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Quando as livrarias morrem…

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Recentemente tivemos o fechamento de muitas livrarias não apenas no Brasil mas pelo mundo à fora. Fato que nos causa certa estranheza por seu significado, já que ao ‘morrerem’ levam consigo todo um modo de convívio possibilitado por suas prateleiras e frequentadores. O vazio deixado ultrapassa questões como salões e lojas vazias. O que o corre é uma morte simbólica de muitas formas de vida e de trocas: a intelectual, a cultural, a criativa, a recreativa, a afetiva.
Explico:

Cria de São Paulo, o percurso por livrarias e sebos da cidade faziam parte de meus itinerários propositais: de livrarias pequenas em alguma esquina de alguns bairros à grandes livrarias com acervos imensos havia de tudo. Nos meus tempos da faculdade existiam as livrarias espalhadas pelo Campus que ofereciam temas e autores muito específicos de cada área. Era fácil nos perdermos entre suas prateleiras e folhearmos com voracidade os exemplares que estavam ali para serem manuseados, folheados, apalpados, cheirados e até “degustados”, aumentando ainda mais o desejo de trazê-los para as prateleiras de casa. 

E assim, a cidade tinha para mim como suas referencias as livrarias e os quarteirões em que elas existiam, e as cafeterias que as acompanhavam. Eram circuitos completos de possibilidade e relações, onde a história da cidade e a minha própria história se entrecruzavam e faziam surgir memórias com notas diversas: desde as olfativas às gustativas e emotivas. Alguns trechos especiais ofereciam, cinemas com livrarias e cafés como era o caso do Belas Artes ou dos cinemas da rua Augusta que foram se sucedendo pelos anos até finalmente baixarem suas portas. Pelas ruas que formavam apenas alguns quarteirões tínhamos o melhor de livros de Cultura & Arte, mas não apenas nas livrarias. À noite os vendedores de livros usados montavam suas bancas e vendiam ou trocavam com outros. Eram roteiros perfeitos com caminhos perfeitos, estimulavam paixões, imaginação, introspecção e mergulhos profundos a ideias diversas desenvolvidas em diferentes tempos. Os autores serviam como vozes de inquietação e estímulo, além de companhia perfeita para tardes chuvosas e cantos acolhedores. Às vezes, estes livros nos faziam companhia nos transportes públicos ou momentos de longas esperas. 
Eram fiéis companheiros nas idas às bibliotecas enquanto pesquisas eram desenvolvidas. Mundos e civilizações se descortinavam… sociedades e comportamentos analisados. As livrarias serviam como bunkers que nos serviam de proteção ou ataque ao que quer que fosse. Sentíamos que estávamos abrigados e protegidos com os nossos.

Mas a cidade foi sendo ‘consumida’. Numa autofagia muito própria, diferentes territórios foram desaparecendo dando vez para que cinemas virassem templos, antigas residências que formavam um quarteirão inteiro viravam da noite para o dia estacionamentos. Em outros casos, incorporadoras que conseguem tornar caixas de 15 metros quadrados em ‘loft‘. Palavra chic que significa apenas que você come, dorme e vive num cômodo apertado. O adensamento populacional trouxe gentrificação aos locais e antigos lugares de encontros possibilitados por livrarias ou pequenos livreiros foram sendo simplesmente abduzidos.  

Em verdade, em muitos bairros as livrarias foram simplesmente desaparecendo, deixando para trás a memória dos que ali iam, liam e trocavam experiências, leituras… vidas. 
As portas baixadas, com seus letreiros desatualizados e em vários casos, as pichações indicavam que as livrarias que ali habitavam haviam deixado de existir e que nunca mais retornariam. As fachadas se transformavam em um grande epitáfio simbólico da morte literária ocorrida.

Afinal, o circuito propiciado por livros, leitores e locais que abrigam leitores e ideias, fazem com que haja uma rede de circulação criativa. Se os lugares que abrigam tais livrarias começam a desaparecer uma ‘morte’ metafórica começa a ocorrer. 

Uma livraria, tal como uma biblioteca é um espaço múltiplo e diversificado que oferece em suas prateleiras títulos, sonhos, visões, caminhos… Quando deixam de estar ali presentes deixam todo um espaço de vivência, como se fosse uma grande e irremovível cratera. 
Torna-se um não-lugar, já que até um determinado ponto era referência e lugar.

Mas como poderiam morrer? 

As livrarias não morrem apenas quando baixam suas portas. Morrem todos os dias quando suas prateleiras precisam ser preenchidas com joguinhos eletrônicos, artesanatos, quebra-cabeças e pequenos objetos que servem às lembranças. Quando os marcadores de páginas deixam de existir, pois muito lerão apenas pequenos trechos em suportes digitais. 

