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Memórias de uma Biblioteca pessoal convertida em Acervo Institucional

Por: Eliana Rezende Bethancourt 

O espaço doméstico circunscreve escritas. Escritas de vida, de opções, caminhos feitos ou abandonados, viagens, experiências, saberes e leituras. Pensar o espaço doméstico significa entender que ele é preenchido com escolhas e experiências sensoriais, pessoais, afetivas, eletivas, intelectuais e sensíveis de seus moradores. A organização dos seus espaços e suas disposições surgem como um vasto vocabulário sobre modos de viver de seus moradores. Dessa forma, uma biblioteca pessoal no espaço doméstico possui aspectos fascinantes se analisada minuciosamente, buscando interpretar essa sua inclusão.

A biblioteca pessoal em nada se assemelha à uma Biblioteca Institucional por uma infinidade de motivos e que tentaremos explicitar neste artigo.

A maneira como optamos por organizar nossos livros, sua disposição no espaço da casa e a maneira como revelam nossas preferências e interesses são verdadeiramente fascinantes.

Podem ser despojadas, meticulosamente compartimentadas e organizadas. Simplesmente não importa.
Representam o caminho de uma vida.

Como as pessoas, os livros possuem uma identidade própria, e se bem ‘lidos’ em seu conjunto pelos que observam uma biblioteca pessoal, poderão descobrir o quanto estes volumes reunidos deram a seus leitores.

Os livros são testemunhas silenciosas das vidas que tiveram. São capazes de nos dar muitos sinais: a dedicação de horas a algumas leituras pode deixar marcas e rastros: as páginas podem ficar amarelecidas por terem sido muito folheadas.
É leitura multissensorial (feitas com os olhos, mas também feita com o tato e até o olfato). Esse contato deixa rastros e sinais nas páginas: dobradas, marcadas ou até mesmo inscritas. Isso ocorre quando essas páginas se transformam em breves esboços dos caminhos e reviravoltas do pensamento diante da leitura.

Divagamos entre o espaço entrelinhas ou entre parágrafos, delimitamos suas margens.
Existem momentos que são pausas e os dedos parecem percorrer as frases que expressam um sentimento, uma ideia, uma justificativa… um conceito.

Enfim, as margens como as que circundam um rio servem de pausa ou mesmo reflexão para uma mente que às vezes deambula, vagueia e saltita, entre a agitação ou a calmaria de um pensamento, um sentido, uma essência, uma lembrança ou uma conexão. . 

Em alguns casos, os livros tornam-se suportes de outras memórias que não estão explícitas em grafismos e letras: há os marcadores oficiais que são ao mesmo tempo uma publicidade, ou um desejo de consumir uma leitura no futuro.
Entretanto, é possível improvisar: podemos encontrar entre suas páginas notas ou recibos de uma compra ou um café onde o livro era a companhia perfeita, folhas e flores secas, cartões postais, fotografias, bilhetes ou ingressos. Todas inscrições materiais sobre momentos vividos e compartilhados entre uma pausa de leitura e outra. Ou quando estes passeiam com seu leitor por diferentes lugares: um café, um jardim, uma praia, um museu…ou até como ocorria em bons tempos, uma sala de cinema com filmes fora de circuitos comerciais e lixo pirotécnico denominado filmes de ação.

A biblioteca pessoal é assim um amálgama de memórias. Por entre seus volumes trafegam tempo, imagens, percursos físicos ou apenas de alma. Representam muitas vezes, o espaço do hiato entre o sentir e o pensar. São um território livre para uma mente andarilha e uma alma que busca por espaço.
Se nos detivermos às suas marcas descobrimos, tal como um detetive, o valor de cada via trilhada.

Percorrer seus volumes significa observar como caminhos foram alterados, interrompidos, aprofundados… ninguém permanece o mesmo no decorrer da sua construção intelectual e de sensibilidades. A biblioteca, sem dúvida alguma espelha as rotas por onde seu leitor vagou, se interessou ou simplesmente abandonou.

