderar seu papel como oralista e/ou pesquisador e condutor da coleta do depoimento.

Os intelectuais que fazem da pesquisa seu oficio usam das palavras e dos registros seus cânones de segurança e em alguns casos até subterfúgios. Se encastelam entre seus muros de segurança propiciados por muitos autores, notas de rodapé, debates historiográficos ou bibliográficos para encontrar um caminho que consiga considerar seguro.

Mas a lida com a História Oral nos coloca, acima de tudo, com o desafio de estar perante o Outro num momento único, onde se constrói uma narrativa sobre um passado edificado por memórias que não nos pertencem.

Talvez por isso, muitos se sentem inseguros de caminhar não por uma trilha bem sinalizada e pavimentada, mas sim por caminhos de brumas e personagens e fatos muitas vezes velados e expostos por muitos filtros que são absolutamente seletivos e subjetivos. 

O oralista e/ou pesquisador não é juiz destes fatos, não os tenta reescrever ou interpretar. Por isso, a escuta atenta e desprovida de pré-conceitos, pressa ou ansiedade. 

Todos os que possuem o ofício de trabalhar com documentos sabem que isto significa um encontro com palavras, ideias, impressões…

É um cruzar e perspectivar por diferentes nuances e camadas. Mas História Oral ocorre em tempo real e imediato. Ela se desenvolve em nossa frente num determinado recorte de espaço/tempo que NUNCA mais se repetirá.

Talvez por isso, traga tantos desafios em sua construção. Aqui depoente e pesquisador e/ou oralista constroem juntos um documento para posteridade.

O registro oral portanto, vinca Memórias e Histórias pelo olhar de quem recorda, ao vivo e em tempo real diante dos olhos do oralista e/ou pesquisador. 

Aqui talvez seja um dos momentos mais interessantes e por onde devemos começar a nos questionar.

Em geral, o oralista e/ou pesquisador, e em especial os mais jovens ou inexperientes buscam, na fala do outro, todas as certezas e garantias para suas hipóteses e questionamentos prévios.
Mas nem sempre elas nos chegam assim. Podem, ao invés disso, trazer mais hiatos do que certezas.

Às vezes, surgem como silêncios persistentes, ou até reações emocionais como nervosismo, choro.
E tudo isso por si só pode torna-se um momento de muita ansiedade por parte do oralista e/ou pesquisador.
Teria ele perdido seu tempo e não encontrará as respostas que tanto deseja?

Começamos com uma questão que parece simples e óbvia: afinal o que esperar? O que fazer? 

A expectativa por respostas à questionamentos é natural. Afinal, espera-se que ao chegar frente a frente com o depoente muito estudo tenha sido feito. O bom oralista e/ou pesquisador terá feito sua lição adequadamente procurando estar confortável com o contexto onde seu depoente viveu e os momentos que comporão seu relato.

É inadmissível um oralista e/ou pesquisador que chega despreparado ou mal preparado para a coleta de um depoimento. Até porque como dito anteriormente não há um roteiro prévio, mas é preciso conhecer a história do depoente para ser capaz de inquirir na hora certa e da forma mais adequada.

Por ser um registro que já nasce histórico é preciso ter um comportamento de respeito, responsabilidade e muito foco. A construção deste documento é conjunta e portanto, deve haver corresponsabilidade entre os envolvidos. 

É preciso ter muito claro que esta pode ser a primeira e a única oportunidade com o depoente. 
É usual termos depoentes que tem mais idade e a morte é uma constância.
Em muitos projetos ao terminarmos, vários dos depoentes não estão mais entre nós. Por isso, é preciso ser absolutamente impecável e perfeito no momento de coleta de depoimento.

Poderá não haver uma próxima vez. 

E algo fundamental de se ter em mente: saber ouvir significará entre tantas outras coisas saber calar.

O oralista e/ou pesquisador PRECISA ter a dimensão exata de quanto seu silêncio é fundamental na construção e constituição deste documento. Não saber o momento certo de calar ou falar poderá interromper um importante momento do depoimento. Poderá ser interrompido o curso de um raciocínio que nunca mais retornará.

As memórias devem ser pensadas como um curso de um grande rio: são caudalosas, em alguns momentos volumosas e seus movimentos podem significar algumas voltas, idas e vindas. Interromper este fluxo pode significar o mesmo que colocar um obstáculo no caminho destas águas que podem se derramar para margens que não significam nada ao curso destas memórias. 

Assim, é muito importante conter a ansiedade, pressa ou mesmo expectativas sobre o dito. 

Não é momento de tentar buscar “provas” de suas perspectivas.
As conclusões e caminhos da Memória devem pertencer ao depoente.
O oralista e/ou pesquisador deverá funcionar como um incentivador, mas nunca como aquele que dirige e determina o que será dito e a que momento.  Está exatamente neste ponto a medida exata entre calar e falar.

Por isso, contenha-se!

Seja sábio e use o silêncio em beneficio de todos. 

As memórias possuem suas próprias formas de manifestação e cada depoente encontrará a sua. Reafirmo que Não ‘existe’ uma História a ser ‘resgatada” em algum ponto do passado. A História NÃO está pronta em lugar algum para ser trazida ou ‘resgatada’. Ela é uma construção, e como tal é construída a partir de perspectivas que temos no presente.

O passado chega envolto como em névoas trazida pela brisa da passagem do tempo e estas funcionam como filtros que vamos aprendendo a ter para olhar para o passado. Como somos seres em constante movimento e amadurecimento é natural vermos o passado de diferentes formas à medida que o tempo passa.

Assim, não existem mentiras para o que um depoente conta, existem perspectivas!
Um mesmo evento será contado por uma pessoa diferentemente aos 20 anos, aos 40, aos 60 e aos 80 anos. Sua perspectiva e compreensão sobre os eventos passados tenderão a sofrer transformações e poderá até, em alguns casos, sofrer desaparecimentos ou apagamentos.
E isto de modo algum poderá ser considerado uma mentira.

É a forma como a Memória e o Tempo atuam sobre as mentes humanas.

Esta Memória é também uma forma de elaboração construtiva e narrativa que contará com todos os seus movimentos de ir e vir, fluxos e refluxos.
E são a elas que a escuta atenta poderá ter acesso.
Esse território feito de sedimentos e brumas precisa ter uma paciente escuta para ser capaz de reunir cada trecho destas memórias e como num quebra-cabeça encontrar os pontos que darão sentido à todo o conjunto.
Como um tricô rico de pontos com algumas costuras que, para ter sua beleza exposta necessitará estar escondido no avesso de tudo. A trama do fio quem tece é o tempo, tal como as memórias que emergem em um relato.