As livrarias começaram a morrer, quando os textos pararam de ter o tamanho que seu escritor queria para que suas ideias se expandissem e brincassem com o imaginário de seus leitores. Aos poucos, os livros começaram a ter que ser escritos com poucas palavras e passaram a ser recheados com mais imagens. Os textos, que antes circulavam entre pessoas no formato de livro percorrem agora uma teia digital que usa emogis para indicar a qualidade do escrito. 

E não apenas isso! 

Os formatos digitais oferecem as editoras como a Amazon a possibilidade de saber o número de páginas lidos por um leitor, em quanto tempo, e se foi deixado em algum momento da leitura. A métrica serve de indicador para a editora saber se certo gênero ou autor merecem ou não ser publicados.

E assim, numa relação que era apenas entre leitor e escritor, entra uma figura estranha e algorítmica que determinará a morte literal deste ou daquele escrito e autor. 

Ainda tomando-se em conta este novo mundo livreiro de mensurações algorítmicas, novas perdas se somam: 

O mundo cada vez mais digital, cada vez mais distante e solitário é também mais bruto e literal. Afinal, para que gastar com metáforas que estimulem imaginação?! 

Os escritos seguem rápidos e ágeis para combinar com atenções cada vez mais dispersas. A escrita cada vez mais linear se assemelha ao mundo das animações, onde mais que um roteiro bem escrito, utilizam em sua maioria sons e cores que impactam.  

Mas as livrarias não começaram a morrer com o mundo digital somente. Elas começaram a morrer bem antes, quando os leitores começaram a rarear e quando a sobrevivência de grandes livrarias parecia estar ligada à existência de outros atrativos para além dos livros.  

Em minhas memórias, o maior exemplo que tive foi a Livraria Cultura localizada na Av. Paulista dentro do Conjunto Nacional. Acompanhei todo seu caminho de crescimento e ampliação, sua transformação em uma espécie de shopping onde você podia ouvir CDs antes de os comprar, leituras dramáticas, jogos, e uma quantidade infinita de lembranças eram oferecidas aos visitantes. Quando chegou a este ponto deixou de ser minha livraria do coração para ser convertida em ponto turístico e os que ali estavam não tinham nada que ver com a cidade que havia crescido e vivido. Eram estranhos visitando um lugar, não era a livraria que servia de ponto de encontro de todos que moravam ou trabalhavam na região. Essa mudança foi muito profunda e sentida por mim. Aos poucos, as livrarias especificas de Arte e Tecnologia foram novamente reunidas. Num dia andando desavisadamente encontrei no espaço de livros de Arte um mercadinho de conveniência do Carrefour Express. Senti como que uma facada no peito. A seguir, até o Restaurante e Café Viena baixou as portas. Entendi que era hora de parar pois a minha livraria já não estava mais lá. Havia se convertido em apenas um produto, e que não resultou em todos os seus esforços: faliu! 

Ou seja, o caminho de morte das livrarias físicas é um fato corriqueiro em todas as grandes cidades do mundo contemporâneo. Os livros continuam a ser lidos e consumidos, hoje com muitas possibilidade de suportes, mas os livros apenas nos chegam através dos correios. A vida trouxe-nos a possibilidade da entrega à domicílio e assim seguimos, mas sem nos conectarmos com o circuito que existiria se tantas livrarias não tivessem desaparecido. 

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Dias Escuros em Tempos molhados

Por: Carlos Drummond de Andrade – Correio da Manhã, 14/01/1966*

Por: Eliana Rezende Bethancourt**

Os dias escuros
“(…) Amanheceu um dia sem luz – mais um – e há um grande silêncio na rua.
Chego à janela e não vejo as figuras habituais dos primeiros trabalhadores.
A cidade, ensopada de chuva, parece que desistiu de viver.
Só a chuva mantém constante seu movimento entre monótono e nervoso.


É hora de escrever, e não sinto a menor vontade de fazê-lo. Não que falte assunto. O assunto aí está, molhando, ensopando os morros, as casas, as pistas, as pessoas, a alma de todos nós. Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos, mortos, mortos.
Sobreviventes mariscando na lama, à pesquisa de mortos e de pobres objetos amassados. Depósito de gente no chão das escolas, e toda essa gente precisando de colchão, roupa de corpo, comida, medicamento.
O calhau solto que fez parar a adutora.
Ruas que deixam de ser ruas, porque não dão mais passagem. Carros submersos, aviões e ônibus interestaduais paralisados, corrida a mercearias e supermercados como em dia de revolução.

O desabamento que acaba de acontecer e os desabamentos programados para daqui a poucos instantes.
Este, o Rio que tenho diante dos olhos, e, se não saio à rua, nem por isso a imagem é menos ostensiva, pois a televisão traz para dentro de casa a variada pungência de seus horrores.
Sim, é admirável o esforço de todo mundo para enfrentar a calamidade e socorrer as vítimas, esforço que chega a ser perturbador pelo excesso de devotamento desprovido de técnica. Mas se não fosse essa mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento humano, à revelia do governo incitando-o à ação, que seria desta cidade, tão rica de galas e bens supérfluos, e tão miserável em sua infra-estrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho?
Mobilização que de certo modo supre o eterno despreparo, a clássica desarrumação das agências oficiais, fazendo surgir de improviso, entre a dor, o espanto e a surpresa, uma corrente de afeto solidário, participante, que procura abarcar todos os flagelados.