Às vezes, tais bibliotecas se apresentam com estantes bem organizadas, com volumes cuidadosamente dispostos numa lógica sui generis e pessoal. Mas há os casos em que a desordem nos apresenta uma lógica própria, singular e hierárquica de prioridades e valores.
Provavelmente os volumes mais desorganizados colocados sobre móveis, poltronas, mesas e sobre prateleiras organizadas significam exatamente a preferência e a prioridade de leituras. Não estão perdidos ou desprezados como poderíamos supor. Em verdade estão sempre presentes e à mão, acompanhando o leitor em diferentes fases e momentos. Não tê-los à vista ou na distância do movimento dos braços, pode gerar, em alguns, ansiedade, desconforto ou mesmo o receio de perda.

No seu todo, os volumes reunidos também nos fornecem tons, espessuras, texturas, alturas, formatos, design gráfico, tridimensionalidade. Explodem num espetáculo de tons, matizes e grafismos. Apanham nosso olhar e com ele dialogam.
Olhados no seu todo, permitem que sejam conhecidos o conjunto de temas, autores ou preferências várias do seu acumulador.
Representam e espelham o que é de real significado para seu possuidor e como este dialoga com seus escritores e obras preferidas. As ausências sentidas também indicam escolhas e preferências. Como ocorre com o silêncio, a ausência de certos autores por um perfil de leitor indicam também uma forma de comunicação e interação.

Em geral, as bibliotecas pessoais longe de possuírem uma organização técnica, possuem uma organização preferencialmente temática que se aglutina por uma hierarquia de gostares e prazeres de seu leitor/acumulador.

Cada autor ou tema representa para seu leitor um percurso pessoal de construção de pensamentos e experiências. 
Muitos dos seus volumes têm histórias que antecedem sua aquisição.

É normal que o colecionador se lembre onde e como teve contato com determinada obra e o que sentiu ao ler pela primeira vez o livro. Pode ter sido aquela leitura rápida de uma aba numa livraria ou num aeroporto qualquer enquanto esperava por um outro compromisso ou afazer. 

Há também os livros reservados para um dia ser lidos.
Estes, representam um ardente desejo de posse e uma inexplicável ausência da oportunidade, a tão esperada leitura que sempre fica adiada para um futuro incerto tanto quanto improvável.

E como não falar dos volumes repetidos?!
Quantas vezes o temor de não possuir nos faz comprar um determinado livro mais que uma vez?
E como não falar sobre aqueles que são atualizados em seus suportes: dos xerox em tempos de dificuldade financeira enquanto fazia a Faculdade às edições de capa dura de anos futuros.
Mais recentemente, alguns ganham uma edição kindle.
Não há preconceitos: apenas afetos! 

Esteticamente estes volumes carregados de afeto e palavras podem dividir espaço com outros objetos de cultura material, que servem como suportes a outras memórias, como: discos, CDs, fotografias, pequenas esculturas e miniaturas que remetem à lugares, viagens, lembranças, presentes. Dispostos de formas várias contam uma história de percursos diversos que entrecortam a vida pessoal e/ou profissional do leitor.
Dialogam sobre a personalidade de seu colecionador como se alfabeto fossem.
Dispostos em prateleiras, mesas, descansos, banquetas, apoios: inscrevem e marcam um espaço que não é apenas o físico. É também cultural e emocional.
Marcam posição por categorias internas de valores imateriais. Daí estarem tão próximos do que consideramos Memória.  
Trazem Identidade à biblioteca por meio dos elementos dispostos como aparente ornamentação por seu colecionador, mas ao olhar atento de um pesquisador trará um repertório imenso de hipóteses e investigação.

O livro assim, como objeto, é carregado de informações não apenas escritas, mas também de sentidos culturais ou de apropriação cultural.
Tê-los em determinada ordem ou local representa a forma como concebemos nosso imaginário. Materializa o que somos por partes. A biblioteca por seu todo revela quem somos, de onde viemos, para onde e por onde caminhamos.
É assim uma obra aberta enquanto existimos.
Estará completa apenas quando não estivermos mais aqui. Neste ponto de nossa jornada cruzará nossa história com os percursos de outros e provavelmente, se converterá em uma terceira entidade, com a matriz de seu possuidor como ponto inicial. 
Vale aqui pensarmos nas bibliotecas herdadas, que se somam à outras em conjuntos variados, às vezes pessoais, às vezes institucionais.