Por isso, a escuta deverá ser sempre empática, paciente, tranquila. Nunca invasiva, indelicada e intrusiva. Respeitará sempre o Outro e seus movimentos no seu trânsito entre passado e presente. 

Cabe frisar que o respeito a este Outro que nos traz o seu passado, memórias, sentimentos e perspectivas precisa de espaço e tempo para elaborar o que pensa e o que sente.

Muitas vezes, você verá seu depoente numa longa pausa e um olhar que fixa o nada, como se estivesse tentando alcançar aquele tempo que passou.
Ás vezes, de fato ele se esqueceu e às vezes precisa elaborar melhor seus sentimentos para que os possa expressar. Às vezes, entra em contato com uma grande dor, perda, mágoa ou alegria. Dê tempo para que a pessoa reencontre este passado.
Pode ser que seja um passado que estava trancado em gavetas profundas dos seus pensamentos e encontrá-las ali de repente pode significar um sobressalto que o depoente simplesmente não esperava. 

Reencontrar o passado a partir de memórias pode significar em alguns casos, lidar com traumas e dores quase instransponíveis…respeito isso. 

Daí que a escuta praticada pelo pesquisador não é apenas a óbvia: feita pelos ouvidos. É uma escuta empática, serena.

Por isso, o oralista e/ou pesquisador não pode ser uma pessoa despreparada, ansiosa ou agitada. Ela PRECISA ser a boia salvadora que permite que o depoente ultrapasse as tempestades de seu passado e objetive de forma concreta o que de fato quer revelar. 

O oralista e/ou pesquisador é por assim dizer, o porto seguro após as turbulências emocionais pelas quais eles passarão no seu caminho de travessia pelo Tempo. 

Por isso, muitos depoimentos podem levar horas e até dias. Nunca ocorrerá em uma única hora. 

Diante disso, considero importante abordar um outro ponto nevrálgico e que em muitos casos surge como um grande equívoco: 

História Oral: NÃO É Storytelling

O termo se popularizou em especial por áreas ligadas ao Marketing e que possui uma forma que muitas vezes chega a desvirtuar completamente o sentido e o uso da História Oral. Seu uso tem como objetivo buscar histórias que funcionem como gatilhos, comovam ou incentivem outros a partir das experiências de personagens importantes da empresa, como fundadores e primeiros funcionários. 

O recurso de uso do Storytelling tem como objetivo apelar para o lado emotivo que pode gerar empatia em relação a estes eventos ou histórias do passado. O Storytelling funciona a partir de um enredo previamente criado para que tais historietas, eventos ou peculiaridades sejam dispostas e se entrecruzem de modo a gerar retenção e absorção mental e emocional. Por isso, é tão utilizada por áreas que trabalham exatamente o emocional das pessoas para gerar demandas e consumo, ou como neste caso, engajamento e afeto. Mas é possível que uma instituição queira usar este recurso como elemento motivador e inspirador de equipes, por exemplo. 

Apesar de às vezes, tais histórias serem “engraçadinhas” quer por seu pitoresco ou inusitado tal recurso está há anos-luz do que seja História Oral e do seu uso, por exemplo num Projeto de Memória Institucional ou de História Oral.

A História Oral possui uma forte fundamentação metodológica e requer que os envolvidos estejam preparados por todos os passos que a compõe. Nos casos do seu uso para Projetos de Memória Institucional deve-se ter em mente que sua utilização está muito mais vinculada ao fortalecimento da Cultura e Identidade institucional ao mesmo tempo que se está valorizando o Capital Intelectual existente. E sendo assim, a escuta será elemento fundamental e dominante em todo o processo.

A escuta será a protagonista de uma construção documental onde participam depoente e entrevistador numa relação que busca antes de tudo localizar memórias que muitas vezes estão encobertas pelas brumas de seu passado.

Como dito à cima nunca significarão um resgate, pois esta memória está longe de estar pronta em algum lugar. 

Uma correção fundamental: não existe história oral empresarial

Quando dizemos que a memória é uma construção narrativa feita no presente a partir de um determinado momento histórico estamos querendo dizer que será a fala e o registro que darão concretude ao que é fluido e subjetivo, que é a memória do depoente.

A memória que se torna registro e fonte documental representa uma seleção dinâmica entre quem fala e quem escuta. 

Sendo assim, e tomando como princípio metodológico que não podemos tratar a memória como algo concreto, convém que corrijamos um equívoco corrente: ou seja, substituirmos o termo “história oral empresarial” por história oral da empresa ou para a empresa. 
Isto se dá porque há diferença entre história oral da empresa e história oral para a empresa.
Entenda:

“(…) Historia oral da empresa remete ao papel externo da instituição. É endógeno. Por inscrevê-la na atividade empresarial fora da fábrica ela é para a empresa, exógena (…)

(…) História oral para a empresa é uma produção atenta à visão de fora para dentro, e diz respeito à relação entre a empresa, o contexto e o mercado. Nesta caso, a atenção é dada a inscrição da empresa no contexto histórico, econômico, em dimensões maiores que a pratica interna ou a vivência da empresa… Portanto, a história oral para a empresa diz respeito ao setor como atividade do mundo externo, atento ao impacto e desenvolvimento social provocados pela atuação daquela instituição.(…) 

(…) A história oral da empresa, pelo contrário, orienta-se para o funcionamento unitário das entidades produtivas. O “olhar interno” na instituição é o que interessa (…) a história oral da empresa devota a atenção aos funcionários e os conecta com problemas imediatos, internos da entidade. (…)”*  

(Meihy & Ribeiro, 2011)

Esta abordagem tenta corrigir o jargão de ‘história oral empresarial’.

A história oral institucional, de ou para empresas, está diretamente relacionada ao mundo do trabalho, e portanto, preocupada em relacionar a empresa na vida social que a cerca. 

O principal erro aqui é esquecer-se que a história da empresa ou história empresarial é feita com documentos, em sua maior parte escrita sem mediação do oral, não existindo uma história oral empresarial
Não que os documentos orais não possam ser considerados fontes documentais. Mas estes são produzidos no presente, com questões e filtros do presente realizado por pessoas vivas e que se debruçam sobre o passado com todos os seus filtros e impressões. Deste ponto de vista, são altamente subjetivas e podem possuir muitos ponto velados.
Além disso, são documentos que podem ser considerados colaborativos pois contam com a parceria do oralista e/ou pesquisador e o depoente.

A oralidade é uma condição fluida, subjetiva que possui um código diferente de um registro escrito produzido no desempenho de funções específicas da instituição.
Tais documentos não nascem para ser históricos, mas sim para cumprir funções no interior da instituição. Carregam consigo elementos que formam e informam todo um arcabouço que poderá servir no futuro para investigações outras.
São exemplos de tais documentos: registros de atas, relatórios, cartas, instruções normativas entre outros registros. Em geral, tais documentos terão um valor inicial que se relacionam com sua função e somente posteriormente será considerado histórico ou patrimônio documental que faz parte da história empresarial.