Chuva e remorso juntam-se nestas horas de pesadelo, a chuva matando e destruindo por um lado, e, por outro, denunciando velhos erros sociais e omissões urbanísticas; e remorso, por que escondê-lo?

Pois deve existir um sentimento geral de culpa diante de cidade tão desprotegida de armadura assistencial, tão vazia de meios de defesa da existência humana, que temos o dever de implantar e entretanto não implantamos, enquanto a chuva cai e o bueiro entope e o rio enche e o barraco desaba e a morte se instala, abatendo-se de preferência sobre a mão de obra que dorme nos morros sob a ameaça contínua da natureza; a mão de obra de hoje, esses trabalhadores entregues a si mesmos, e suas crianças que nem tiveram tempo de crescer para cumprimento de um destino anônimo.

No dia escuro, de más notícias esvoaçando, com a esperança de milhões de seres posta num raio de sol que teima em não romper, não há alegria para a crônica, nem lhe resta outro sentido senão o triste registro da fragilidade imensa da rica, poderosa e martirizada cidade do Rio de Janeiro (…)”.

Rio de Janeiro – 1966

Não, não a História não se repete…a História não é cíclica. Nós humanos que gostamos de nos repetir em nossos erros vezes sem conta.

Aprendemos pouco com o que o Tempo nos deu e teimamos em ocupar espaços que não nos pertencem, em cobrir caminhos que margeiam rios, encostas. Teimamos em alterar itinerários, desmatamos e largamos cicatrizes imensas em territórios que não possuem como se proteger a não ser permitir que corredeiras se façam.
As águas que escorrem misturam-se a terra que rapidamente vira lama e esta como uma onda pegajosa arrasta construções, objetos e pessoas quase sem diferenciar cada um deles pela força que os consegue arrastar. Deixa atrás de si um rastro de destruição, perdas e mortes.
E é assim que todos os verões sabemos que a chuva chegará dentro de uma grande nuvem negra, que se desabotoará por encostas e atingirá prontamente aqueles que nem sempre por escolha estão ali. E assim, ano após ano contamos nossos mortos e ouvimos as promessas que NUNCA se cumprirão de que haverá moradias e lugares decentes para todos.

Tal como nos diz o poeta são nos dias escuros que percebemos que a luz que nos deixou trouxe a água que enche ruas, bueiros e leva tudo o que encontra. Serão estas águas que carregarão os corpos de trabalhadores urbanos e suas casas insalubres e farão subir as estatísticas das vidas que foram interrompidas. Acontece que vidas interrompidas são projetos de existência que não se deram, que não ocorreram e NUNCA poderão ser confundidos com estatísticas de inundações, deslizamentos ou desabamentos.

A cidade, os leitos de rios e córregos transbordam e acabam por refletir a forma como eles próprios são maltratadas, usados e desrespeitados. O lixo produzido e jogado por janelas ou despejados em esgotos ilegais auxiliam no acúmulo do que será despejado logo à frente quando estes encontrarem barrancos e barracos.

Os elementos são muitos e variados e cada sociedade e tempo traz seus elementos que comporão as crônicas do dia seguinte, que parece se repetir indefinidamente… não adianta culpar a História… é preciso aprender com ela para simplesmente parar de se repetir…

São Sebastião – São Paulo Fevereiro de 2023

______________
* A enchente a que o poeta se refere é a ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1966, que resultou em 250 mortos e mais de 50 mil desabrigados.
** A escolha de publicar a crônica do poeta se deu pelos volumes de chuva no Litoral de São Paulo em Fevereiro de 2023 onde choveu em 14 hs e 683 mm de chuva. O maior índice pluviométrico da História do país até aquela data.

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Sampa: a Velha Senhora…

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A cidade que nasci faz anos.
Mas não é para mim um aniversário feliz.
Talvez muito ao contrário, é como se eu perdesse a cidade que nasci, e que me vi crescer e amadurecer.
Os anos tanto para as pessoas como para as cidades, podem trazer-lhes grande e profundas marcas. Suas existências são vincadas por tudo o que há ao seu entorno, mas também ao que é parte de si.

Ironicamente, minha cidade faz aniversário quase junto comigo, uma diferença de apenas 3 dias! E talvez por isso, impossível esquecê-la e não pensar no que o Tempo tem feito com ela e suas gentes, incluindo a mim mesma.