E como toda joia exposta, precisam de locais e materiais que sirvam para sua exposição.
Madeiras, metais, vidros, tijolos, bambus…todos materiais que garantem a estabilidade necessária para que ali adormeçam e sirvam de companhia. 

O espaço também se desenha não apenas a partir de seus formatos, mas em especial por seus tons que oferecem personalidade e conexão profunda com o emocional e até o espiritual. 

Eventualmente haverá espaços para leitura, composto por aquela poltrona procurada por tempos, um recamier ou sofá com a luz certa e direta para cada momento.

A luz externa será bem vinda e é comum que diferentes seres vivos partilhem o ambiente. Folhagens, orquídeas, arranjos florais vários trazem à vida constituída de outras sensibilidades e odores.
Compõem um quadro onde sensações e estéticas diversas se aliam e trazem conforto e paz. Converte-se em um refúgio para a alma descansar e o espirito se expandir.

Por todos este motivos, a composição pessoal e intransferível. Faz parte do cultivo pelo tempo de cada um dos objetos ali dispostos.
NUNCA estará concluída e sempre guardará um espaço remanescente para a mais nova aquisição. 

As bibliotecas pessoais que vencerem este desafio ganham um novo status: a imortalidade da trajetória de pensamento de seu detentor.
O caminho e o itinerário de sua coleção será um exemplar único de uma história única.
Será um volume que contempla uma existência inteira.
E só assim terá sua identidade conhecida por todos. 

Bibliotecas pessoais quando são convertidas em Acervos Institucionais

Se as bibliotecas pessoais possuem toda a riqueza de detalhes explicitada acima, é fundamental que as entendamos em toda a sua complexidade quando forem convertida em uma Coleção para integrar uma Acervo dentro de uma instituição.

É usual que algumas bibliotecas pessoais, por seu caráter singular e específico mereçam ser recebidas quer como doação, quer como aquisição para integrar Acervos maiores que se encontram em instituições de Ensino e/ou Pesquisa.

Entender a lógica de organização de uma biblioteca pessoal é fundamental do ponto de vista de uma Coleção ou série Documental. Aqui diferentes profissionais terão olhares diversos sobre estes itens e volumes que compõem uma biblioteca pessoal.
Bibliotecários, Arquivistas e Historiadores terão olhares múltiplos e diversos sobre este conjunto, que poderá e deverá ser considerado um conjunto documental.

Como tal, e até para que não se perca seu sentido de “fundo” documental não deveria ser mutilado numa organização técnica por meio de catalogação decimal. Que apesar de correta, do ponto de vista técnico, perderia o sentido que seu colecionador resolveu dar à sua biblioteca.

Um historiador e um arquivista preferirão manter a organização original dada por seu acumulador, pois assim manterão todas as conexões e hierarquias de seu colecionador original.

Como conjunto, uma biblioteca pessoal pode ser um excelente meio de preservação da memória individual, e como tal pode perfeitamente ser organizada tomando-se como princípio teórico-metodológico o chamado respeito aos fundos, que em linhas gerais não destrói esta ordem original no momento em que faz a organização deste conjunto documental.

Apesar de possuírem objetivos de recolher, preservar, organizar, catalogar, indexar conjuntos documentais cada instituição o fará de forma e premissas diversas: o bibliotecário tomará a informação que cada documento traz, ou seja, tomará o conjunto como uma soma de entidades autômanas.
arquivista estará preocupado com as conexões institucionais entre colecionador e funções administrativas e relações de prova que os documentos possam oferecer. Estará preocupado em entender de que forma tal acervo se relaciona às funções desempenhadas por seu colecionador.
Já um historiador analisará o conjunto documental como sendo um potencial fornecedor de Memórias, subjetividades e possibilidades históricas. Mas NUNCA considerará as partes como sendo autômanas. SEMPRE considerará as relações entre TODAS as partes.