Cabe aqui um alerta importante: não se deve separar estes documentos de forma avulsa para compor a tal história empresarial. Ou mesmo para compor Centros de Documentação e/ou Memória.

A História não é feita de documentos avulsos pinçados aleatoriamente para criar um gabinete de curiosidades institucional. Este é um erro arquivístico sério que não deveria ocorrer – na arquivística temos o que se chama a teoria do “Respeito aos Fundos” onde um documento não pode ser subtraído de um conjunto documental – mas vejo isto acontecer com alguma regularidade no âmbito da tal história empresarial. Este erro ocorre em verdade, porque alguns profissionais simplesmente não sabem disso, e a instituição que solicita o trabalho sabe menos ainda.

Voltando ao ponto que interessa:

O uso de relatos orais para compor uma história da empresa ou para empresa tem suas virtudes, mas também possui seus riscos: em alguns momentos terá elementos de excessiva subjetividade, que como pesquisadores e/ou oralistas precisam estar atentos. 

Um Projeto de História Oral para ser tomada à cabo deverá circunscrever todas estas variáveis e compreender que ele representará um recorte no espaço/tempo e por isso mesmo será finito.

E a História Oral de Vida?

Não poderia deixar de abordar um outro termo que sempre gera muita confusão no campo de história oral. 

Veja, se de um lado temos os depoimentos que se inscrevem em campos sociais ou sendo de ou para uma empresa, de outro lado podemos ter a chamada história oral de vida
Qual a sua principal característica e como se diferencia das outras formas de história oral?

As histórias orais focadas em grupos, empresas, famílias, etc., se referem a trajetória de uma pessoa dentro deste período de sua conexão com tais grupos, empresa, etc., Não há uma grande digressão sobre seu passado, formação, ou os caminhos percorridos até chegar a este ponto.

Em geral, os depoimentos quase que começam com a entrada da pessoa naquele determinado grupo, movimento, empresa, família, etc.,

Já a história oral de vida interessa-se pela trajetória completa de um determinado dirigente, líder, fundador.
É exatamente o elemento extraordinário desta pessoa que torna importante ouvir TODA a sua trajetória.
Neste caso, o relato oral começa às vezes com os pais da pessoa, sua infância, formação intelectual, leituras, o encontro com a instituição, suas contribuições e às vezes sua aposentaria ou desligamento. 

Considero que a História Oral de Vida representa mais do que em qualquer outra modalidade uma forma de dar valor ao individuo e sua trajetória. Neste caso, é onde mais diretamente encontramos a valorização do Capital Intelectual que aquela pessoa representa tanto pessoalmente quanto profissionalmente e/ou intelectualmente. Neste tipo de relato todas as formas de expressão do individuo são valorizadas: sua forma de pensar, agir, relações, criatividade, produção intelectual ou artística. 

Por tudo isso, fica claro que um Projeto de História Oral terá poucos casos de um relato de História Oral de Vida.
Se por exemplo, um depoimento normal dura entre 2 ou 3 horas, um depoimento de História de Vida pode dura muitas horas e até dias! 

De tudo o que disse, o que fica é esta excepcionalidade do vivido que se transforma em ponte para um passado vivido e revisto. Escutar será sem dúvida alguma o meio de acessar os caminhos e trilhas destas Memórias e a reunião de vários conjuntos de depoimentos nos apresentarão um caleidoscópio interessante e rico de um tempo que se foi. Trajetórias se interpenetrarão e nos apresentarão uma perspectiva diversa, e muitas vezes, complementares.

O conjunto de tais relatos nos possibilitarão perspectivar um sujeito coletivo que perpassou vidas e inscreveu-se em um determinado espaço/tempo.

Talvez por isso o fascínio que esta História nos traz. 

_______________________
* Notas: Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.

** Bibliografia de apoio:
Alberti, Verena. Ouvir Contar – Textos em História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
Alberti, Verena. Manual de História Oral – a experiência do CPDOC, 1989
Benjamin, Walter. O narrador. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. São Paulo, Brasiliense, 1987
Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade. Petrópolis. São Paulo: T.A. Queirós, 1979
Garrido, Joan del Alcàzar i. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 13, nº 25/26, set. 1992/ago.1993
Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.
Pollak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.2, nº 3
____________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.5, n.10

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Empatia e gentileza: para quê, para quem e porquê?

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Empatia e gentileza: para quê, para quem e porquê?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Há tempos quero falar sobre estas duas características, cada vez mais raras e quase sempre tão confundidas. A dificuldade se dá exatamente porque no mundo corporativo elas parecem ceder vez a outras palavras que ultimamente estão virando moda, como por exemplo: inovador, criativo, pró-ativo, entre outras.

De outro lado, empatia e gentileza são características que não estão no rol de termos monetizáveis. E ainda mais: não nascem como virtude e nem se adquirem ao se frequentar uma escola. Não estão à venda, nem são itens de consumo rápido, obtido por entregas via cartão de crédito. Sua maior característica é a gratuidade voluntária e extensiva, sem esperar portanto, nada de volta. Daí talvez sua grande dificuldade de ser aplicada numa sociedade tão consumista e capitalista, onde valor está sempre ligado à monetização. Não é este o caso aqui.

São qualidades ligadas diretamente ao autoconhecimento que cada um pode e deve desenvolver. É uma entre tantas competências comportamentais que deveríamos nos esforçar a ter e demonstrar.

As dúvidas se avolumam e questões sobre para quê, porquê e a quem são grandes, em especial em tempos de coronavírus onde diuturnamente tais qualidades são testadas na capacidade de todos em praticá-las nas suas diferentes facetas de existência social.

gentileza-criancas

Partindo de tanta dificuldade, resolvi iniciar minha busca pelos dicionários. As interpretações são muitas e várias, suas aplicações alcançam um número ainda maior. Mas das definições que vi escolhi estas:

“Gentileza é a qualidade do que gentil, do que é amável. Gentileza é uma amabilidade, uma delicadeza praticada por algumas pessoas.
A gentileza é uma forma de atenção, de cuidados, que torna os relacionamentos mais humanos, com menos rispidez. Quem pratica a gentileza não tem má vontade, não é indiferente e sim é cuidadosa, distinta e delicada.
As gentilezas devem ser praticadas com lhaneza, ou seja, com sinceridade e simplicidade, pois melhoram o convívio entre as pessoas.”