Antes, e talvez por causa do frescor da minha juventude idealista e com muitos objetivos ela parecia-me tão atraente, desafiadora e até bonita em seus cantos, pontos, vilas e diversidades. Me atraia pelo que pareciam ser seus desafios, movimentos, edificações e gentes. Parecia um caldo onde muito e tudo poderia ocorrer e eu estaria ali para ver tudo isso bem de perto. A metropolização e adensamento neste tempo me parecia altamente positivo e chegava achar que ela crescia junto comigo. Cada rua, prédio, viela e equipamentos públicos representavam para mim um mapa de tesouros a descobrir: eram trilhas por diferentes tribos e isso servia de estímulo.
As ruas sinuosas e sem planejamento sempre foram desafios aos que por ela passam: tradição mantida deste os tempos de tropeiros e bandeirantes, mas que sempre foram para uma nativa um meio de fugir de imensos congestionamentos. As ruas tinham significado, alma, histórias. Bastava chegar até elas que todo o repertório de memórias eram acionados. Odores, sabores, cores me enchiam de recordações e isso era mesmo muito bom.

À medida que o tempo passou fraturas começaram a se fazer. Talvez tenhamos nos perdido nos excessos: gentes densamente amontadas em espaços exíguos foram tornando espaços antes tão agradáveis e estimulantes e locais que deixei de reconhecer como os que me acompanharam por toda a minha adolescência.

As sombras de prédios cada vez mais altos foram trazendo sombras e compartimentos. Cada vez menores, as vidas começaram a se miniaturizar, os espaços de convivência quase sempre se transformaram em estacionamentos, cinemas em igrejas, praças em ocupação para consumo de drogas, o verde foi desaparecendo na mesma velocidade que o asfalto e as vias se entupiam de latas sobre rodas, as livrarias foram paulatinamente dando lugar à venda de eletrônicos e quinquilharias sem valor agregado quase que algum.

Os relógios parados às portas de grandes magazines mostram que o tempo não volta, também não marcam mais as horas das sirenas, das entradas e saídas de fábricas, construções ou comércios. As portas fechadas às centenas nos apresentam apenas portas pichadas no aço escurecido de fuligem e poeira.

E assim, pouco a pouco fui sentindo que perdi a cidade em que nasci. Já não a reconheço como minha. Completamente gentrificada expulsa para longe os que são seus filhos e acomoda o capital como uma nuvem de gafanhotos, que muito em breve a abandonará e seguirá para o próximo ponto de destruição.

Infelizmente todo este processo autofágico foi mudando completamente minha perspectiva e olhar.
São Paulo não é mais aquela que eu via, vivia e sentia. Perdeu-se em algum momento da minha existência.

O olhar, hoje mais distante construído por muitos deslocamentos, idas, vindas e desapegos me obriga a vê-la de outra maneira.
Hoje ela está resignificada por mim.
Neste novo olhar detecto:

Praça Carlos Gomes – SP

Sampa agoniza…
Sinto-a como uma Velha Senhora que está morrendo. E morre, não em seu momento de glória e vigor.
Deixa a cena de forma triste… é um corpo obeso que se movimenta com dificuldade: excedeu em muito suas capacidades de acomodar seus volumes imensos.

Suas artérias estão obstruídos e doentes. Não lhe faltam pontos de congestionamentos, deterioração, cicatrizes…
Seu pulmão falha, e quase não respira. Falta-lhe oxigenação. O cinza toma conta do ar que a alimenta. 
Seu coração é o mesmo (um centro doente e volumoso) que já não acomoda e nem irriga suficientemente suas extremidades. Muitas partes sofrem a gangrena da pobreza extremada, da violência e de todo o conjunto que a miséria humana consegue patrocinar. O coração que antes batia forte hoje arfa com dificuldades de dar pulsação e ritmo ao que está distante.

Seus intestinos param dia a dia de funcionar. Os dejetos paralisam funções e não fluem como deveriam: seus córregos, rios e esgotos são apenas um caldo de abandono e descaso. Em vez de vida pulsando e se movimentando, o que há são vestígios dos restos: que se avolumam como indesejáveis e inservíveis. 

A visão turva, opaca e sem brilho lhe impede de enxergar a lucidez que antes via em fachadas, arquiteturas… as cataratas do tempo lhe tiraram a beleza límpida de cores, vistas e formas. É como se apenas silhuetas borrassem seus sentidos. A paisagem que avista é apenas uma sombra triste de um tempo áureo que se foi. A vanguarda arquitetônica é susbstituída por ruínas ou bota-a-baixo todo o tempo… clareiras de cimento se abrem para serem transformadas em áreas de estacionamento ou prédios que massificam e acumulam pessoas em cubículos sem graça.

A Velha Senhora hoje vive de memórias retrógradas cozinhadas em banho-maria pelo abandono. O espelho mostra o quanto os anos lhe marcaram e trouxeram desgaste e imobilidade. Não se identifica com o reflexo no espelho. Nem mesmo nas suas velhas fotografias.

Suas vestimentas e ornatos estão puídos, largados, sujos… Não possui mais bens de valor e seus adornos quase não existem mais. Expropriadas por tudo e todos. Viu na passagem do tempo suas edificações e  equipamentos urbanos ser diuturnamente roubados, quebrados, destruídos.

Já não ouve tão bem: os sons são muitos e lhe sobram apenas ruídos sem nexo. Muito barulho e quase nenhuma nitidez.
E apesar de toda a velhice e decadência, ainda chegam-lhe, ávidos, os que buscam as imagens de seu passado.
Triste confronto a todos, pois no espelho só há uma projeção disforme… de uma passado que se foi…nada além…

__________________
* Versão revista e atualizada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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♫ ♪ ♫ Tomara que chova…3 dias sem parar ♫ ♪ ♫

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Começo de ano sempre é tempo de Carnaval. Às vezes, pedimos coisas que quando os deuses nos ouvem há trabalho de montão.

Emilinha Borba fez uma das marchinhas mais cantadas nos carnavais de velhos tempos. Quer ouvir?

1950 – Emilinha Borba – Tomara Que Chova

♫ ♪ ♫

Tomara que chova

Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar

A minha grande mágoa
É lá em casa
Não ter água
Eu preciso me lavar

De promessa eu ando cheio
Quando eu conto a minha vida
Ninguém quer acreditar
Trabalho não me cansa
O que cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar

Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar

A minha grande mágoa
É lá em casa
Não ter água
Eu preciso me lavar

De promessa eu ando cheio
Quando eu conto a minha vida
Ninguém quer acreditar

Trabalho não me cansa
O que cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar

♫ ♪ ♫

Ás vezes no calorzão pedimos que venha a chuva… e no canto de Emilinha pedimos que seja como diz o refrão:

♫ ♪ ♫ Tomara que chova…3 dias sem parar ♫ ♪ ♫

Mas aí penso que não vai dar!
O que fazer com tanta água querendo entrar?
São as ruas que se enchem e ninguém podendo andar.
Jogado daqui pra lá é o lixo que insiste em voltar.

É tanto sofá, tanto colchão flutuando na correnteza e eu sem lugar seco para deitar.
Embalagens, frascos, latas flutuam num passeio de vai e vem.
E eu aqui parada tentando me salvar!
O gato já se foi, correndo para não se afogar.
Em meio a tanto entulho, frutas e legumes dançam desordenadas em meio a água das cheias que as teimam carregar.

A compra do mês embolorou e a roupa estragou.
Com tanta água suja nada se salvou.
Ir trabalhar não vai dar não: o transporte não vai funcionar.
O ônibus não vai chegar, o metrô vai parar e o trem vai encrencar.
Os carnês ainda estarão molhados quando for pagar, mesmo que a geladeira e o fogão tenham saído para boiar.

Agora é esperar toda água abaixar.
Tem muita lama para arrastar, e o que sobrou para limpar.
E torcer para que na próxima menos lama venha me encontrar.

Tanta água na rua e a minha torneira seca sem pingar!
Sem água para beber, para limpar, ou cozinhar.
Em breve vai chegar minha conta d’água para pagar.
É certeza que irão me acusar de ter gasto toda a água que ainda vai faltar!

Pensando bem, talvez seja melhor não chover 3 dias sem parar!

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* Post atualizado de texto publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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Por ruas e cruzamentos numa Pauliceia desvairada

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A maior metrópole do Brasil é famosa por seus congestionamentos que em determinados dias chegam a mais 350 Km. Um fato que não é novo e que revela uma cidade pulsante, com um ritmo acelerado.
Em dias recentes um debate intenso se colocou quando o Prefeito da cidade decidiu para o bem da diminuição de acidentes reduzir a velocidade nas marginais. Em pouquíssimo tempo uma onda de descontentamento se fez.

Em verdade, a cidade sempre conviveu com muitos e graves acidentes. A maioria quando ainda eram usadas apenas carroças.

Viaje comigo pelo tempo e percorra esta Pauliceia, que desde sempre parecia aos seus moradores como completamente desvairada:

Tal como outras capitais do mundo em fins do século XIX e nos princípios do século XX, São Paulo também via sua vida urbana crescer e se modificar. Assistia atônita uma gama imensa de transformações nos hábitos de vida, modos de produção e formas de deslocamentos e adensamento populacional.

As ruas da Pauliceia encontrava por parte dos que a administravam problemas de todas as ordens e constantemente eram alvo de acalorados discursos realizados na Câmara Municipal ou mesmo na imprensa diária, onde os problemas urbanos ganhavam o tom de reivindicações populares ou mesmo de críticas aos poderes constituídos.

São Paulo convivia com um aumento indiscriminado de sua população. Tal aumento, originário desde os tempos logo após a abolição da escravatura – que lançou nas ruas escravos forros e libertos – ao mesmo tempo recebia nas mesmas ruas aqueles que iriam prosseguir realizando o trabalho dos escravos: que eram imigrantes. Os italianos chegaram inicialmente, seguidos de outras etnias e nacionalidades que chegavam em levas da Europa.