Para empatia o significado é assim descrito:

“Empatia significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo.
A empatia leva as pessoas a ajudarem umas às outras. Está intimamente ligada ao altruísmo – amor e interesse pelo próximo – e à capacidade de ajudar. Quando um indivíduo consegue sentir a dor ou o sofrimento do outro ao se colocar no seu lugar, desperta a vontade de ajudar e de agir seguindo princípios morais.
A capacidade de se colocar no lugar do outro, que se desenvolve através da empatia, ajuda a compreender melhor o comportamento em determinadas circunstâncias e a forma como o outro toma as decisões.
Ser empático é ter afinidades e se identificar com outra pessoa. É saber ouvir os outros, compreender os seus problemas e emoções. Quando alguém diz “houve uma empatia imediata entre nós”, isso significa que houve um grande envolvimento, uma identificação imediata. O contato com a outra pessoa gerou prazer, alegria e satisfação. Houve compatibilidade. Nesse contexto, a empatia pode ser considerada o oposto de antipatia.
Com origem no termo em grego empatheia, que significava “paixão”, a empatia pressupõe uma comunicação afetiva com outra pessoa e é um dos fundamentos da identificação e compreensão psicológica de outros indivíduos.
A empatia é diferente da simpatia, porque a simpatia pode é maioritariamente uma resposta intelectual, enquanto a empatia é uma fusão emotiva. Enquanto a simpatia indica uma vontade de estar na presença de outra pessoa e de agradá-la, a empatia faz brotar uma vontade de compreender e conhecer outra pessoa.
Na psicanálise, por exemplo, a empatia significa a capacidade de um terapeuta de se identificar com o seu paciente, havendo uma conexão afetiva e intuitiva.”

 

Buscar no dicionário foi a forma de procurar mostrar que, tanto uma quanto a outra, não tem nada a ver com educação ou quaisquer modalidades atribuídas ao espírito cortês e romântico que se espera de casais apaixonados. Gentileza, não se pratica dando bom dia, pedindo com licença, por favor, obrigado. Muito menos é enviar flores com cartão, abrir a porta do carro, segurar a porta do elevador.
Isso tudo é desejável, mas está apenas na categoria de boa educação.

Gentileza e empatia definitivamente são outra coisa. Elas envolvem uma real percepção de quem seja o outro. Enxergá-los em sua plenitude e verdade, e respeitá-los apesar de, ou por isso. É ter pelo outro a mesma consideração e respeito que deve ter por si mesmo. Antes e acima de tudo, ter a capacidade infinita de simplesmente saber se colocar no lugar do outro em certas circunstâncias. Um exemplo disto pode ser lido no post “O trabalhador Invisível“, que escrevi

Saber ter palavras que em vez de ferir como lâminas, sejam antes de tudo um bálsamo que alivia e até cura. Significa ser bom ouvinte. Atento e cuidadoso, que saiba colocar cada palavra no seu devido lugar.
Ser gentil é saber andar sem armas. É saber conciliar todos em torno do que realmente interessa. Mesmo quando os ânimos estão em uma panela de pressão.

Gentileza e empatia são modos de ser, estar, agir, enxergar o mundo, a vida e as pessoas.

 

Daí dizer que gentileza e empatia vão muito além de boa educação ou cortesia aplicada às etiquetas e convívios sociais. Elas não constam nos currículos escolares exatamente porque tem a ver com sistemas de valores pessoais e éticos, que se exprimem num desejo sincero de contribuir para que o mundo e as relações à sua volta sejam mais humanas e tragam mais contentamento.

Quem as exerce é por natureza uma pessoa que pratica a justiça. Mas não apenas a que lhe beneficia, mas especialmente a que toma em conta os outros.

Gentileza e empatia envolvem não apenas aquele vestígio impessoal do tipico cumprimento “e aí, como vai?” e já virando as costas antes que a resposta seja devolvida. Significa o interesse de um olhar frontal, sincero com ouvidos atentos. É doar seu tempo.

Elas têm seu espaço em todas as circunstâncias de vida, sejam pessoais, profissionais, familiares ou digitais. Isso porque todos somos, ou deveríamos ser, apenas um. Praticadas no trabalho ou com pessoas que nos veem alguns minutos por dia são muito mais fáceis. Mas, e com aqueles que dividimos o teto, as paredes, a vida?

gentilieza-sapo

A gentileza e empatia estão, sem dúvida, ligadas ao autoconhecimento que cada um precisa ter de si e do mundo que o cerca. Sem ele, no máximo a pessoa será apenas e tão somente educada.

E você? Como tem exercitado a gentileza e empatia na sua vida?
Fez isso hoje? Fez ontem?

Seguirá fazendo?

Pergunto pois em tempos de pandemia de coronavírus estamos assistindo uma “corrida” desesperada de muitos pelo “primeiro EU”. Contrariando tudo o que seja gentileza e empatia, alguns seres humanos mostram sua pior face e em momentos extremos chegamos a ficar chocados. A empatia é exercício diário e cotidiano que não escolhe a quem nem como. Simplesmente deve ser um esforço pessoal de aprimorarmos em nós e confiar na possibilidade de uma contaminação positiva.

* Post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta e atualizado para esta publicação.

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Fotografia como Documento e Narrativas Possíveis

Por: Eliana Rezende*

Pare, pense e responda:
Você vai fazer uma longa viagem, somente poderá levar uma mala de mão com alguns pertences. O quê você levaria, quais objetos seriam sua escolha? O que seria fundamental?

Em 1995, a Secretaria de Saúde do Estado de New York, desativou o Sanatório Mental de Willard, em Syracuse. um edifício de arquitetura vitoriana que abriu suas portas em 1893. Antes de concluir o fechamento, o funcionário Bev Courtwright, foi incumbido de fazer uma vistoria para determinar o que poderia ser recuperado (antiguidades, mobília, etc.). Ao executá-la, o funcionário abriu a porta de um dos sótãos, e descobriu um tesouro: uma coleção de mais de 400 malas (429, mais precisamente) com pertences de antigos pacientes da instituição, datando de 1910 até fins dos anos 1960.

Craig Williams adquiriu as malas para o Museu do Estado de New York e as incorporou à Coleção Permanente da instituição. No ano de 2003 ela originou uma exposição que o fotógrafo Jon Crispin pode ver e interessou-se em documentar através de registros fotográficos tais pertences. Contar um pouco desses pacientes que, a partir de um dado momento de suas vidas foram internados e viveram ali até suas mortes. Poderiam ser trilhas para as histórias prováveis desses pacientes a partir daquilo que carregaram consigo no momento de sua internação.

malafechada

A escolha deste argumento para meu post não foi aleatória. O caso aqui utilizado como mote para o post é exatamente o quê alguém que estava sendo confinado em um manicômio levaria consigo… ou quem sabe o fariam levar para uma viagem que provavelmente não teria volta.