Com tantos circulando pelas ruas da cidade o burburinho aumentava, e o ritmo de vida se acelerava, gerando cada vez mais políticas que visavam regulamentar os espaços, gestos e modos de viver a urbanidade, eram denominados códigos de postura. Temas como o trânsito e o barulho na cidade eram tratados periodicamente, e em muitos casos, era patente a tentativa de inclusão do maior número possível de situações passíveis de punição e regulamentação.

Os sons que vinham desta vida urbana eram muitos e variados. Daí que os que estavam interessados em elencá-los tinham lá uma tarefa bem grande. A imprensa em geral colaborava neste sentido, e com certa frequência publicava artigos como o Dr. J. M. de Azevedo Marques, intitulado “A tranquilidade publica perante a Municipalidade”, onde o autor fazia menção a alguns destes sons da vida urbana:

(…) Há dias passados um illustre scientista extrangeiro queixava-se, pela imprensa, com razăo e escarneo, de ser S. Paulo uma cidade insupportavelmente barulhente alludindo ao ruido exaggerado dos bondes, dos automoveis, dos sinos, dos vendedores de jornaes, dos caixeiros de cafés, da cachorrada a uivar, dos pregoeiros ambulantes ensurdecendo, atordoando, causando mau humor, impedindo o repouso, socego, a saude e o trabalho.

(…) Que diferença contra nós, si compararmos isso com o que vimos nas cidades mais agitadas do velho mundo: Londres, Paris, Berlim Bruxelas, Lucerna, Genebra, Vichy (…), onde tudo se passa calmamente, em relativo silencio: os vehiculos năo incommodam pelos ruidos, os sinos săo raros e commedidos, os automoveis fazem “chic” em năo buzinar, ninguem grita, năo há guizos estridentes; e por isso, alli se pode conversar nas ruas, nos cafés, nos vehiculos, nos escriptorios, como se pode repousar, dormir, viver.
(…) Aqui impossível. (…)”[1]

Como sempre a comparação depreciativa tomava como parâmetro o Velho Continente (modelo buscado como referência de civilidade). O articulista ocupa-se de tecer as comparações procurando mostrar quão distante São Paulo estava de cidades e civilizações europeias.

Alguns destes sons vinham de diferentes meios de transporte, personagens urbanos, ambulantes e seus pregões, feitos para chamar atenção ao seu trabalho, ou mesmo de animais que trafegavam soltos por ruas, ruelas e avenidas.

Dentre os instrumentos mais comuns estavam entre outros: o uso de sinos, campainhas além da própria voz do mercador em portas de teatros, praças, e mesmo de porta em porta.

AV. XV de Novembro, São Paulo – década de 1920

O artigo prosseguia em sua minuciosa descrição e se tornava interessante quando se referindo ao trânsito, relacionava a convivência com determinados aspectos do comportamento urbano com a ausência de moral. Ou seja, quanto mais imoral e próximo da barbárie a desqualificação moral mais suscetível ao hábito de sons que perturbavam a ordem alheia. Observe:

“(…) Há é certo, uma parte do povo que se não incommoda com tudo isso; são os insensíveis, os pandegos, os endurecidos e, podiamos dizer, os idiotas, cujas funcções meramente physiologicas e impertubaveis predominam sempre sobre as moraes; comem e bebem sempre bem, dormem sempre bem, riem sempre bem, vagam sempre bem, passam sempre bem, como si o mundo fora só elles. Mas essa minoria de “homens-vegetaes” não merece dictar regras ou servir de padrão aos outros, ás senhoras, ás crianças, aos velhos, aos doentes, aos trabalhadores, aos estudiosos aos sensiveis, aos civilizados. (…)”[2] 

Ritmos e deslocamentos: a cidade veloz

Este mesmo trânsito, considerado caótico, era o centro de duras críticas e revelava um articulista preocupado. Referindo-se ao barulho e a forma descuidada que muitos veículos eram conduzidos e os resultados em números de acidentes, acrescentava:

“(…) A norma –  “é gritar e matar” – o bonde dispara, tocando os tympanos em selvagem Ze-Pereira, e vai esbarrando e esmagando, haja o que houver; o automovel faz a mesma cousa: e assim substitui-se a pericia pelo barulho, entendendo os heróes conductores que buzinando e badalando podem matar livres de culpa e pena. (…)”[3]

Os registros de acidentes de trânsito eram muitos e variados, incluindo batidas de automóveis em outros veículos, em postes ou em outras formas de obstáculos, bondes que se chocavam ou saíam dos trilhos, e atropelamentos – em geral, eram a maioria das ocorrências policiais. Saber sobre tais registros também nos fornecem ao mesmo tempo sobre esta cidade. Relava que havia um número crescente de pessoas circulando pelas ruas e experimentando uma nova forma de vivência: relacionada aos ritmos da velocidade e das deslocações pelo espaço social. Algo que até então não era possível sem as invenções como automóveis, bondes e trens. A convivência com a maior velocidade era algo intrigante, pois se de um lado favorecia deslocamentos para lugares impensáveis em curto espaço de tempo, por outro lado, mostrava que ainda era difícil lidar com atropelamentos, descidas acidentadas de bondes e mesmo dividir o espaço da rua com pedestres, cavalos, carroças, carros, bondes e condutores.