Belíssimo sob esse aspecto, pois aponta uma certa quantidade de valores tangíveis e intangíveis e que só fazem sentido ao seu possuidor. De qualquer forma, podemos inferir possibilidades, intenções, trechos de uma história nem dita nem escrita, apenas disposta em retalhos como num caleidoscópio.

De outra parte, e não menos sedutor para mim que sou historiadora e também arquivista, é o sentido que tal documentação de cultura material pode ajudar a tecer trilhas de existências que se foram. Achei de uma criatividade sensível incrível a proposta do artista e a forma delicada com que lançou luz aos objetos para que, combinados entre si, fossem crônica do pensado e vivido por um paciente recluso devido aos fantasmas mentais que os habitavam.

São imagens fortes, apesar do ensaio ter um quê muito sensível.
Olhar por essas frestas das histórias por trás dessas malas e de seus pertences, saber sobre seus pacientes, seus nomes e histórias pregressas é mesmo uma experiência muito forte e cheia de significados.

Quando pensamos no caso de pacientes de manicômios desse período podemos de fato encontrar historias de pessoas que foram deixadas ali por abandono ou ganância. Era comum pessoas sãs serem entregues a essas instituições por seus familiares, como forma de mantê-las reclusas.
Mas há também aqueles que, de fato, tinham do seu passado apenas sua mala. Suas memórias (bem mais precioso que podemos ter) já haviam sido perdidas.

Além disso, a fotografia, para mim, também tem um sentido muito especial.

Sou historiadora, conservadora e restauradora de fotografias dos séculos XIX e XX.
E como historiadora, lido muito com as memórias das pessoas e sei o quanto objetos pessoais são elementos de ligação com uma trajetória, um passado, uma vida. Despertam sentimentos e emoções que muitas vezes não cabem entre duas linhas. São carregadas de sentimentos e portam como poucas coisas aquilo que é precioso para cada um.

E é nesse sentido que o ensaio fotográfico é tão forte.
Somos alçados a estas vidas através de seus pertences pessoais. As malas são por assim dizer metáforas de vidas vividas que se foram, sobram como repositório de vestígios, pistas de um passado diverso.
É como se nós próprios estivéssemos embarcando em uma longa viagem.

Lógico está que esta viagem dependerá de onde partimos, com qual olhar, e com quais inquietações. Por isso a diferença do olhar do historiador, do escritor de ficção, ou mesmo de um psicólogo verá de maneira diferente do que um jornalista olhando para os mesmos objetos.
O fundamental é termos a dimensão exata do que este ensaio revela: a humanidade vivida e experienciada deixada nesses pequenos vestígios.

Através do singelo olhar do fotógrafo, foi-nos possível conhecer o conjunto de objetos, e descobrir neles indícios e links da vida vivida e sentida desses pacientes. Seu ensaio fotográfico tornou-se, pelo seu conjunto, uma narrativa.

Convido-os a vir comigo e ver o resultado desse ensaio. Preparei uma apresentação para que tenham a oportunidade de perscrutar algumas dessas muitas vidas e seus fragmentos:

[slideshare id=33919125&doc=willardasylumsuitcases1-140424183413-phpapp02]

Conheça mais o projeto e seu idealizador clicando aqui:

Na área de História chamamos de Cultura Material o trabalho de ver nesses objetos pequenas notas de existências e pequenos trechos de possíveis longas histórias.
Da reunião desses objetos tem-se uma micro-história.
Os objetos assim, possuem uma biografia, uma trajetória que o insere em um determinado contexto.

São como pontos que tecem um fio… cada fio conta uma história.

Como destaco em um artigo que escrevi sobre a fotografia e cultura material, que você pode ler na íntegra aqui, de onde o trecho abaixo foi tirado:

“Seria bom frisar que, no caso do documento fotográfico, temos sempre um objeto único e, portanto, com características muito peculiares. No entanto, se tecermos a rede das tramas que nos trouxeram a estes objetos, sozinhos ou em coleções, chegaremos a horizontes mas amplos.” (Rezende, 2007)

Lidar com tais documentos tridimensionais requereu por parte do fotógrafo um cuidado extremo, e mais do que tudo: apoio interdisciplinar de profissionais de várias áreas. Acompanhe um vídeo produzido para mostrar como foi o trabalho de produção do ensaio fotográfico:

[vimeo 29772611 w=640 h=360]

Todo esse trabalho feito pelo museu de identificar cada um dos pacientes e suas respectivas malas podem ser conhecidos, eis o link.
Gostaria que percebessem porque a História é algo tão fascinante para mim.
Na realidade, tais fragmentos abrem janelas de possibilidades que fornecem pontes de acesso, elos que ligam a um outro tempo. Sem estes toda a leitura do conjunto ficaria dificultada.

Ao fotografar tais objetos, o fotógrafo nos direciona o olhar. Fragmenta e enfoca o tema para fixarmos nossa atenção. Depois desse momento, todas as leituras são possíveis a partir do repertório, interesses e indagações de cada um.
Um historiador olhará de forma diferente que um autor ficcional, por exemplo. Cada um lançará viés próprio.

As imagens nos remetem a uma certa intimidade de um tempo e de determinadas histórias que estavam perdendo suas referências, identidades e memórias. Confinadas num espaço de reclusão podem ser alcançadas pelos rastros e vestígios que deixaram e que traziam de uma vida pregressa, que teve que ficar do lado de fora dos muros de sua reclusão.
Muitos deles deixaram suas vidas ali mesmo na instituição.
Nunca mais retornaram às suas origens.

Por serem registros tomados com sensibilidade nos trazem uma beleza quase roubada de uma existência que se foi. Uma história que passou.

O projeto do fotógrafo de fato nos permite caminhar por esse horizonte de análise de documentos e o qual convencionamos chamar de Cultura Material. Lógico que aqui não é uma aula, mas é um meio de conhecerem um pouco outras formas e fontes documentais que servem à pesquisa e à organização documental.

Percebam como ‘documento’ é uma categoria muito mais ampla do que simplesmente a que o senso comum costuma imaginar?

E, ao término, uso este post para indicar-lhes como se faz um trabalho de curadoria. Não apenas no que tange ao trabalho do fotógrafo e curadores da exposição no museu, mas para o meu próprio caso.
Notem que aqui vocês tem exemplificado como se realiza a curadoria de conteúdos. Tão em voga enquanto produto, mas muito longe de ser feito corretamente.
Espero ter podido mostrar como a curadoria de conteúdos acontece de acordo com a metodologia que indiquei em outro post, intitulado “Curadoria de Conteúdos: O que é? Quem faz? Como faz?”

Além disso, contribuiu para toda a construção do conteúdo e mesmo do ensaio fotográfico algo fundamental a qualquer profissional: saber usar a empatia. Sem ela provavelmente você não teria terminado a leitura deste post.