Bonde 41 saiu dos trilhos na rua Carandaí, esquina com a antiga rua Inhaúma, entrando no terreno da Sociedade Amigos da Casa Verde

Os relatos de tais ocorrências em vários casos transformavam-se em inquéritos policiais redigidos por delegados responsáveis nas diferentes circunscrições, tornava-se uma espécie de crônica policial sobre os problemas relacionados ao trânsito da cidade. Uma leitura atenta destes registros nos ajuda a perceber como esta cidade se movimentava e se relacionava com seu entorno, ao mesmo tempo que novos hábitos se instalavam.

Carlos Pimenta, Delegado da 5ª Circunscrição em São Paulo, é um destes que chamo de ‘cronistas policiais’. Sua escrita miúda, recheada de pequenos detalhes ajuda a dar cor e tom às impressões de uma autoridade sobre diferentes infrações ocorridas no espaço da cidade, tentando da melhor forma encontrar argumentos que viessem convencer de culpa ou absolvição as partes envolvidas. São relatos envolvendo crimes de diferentes ordens, em especial os que são relacionados a moral e bons costumes (inserem-se aí os crimes de vadiagem, prostituição, jogo, defloramentos, homicídios, entre outros) além claro, das infrações de trânsito.

Citando algumas destas infrações, o delegado Carlos Pimenta comenta sobre os atropelamentos e a forma considerada descuidada de motorneiros e passageiros conduzirem e se portarem nos veículos que transitavam pela cidade:

“(…) Trata este inquerito da eterna questão dos atropellamentos por vehiculos. Enquanto tivermos leis benignas para o caso, os taes senhores condutores, chaffeurs e cocheiros andarão sempre sem o necessario cuidado, á matroca, a catar as pernas de um pobre mortal, ou mandal-o sem demora para outro mundo (…)”[4]

No caso específico deste inquérito, Carlos Pimenta retomava a questão da ausência de uma lei de trânsito que viesse atender de perto a necessidade de punir eficientemente infratores perigosos. A tônica sobre as leis de trânsito era constante, e em sua fala mais de uma oportunidade retomava este tema, em especial em relação ao número elevado de acidentes envolvendo atropelamentos e/ou imprudência da parte de motorneiros, condutores, passageiros e pedestres.
São os casos, por exemplo, dos seguintes inquéritos:

1)      “(…) É um eterno problema a questão de desastre por automoveis e dia a dia os atropelamentos vão crescendo de modo assustador. Este inquérito trata de mais um, cuja victima é o menor Antonio de Toledo, com 6 annos de idade (…) O automovel que apanhou o menor tinha o nº 2950 e (…) o auto caminhava com marcha acelerada e com pharóes apagados (…)”[5]

2)     “(…) O veso antigo de todos os conductores de vehiculos, nesta Capital, andarem em vertiginosa carreira, procurando a morte para si e para os outros, é coisa que lhes póde tirar. São multados, processados, castigados, afinal dentro de nossas benignas leis e dos nossos liberrimos regulamentos. Mas a attração, a sympatia pela vertigem de corrêr é inevitável. (…) Devido a essa loucura, ou melhor, essa falta de prudencia, este inquerito registra um desastre desta natureza. No dia 10 do corrente, Segunda feira, ás 21 horas, o bonde de passageiros nº 423, na linha Tamandaré, tendo como conductor Abilio Pires, chapa nº 476 e como motorneiro Manoel de Moraes, chapa nº 877, ao fazer a curva da rua Castro Alves para entrar na rua acima referida, por imprudencia absoluta do alludido motorneiro, saltou dos trilhos, subindo no passeio, ficando as primeiras rodas sobre o mesmo (…)”[6]

Carlos Pimenta se coloca como mais um dos que criticavam as leis em vigência na capital e a forma considerada branda de tratamento dos infratores em geral. Em diferentes circunstâncias se refere às leis de trânsito como sendo benignas demais para serem respeitadas.