Encerrando, gostaria de saber:
“Conseguiu decidir o que tua mala conteria?
Que pistas deixaria para investigações e elucubrações futuras?
O que teus vestígios revelariam?
Qual seria a narrativa que tua mala possibilitaria?”

E de tudo o que viu? Qual a sua narrativa?

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para auxiliá-lo na melhor de tratar acervos documentais que possam compor patrimônio cultural documental, dentre eles Projetos de Preservação e Conservação Documental e Fotográfica.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

*
Este post é uma versão revisada e atualizada da versão publicada originalmente no Blog Pensados a Tinta sob o título: “Como se constrói uma Narrativa Fotográfica?

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Referências:

Ginzburg, Carlo. “Mitos, Emblemas e Sinais – Morfologia e História“. São Paulo, Companhia das Letras, 1986.
Meneses, Ulpiano T. Bezerra de. “Memória e Cultura Material: Documentos Pessoais no Espaço Público”.
Meneses, Ulpiano T. Bezerra de. “A cultura material no estudo das sociedades antigas“.
Rede, Marcelo. “Estudos de cultura material: uma vertente francesa“.
Rezende, Eliana Almeida de Souza. “Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade“.
Rezende, Eliana Almeida de Souza. “Um Ensaio de Ego-História

Créditos:
Todas as imagens aqui apresentadas são de direitos autorais do fotógrafo Jon Crispin

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O trabalhador invisível

Por: Eliana Rezende

Começo com uma pergunta simples:
Você em seu cotidiano “vê” um gari?
A pergunta pode parecer óbvia e alguns inclusive dirão: “mas é claro!”
Mas será que de fato é assim?
Acompanhe-me:

Tempos atrás lia sobre um pesquisador que para desenvolver sua pesquisa de Mestrado na área de Psicologia Social vestiu-se de gari um dia por semana durante um período de seis anos, dentro do próprio Campus da Universidade de São Paulo no Departamento de Psicologia.
Clicando aqui você pode conhecer mais sobre essa pesquisa e seu recorte.

No decorrer de sua pesquisa e para sua surpresa, percebeu o quanto essa categoria era ignorada por professores, alunos e funcionários. Em suas palavras:
“Conhecia muitas das pessoas, porém, todas passavam sem me olhar. Em determinado momento, um professor se aproximou e interrompi a varrição para cumprimentá-lo, debruçando-me sobre a vassoura. Ele não me notou. Chegou a esbarrar no meu ombro e nem sequer parou para pedir desculpas”

Sua experiência serviu apenas para mostrar que muitos destes trabalhadores mantém-se restritos aos seus próprios círculos e evitam o contato visual com outras pessoas como forma de proteger-se de formas de violência ou desprezo social. O que revela uma forte exclusão ligada à divisão social do trabalho.

Tal forma de invisibilidade recebe o nome de “invisibilidade social”. O termo aplica-se em especial à profissões que, apesar de fundamentais para o funcionamento social, são totalmente ignoradas pela ampla parcela da população. Quer por preconceito, quer por indiferença. De modo geral, é uma indiferença que parte de camadas sociais consumidoras e com maior poder aquisitivo em relação às que habitam sua margem, ou que estão excluídas por causa de sua condição social.

No caso da pesquisa supra citada, o exemplo foi revelador, pois o pesquisador simplesmente trocou o lado e vestiu-se com um uniforme, dentro da própria instituição que estudava e descobriu que havia algo invisível à sua volta, que ele não havia se dado conta até então. Estar dentro dos muros da maior universidade do país e ainda assim encontrar tal tipo de invisibilidade apontou para um substrato de uma cultura da superioridade do conhecimento acadêmico em detrimento do trato humano entendido como relação social e humana.Isso nos causa certo “choque” exatamente por que seria um espaço onde se esperaria que tais atitudes não devessem acontecer. Infelizmente, esse comportamento pode ser recorrente: claro que não podemos generalizar, mas ocorre.

Agora, partindo-se desse ponto, a pergunta quase inevitável e que destino a todos é:

Em seu cotidiano você “vê” tais trabalhadores?

E amplio um pouco mais: Não apenas eles, mas uma gama imensa de operários, trabalhadores que edificam e erigem com seus braços caminhos, moradias, espaços e que em muitos casos (eles) não podem ser usuários dos mesmos. Vivem a exclusão e invisibilidade consentida de todos os que deles dependem e necessitam.

Falo de faxineiros, porteiros, pessoal da manutenção, jardineiros, pedreiros, ascensoristas, recepcionistas, seguranças, empacotadores, entre muitos outros.

Pergunto exatamente porque esta pesquisa veio mostrar as teias de invisibilidade que estão por trás de formas menores de preconceitos que tomam em conta a origem e a condição social.

Muitos veem apenas como seus iguais aqueles que possuem o mesmo colarinho.
Todo e qualquer trabalhador que não tenha esse parâmetro torna-se invisível.
Talvez tenhamos que avaliar como anda a redoma que às vezes nos pomos.

O cumprimento e a atenção estendidos a quem quer que seja além de denotar boa educação e consideração ao outro aponta nossos universos de prioridades e hierarquias.

Essa invisibilidade tecida muitas vezes por cargos de liderança infelizmente tem muito que ver como uma concepção muito arcaica, e pessoalmente gostaria de ver eliminada, que é a de que as pessoas são diferentes por exercerem funções tidas como menores ou terem tido menos oportunidades, escolaridade ou títulos. Isto é um equívoco imenso, mas infelizmente muitos em cargos de liderança nos fazem lembrar que essa nódoa existe e que continua sendo praticada diariamente.
É de fato algo que precisamos superar.

Hoje em dia, quando esta ‘invisibilidade’ é tão ostensiva que podemos claramente identificar sua existência, chamamos de preconceito.

Nosso mundo altamente compartimentado e segmentado criou nichos e formas de organização. E os mesmos possibilitam o funcionamento de uma complexa engrenagem de produção/utilização do mundo.
O problema começa quando permitimos que tais compartimentações que tem que ver com divisões de trabalho se confundam com a forma como olhamos este Outro.
Aí de fato podemos ir para a esfera do parar de enxergar pessoas que são fundamentais para que toda essa dinâmica exista.
Daí a importância desse olhar atento às nossas atitudes em relação aos que nos rodeiam, e que fazem toda a diferença em nossas rotinas.

A questão da invisibilidade que procurei trazer à tona aqui nada tem que ver com um maniqueísmo proposital. Elas tem que ver como indivíduos sociais inseridos num mercado consumidor veem os invisíveis dentro desta mesma sociedade.

Procurei mostrar de que forma cada um individualmente dá sua parcela de visibilidade e invisibilidades a todos esses trabalhadores no desempenho de suas funções através da forma como os tratamos e os “vemos”.