Além da velocidade e descuido dos condutores de veículos, os inquéritos nos fazem saber sobre a imprudência cometida pelos que trafegavam nas ruas. Um destes refere-se especificamente a distração e ao hábito sempre corrente de saltar dos bondes quando estes ainda estavam em movimento:

“(…) ás 21 horas, João Rebulhedo, que guiava o automovel nº 4016 pela Avenida Brigadeiro Luiz Antonio com destino á Avenida Paulista, seguia atraz de um bond da linha Paraizo quando, perto da rua Conselheiro Ramalho, o conductor Daniel Paes, que se achava de folga viajando neste bond, ao descer delle, em movimento, foi apanhar e ferir este conductor (…)

(…) João Rebulhedo explica em suas declarações que seguia o bond numa distancia de dois metros quando, inesperadamente, saltou delle esse conductor de folga. Sem tempo de evitar o desastre, pois Daniel, ao descer, lhe passou á frente – conseguiu ainda evitar sua morte, com a monobra rapida que fez. (…)”[7]

A prática de saltar dos bondes quando estes ainda estavam em movimento, além da travessia imprudente de pedestres acabaria por levar diferentes propostas à Câmara de vereadores de São Paulo sobre a aplicação de multas. Dentre alguns destes projetos temos, por exemplo:

“(…) Não existe, entre nós, a regulamentação do transito de pedestres. Essa falha é absurda, tanto quanto, no meu entender, essa regulamentação é o ponto de partida para uma boa legislação que venha resolver esse problema. (…) em Londres, (…) qualquer pessoa que atravessar uma rua em momento improprio, não pagará sómente multa; será presa immediatamente.E, si essa imprudencia der origem a um desastre, responderá pela parte dos dannos que provocar (…)”[8]

Abaixo uma imagem no Largo de São Bento, onde é nítido o movimento de subir e descer dos passageiros com os bondes em movimento. Além disso, transeuntes, carros e bondes compartilham o mesmo espaço exíguo, gerando aos pedestres inúmeras chances de atropelamentos quer por um quer por outro.

Bonde elétrico aberto no Largo de São Bento, na capital paulista, por volta de 1930, circulando na linha de São Caetano (criada em 1902 e extinta em 1942)

NO calor das discussões diferentes sugestões surgiam para um problema que não conseguiu no decorrer do tempo uma solução satisfatória.
Prova disso é que já estamos no século XXI e enfrentamos praticamente as mesmas questões, criticas e ponderações.

Destas ocorrências há diferentes registros fotográficos detalhados pela perícia técnica e interessante quanto ao fornecimento dos tipos de acidentes[9], ruas de maiores incidências, e assim por diante.
As imagens tomadas como documentação para incorporar o inquérito revelavam em detalhes a forma como o acidente havia ocorrido: em alguns casos, estas fotografias recebiam anotações em vermelho indicando a trajetória do veículo até encontrar o seu destino contra um poste, um muro ou mesmo outro veículo. As rotinas de acidentes acabaram por instituir uma prática de registros fotográficos para os acidentes que ocorriam pela cidade e revelam mais uma aplicação da fotografia para fins comprobatórios e jurídicos. 

Acidente com o bonde Casa Verde – Penha (55) na rua Japuiba com rua Anhauma (atual rua Antônio Lopes Marin com rua Dr. César Castiglioni Júnior

A lei determinava as velocidades máximas dos veículos motorizados.

Nos termos da lei: “(…) no perímetro central, em ruas e horas de grande transito, dez quilometros e nas demais, vinte quilometros, no perimetro urbano, trinta quilometros e, no suburbano, quarenta quilometros (…)”]10

As velocidades acima descritas procuravam através de uma regulamentação criar formas de diminuir os problemas ligados às altas velocidades dos carros, como batidas e atropelamentos muito correntes no período. Os espaços de regulação e tráfego colocaram à cidade muitos debates e o consenso nunca foi obtido. 

Distantes no tempo e próximos na dificuldade, temos a Prefeitura de São Paulo sempre alterando limites de velocidade nas marginais alegando exatamente os mesmos problemas de mais de um século atrás: excesso de velocidade, acidentes e atropelamentos. 

De fato, uma relação de poderes e fascínios entre homens, máquinas e leis. Nem sempre conseguem andar juntas e em benefícios de todos. 

*
Post extraído de minha Tese de Doutorado, intitulada: “Imagens de cidade : cliches em foco… São Paulo e Lisboa (1900-1928)“, defendida na UNICAMP, em 2002.

** Referências:
Rezende, Eliana Almeida de Souza. “Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”. Anais do Museu Paulista [online]. 2007, vol.15, n.1, pp.115-186. ISSN 0101-4714. 

***Notas Bibliográficas:

[1] Marques, J. M. Azevedo. “A tranquillidade publica perante a Municipalidade”. In: Jornal O Commércio de S. Paulo, 29/04/1914.[2] Idem.
[3] Ibidem.
[4] Inquérito redigido por Carlos Pimenta, Delegado da 5ª Circunscrição de São Paulo, em 16.08.1922.
[5] Idem.
[6] Ibidem.
[7] Inquérito redigido por Armando Soares Cayuby, Delegado da 6ª circunscrição, em 08.02.1922
[8] Projecto nº 3, de 1924. Coleção Actos e Decretos do Municipio.
[9] Os registros fazem parte da coleção existente nos Arquivos do Museu do Crime, da Academia da Civil  de São Paulo.  
[10]  Lei nº 2.264, de 13 de Fevereiro de 1920. Coleção Actos e Decretos do Municipio.

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