Veja, que não falo aqui daquele sentimento que também pode parecer pequeno que é o de “ajudar”.
Não.
Falo de respeito, cumprimentos dados olho no olho. Atenção dada e dispensada a um igual e não um “inferior” que eu me digno a olhar.
Essa forma que denota preconceito existe sim e a pesquisa apontada mostrava isso.

Portanto fica minha dica de auto reflexão…

Uniformes & Invisibilidade

Outro aspecto interessante nesta pesquisa foi apontar que em muitos casos os uniformes servem como “manto de invisibilidade”. Já que por meio de tais uniformes condiciona-se pessoas a determinados usos do espaço social. Indicam de onde vem e qual a função que ocupam e como devem ser “vistos”. É uma dentre tantas fronteiras que os espaços profissionais podem tecer.

Os uniformes, muitas vezes usados como garantias de segurança ou hegemonização dos espaços liga-se profundamente a ideia de exercer o controle, poder e vigilância.
Essa coisa de exercer a vigilância como forma de centralizar o poder e controlar pessoas é talvez a grande ambição humana. Acho que a relação humana acaba sempre colocando como mediação formas de controle para justificar atuações, sejam elas políticas, sociais, econômicas, entre outras.
Basta pensarmos em Michel Foucault.

Como se vê, as barreiras não são apenas físicas e edificadas com tijolos. Podem estar à nossa volta e o que é pior, podemos ser nós a erigi-las. Por isso, creio que lidar com o diferente é algo que começa em casa e o outro terá que ser incluído em nossas existências, posturas e ações. Falar, projetar e pensar sempre é mais fácil que agir. Mas é nossa responsabilidade colaborar para esse salto qualitativo de relação.

Creio que aqui seja um bom momento para assistirmos o próprio pesquisador falando sobre seu tema:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=YfxURcfSPRw?wmode=transparent]

Vejo que o fundamental é sempre olharmos com várias perspectivas, e nisso a troca com outros é fundamental. O que para nó,s às vezes não é óbvio ou claro, pode ser oferecido pelo olhar alheio.

O que fica claro para mim a cada cumprimento é que em sua essência todos gostam da mesma atenção. Então, por criar diferenças?

Como digo sempre, temos que olhar de um ponto de vista empático. Se não soubermos exercer a empatia pouco prosseguiremos no sentido de extirpar esse mal do nosso meio. Estimular a empatia, e exercê-la cotidianamente, nos tornará melhores e mais receptivos do outro. Escrevi sobre empatia em outro post, você poderá saber mais clicando aqui:

A invisibilidade também pode projetar-se em casos de servidores, funcionários ou colaboradores que também oferecem seu intelecto e experiência por anos a fio e que de repente se defrontam com seu “descarte”. Aposentados, ou mesmo demitidos, são postos à parte como se tudo o que soubessem não valesse nada.

Neste ponto, e muito afeita a minha área de atuação, creio que entra uma forma muito interessante de uma instituição reverter esta invisibilidade/descarte com valorização de capital intelectual.

Mas, como?
Quando as instituições reconhecem que estas pessoas podem contribuir e muito para a fortalecer a Memória Institucional e a Cultura Organizacional o passo para o abandono à invisibilidade é dado!

Nós na ER Consultoria trabalhamos com prazer em Projetos que auxiliam as instituições a dar e receber o melhor enquanto preocupam-se com sua Identidade institucional e valorizam o Capital Intelectual de sua organização.
Consulte-nos e saiba como podemos trabalhar hoje, amanhã e sempre, para que nunca a invisibilidade assole e faça perder o valor primeiro de uma organização e sua herança para o futuro.
Ao mesmo tempo em que se garante a produção de Conhecimento e Inovação.

Escolho para encerrar esse post um poema.

É de Bertolt Brecht,

“Perguntas de um trabalhador que lê”:

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?

Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?

E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?

Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a edificaram?

No dia em que a Muralha da China ficou pronta, para onde foram os pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo: quem os erigiu?

Quem eram aqueles que foram vencidos pelos Césares?

Bizâncio, tão famosa, tinha somente palácios para seus moradores?

Na legendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados continuaram a dar ordens a seus escravos. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho?

César ocupou a Gália. Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro?

Felipe da Espanha chorou quando sua frota naufragou. Foi o único a chorar?

Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem partilhou da vitória?

A cada página uma vitória. Quem preparava os banquetes comemorativos?

A cada dez anos um grande homem. Quem pagava as despesas?

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Qual o perfil do Gestor de Conhecimento?

Por: Eliana Rezende

Gosto sempre de incentivar as pessoas interdisciplinarmente. Não creio num mundo compartimentado, creio num mundo que integre vários modos de pensar!

É este novo mundo que se descortina para nós. Buscar conexões possíveis entre áreas e manter o espírito aberto para dialogar é o que nos deve manter.

Sempre digo que nesta seara falo não como uma especialista, mas antes de tudo, como uma observadora.

Em teoria as pessoas “decoram” tudo corretamente.
Mas me aflige o caldo de confusões que muitos cometem “tentando”. Também me aflige a confusão que muitos fazem de gestão de conhecimento com ferramentas tecnológicas.
Este talvez seja o mais crasso de todos.
Não se lida com intangíveis com um pensamento que vem de forma binária.

Eu própria tenho minhas reservas até mesmo em relação ao termo “Gestão do Conhecimento”, e considero que em geral somos capazes de fato de gerir informação. Não há como gerir o que seja alheio ao indivíduo. Acho que prefiro a expressão “Gestão de Informação para a produção de Conhecimento”.
Eu sei, eu sei que este termo não existe nos meios corporativos e que em uso é o Gestão de Conhecimento. Mas abstraindo-me de tudo isso, lanço a discussão por crer que toca a todos os que lidam com informação sem distinção, direta ou perpendicularmente.

Sou uma humanista. Apenas e tão somente… por isto, tantos temas e inquietações. A possibilidade de aprender com outros e dividir prismas é o meu objetivo. E num tema como este não poderia ter outro olhar.

Percebo como necessária esta forma de ver e conceber empresas que estão aprendendo a gerir seu capital intelectual. Isso é bastante significativo quando pensamos que cada vez mais lidamos com massas de informações que podem ou não gerar conhecimento e inovação e que em boa parte dos casos podem estar retidas também em formas de experiências profissionais de cada um.

Gosto sempre de frisar isso, pois na minha concepção o Conhecimento não é algo que preexiste em algum lugar e simplesmente o tomamos. Considero-o como o produto de uma ação consciente e pontual em transformar informação em algo mais. É uma ação consciente que parte de um indivíduo e de seu repertório. Repertório este alimentado por toda a gama de experiências que possa ter.

Como forma de esclarecer isto, sugiro a observação atenta da apresentação abaixo:

[slideshare id=35083998&doc=informaoeconhecimento2-140524170239-phpapp01]

Tomando-se esta perspectiva não acredito que atores extrínsecos ao indivíduo possam gerir aquilo que é de sua absoluta competência. Por isso, não gosto da expressão Gestão de Conhecimento. Como dito acima, podemos sim ter agentes facilitadores para que a Informação circule e gere novas possibilidades de produção de conhecimento, criação e inovação.

Por outro lado, o professor W. Jones, da University of Washington, USA alega que a definição deste profissional é uma tarefa difícil. Ele indica isso fortemente em um artigo recente (e que você pode ler a seguir), de nome: “Nenhum conhecimento existe sem uma informação” (http://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/3062/2600)

Por isso, a importância não apenas de produzir informações, mas essencialmente de distribuir criativamente o que se tem e manter uma inquietação necessária aos constantes acréscimos.

Questões sobre como oferecer o ambiente propicio para que tal ciclo virtuoso ocorra é um dos desafios das instituições. Não basta ter planos, estratégias, metas bem traçadas e delineadas, índices de performance (KPI) se no seu corpo faltarem profissionais com tal espírito compartilhador e interdisciplinar. Sob esta ótica, é preciso não de “tarefeiros”, meros executores, cumpridores de metas e afins, mas antes de tudo são necessárias pessoas com a capacidade de engendrar e compartilhar… com espírito colaborativo e motivador da criatividade e Inteligência própria e alheias.

Usualmente os gestores de conhecimento vêm de disciplinas variadas. Dependendo muito da cultura organizacional são engenheiros ou administradores e, recentemente, até gestores de TI que são chamados para ocupar e exercer esta função. Mas nada impede que sejamos cria de outras disciplinas, às vezes isto até ajuda.

A função do Gestor de Conhecimento vai muito além da disponibilização de informação, do mapeamento e catalogação. Necessariamente vai além de ferramentas tecnológicas ou processos desenhados desta ou daquela forma com receitas prévias.
Essas são funções que preexistem e fazem parte das rotinas institucionais, mas não encerra suas funções. O olhar do Gestor de Conhecimento sob esse aspecto deveria ser muito mais holístico e abrangente do que tais funções.

Não creio em receitas prontas, e muito menos daquelas que seguem em listas com os 10 pontos…os 6 ou os 5 pontos… Isso não existe!
Acho que o primeiro passo efetivo a ser dado é reconhecer que as receitas não servem à pessoas! São eficientes na culinária! E dependendo de quem as faz ainda podem dar errado só com perdas de ingredientes. A metáfora aqui é excelente: já que uma empresa pode ter ali todos os ingredientes que resultarão em algo muito bom, mas se o profissional responsável em conduzir o processo não tem esse cabedal, tudo se perde.

Acredito sim, que pessoas com o perfil citado acima, e que tenham um bom repertório intelectual, metodológico, amplamente experienciado em suas vivências profissionais terão maiores chances de êxito, apenas e tão somente isso.

Imponderáveis poderão ocorrer quando o mesmo indivíduo estiver submetido à diferentes grupos de indivíduos e/ou instituições. O mesmo profissional terá resultados diversos de acordo com o ambiente e a cultura organizacional em que estiver inserido.

Creio sim em lapidação! E esta, precisa e deve, ser feita. Reside aqui uma característica importantíssima: o candidato a Gestor de Conhecimento deve ter antes de tudo essa humildade de entender que sempre estará aprendendo e assimilando coisas. Nunca poderá ter a atitude presunçosa de achar que sabe o suficiente e que seu papel seja só ensinar. Será um eterno aprendiz… e aceitará isso.

De novo insisto que a questão da interdisciplinaridade me seduz e não consigo pensar em trabalho que não seja assim, em especial quando envolve um grupo. Gosto dos grupos e das possibilidades advindas por múltiplos olhares. Em minha experiência, vejo a necessidade de muita flexibilidade, é um esforço pessoal, mas sinto-me recompensada. Preciso lidar com pessoas de diferentes áreas e formações para que juntos possamos construir na instituição as normas, procedimentos e ações em torno da Gestão da Informação.

No desempenho desta atividade, noto que o grande hiato entre diferentes áreas é a segmentação e, destarte, a dificuldade de interlocução. As pessoas costumam estar sempre muito voltadas para o seu “centro” e desperdiçam oportunidades de ver o que está ao seu redor, ou mesmo mais além.

Creio que neste ponto a metáfora que se adequa é a do fazedor de pontes… Não devem haver muros e divisões e acho salutar que as fronteiras sejam movediças e todos troquem suas fontes e aprendam com a flexibilidade.
Essa é uma característica muito importante a ser desenvolvida.

Dito isto, e retomando a nossa questão inicial de: qual é o perfil desse profissional Gestor de Conhecimento, segundo a minha perspectiva?

Vejamos:

Tal profissional deve se capaz de aceitar respostas diferentes para as mesmas perguntas.
Dever ser do tipo que não descarta, a priori, como erradas respostas que apenas sejam diferentes das suas. Em muitos casos, não há certo ou errado: há apenas o diferente!

Deve saber liderar equipes trans e multidisciplinares, ter sempre uma atitude de facilitador para que trocas e aprendizagens se façam. Deve ter uma atuação de empatia e acesso ao outro: só assim o valor de subsidiar esclarecimento de dúvidas, estímulo à interação e o compartilhamento se efetivarão.

Precisa ser um profissional com livre trânsito e acesso à Geração Y e conhecer de perto a matéria-prima e DNA de que sua instituição é feita. É preciso ser alguém que não apenas conheça, mas que faça circular atributos da cultura organizacional: valorizando-a e aprimorando-a tanto quanto possível a partir da experiência de todos.

Dever ter espírito curioso e interessado: ser humilde e reconhecer que aprende sempre e todos os dias. E mais do que isso: ser generoso em partilhar e distribuir o que sabe!

Deve ter profundo interesse pelo aprimoramento e aprendizagem não apenas de si próprio, mas de todos os que lhe cercam, tirando de cada oportunidade e pessoa o seu melhor.

De todas essas características, ser bom ouvinte é dos exercícios que o Gestor de Conhecimento deve procurar melhor desenvolver. Dar-lhe-á o sentido do respeito à experiência do outro.

Por trabalhar com Projetos de Memória Institucional é usual recorrermos à metodologia de coleta de depoimentos e isso nos dá sensibilidade e proximidade com a construção de outros saberes e outras perspectivas que informam o presente e engendram outros caminhos e possibilidades. Mas isso é assunto para um post inteiro…

Como podemos ajudar?
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* Publicado originalmente no blog Pensados a Tinta

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