A grande limitação que vejo em uma organização para uma biblioteca pessoal é a utilização de um padrão de organização decimal como estabelecida por bibliotecários.
É limitador por, pelo menos, 4 motivos:
1. A CCD (Classificação Decimal de Dewey) foi construída como uma forma de organização do Conhecimento Humano divido em 10 grandes áreas. Mas todas elas a partir de conhecimentos e áreas do século XIX. Isto por si só é um grande problema, pois apesar de suas atualizações elas representam uma divisão conceitual própria do século XIX, e com todos os seus vícios e problemas eurocêntricos.
2. Ela não é suficientemente abrangente para áreas intertrans e polidisciplinares, causando vários problemas para a quantidade de áreas que temos hoje em dia. Basta falarmos por exemplo em Memória Social, Sustentabilidade, Humanidades Digitais, Estudos Ambientais para ficarmos em apenas alguns temas. Não há uma caixa padrão onde todas estas áreas possam estar.
Atribuir uma organização decimal aqui é matar as relações entre as diferentes áreas.
3. E talvez a pior de todas as limitações é ela ser excludente, ou seja, é feita apenas para ser entendida por pares. O que inviabilizará a compreensão da biblioteca como um todo de forma intuitiva com valorização cultural da mesma.
4. Vivemos em tempos de desintermediação de informação. A partir do momento que tentamos hierarquizar de forma tão milimétrica o que são, não apenas livros, mas todo um conjunto de saberes, fazeres e construção cultural presente em uma biblioteca pessoal temos uma perda incomensurável.

Na concepção tanto arquivística quanto histórica o documento NUNCA é visto como uma unidade autônoma. Sua preservação, contextualização e análise só podem ser pensadas em conjunto, até para que não seja perdida sua inserção histórica, social, cultural.

Neste sentido, a biblioteca pessoal pode ser pensada como um ato de comunicação, já que seus volumes dialogam com as ideias e perspectivas de vida, emocionais e intelectuais de seu acumulador. Como um alfabeto, os volumes dispostos nos permitem entrever histórias e itinerários…tanto de vida como profissionais.
E há os diferentes suportes que a compõem e que não se inserem como volumes. Citamos acima o exemplo de fotografias, CDs, quadros, pinturas, objetos tridimensionais vários (medalhas, troféus, placas, álbuns, miniaturas), esculturas e até plantas!

O que é fundamental ter em mente ao se deparar com uma biblioteca pessoal é não perder de vista a trajetória pessoal e profissional de seu acumulador (um seu avatar). Ao ser incorporada em uma instituição estes traços precisam estar presentes e explícitos para que não se perca toda a riqueza intelectual e cultural que representa.

Falamos da Identidade que CADA UMA das bibliotecas pessoais possuem, e que se estes volumes forem subtraídos de seu conjunto e ordem orgânica dada pelo colecionador muito será perdido.

Um outro exemplo que gosto de citar e que já escrevi sobre isso são as Cavernas como Acervos Vivos: seu valor de Patrimônio Natural. Como um todo, elas compõem um grande acervo vivo de elementos diversos. E podem sim ser pensados uma biblioteca.

Há também os jardins pessoais onde o conjunto de plantas, folhagens, árvores, lagos e fontes compõem uma acervo que pode ser pensado também como uma biblioteca viva. Neste caso, compreender o colecionador, suas preferências técnicas, intelectuais, culturais por meio de sua biblioteca pessoal é fundamental. Aqui podemos citar o caso de Burle Marx. Não foram apenas seus jardins que entraram no processo de organização documental. TUDO o que diz respeito a ele foi considerado: a casa, biblioteca e obras diversas.
O acervo do Instituto Burle Marx reúne uma diversidade de formatos, materiais e técnicas, totalizando mais de 150 mil itens em diferentes coleções.

Abaixo temos uma representação gráfica dos números do acervo e seus tipos documentais que fazem parte do Acervo da Instituto Burle Marx:

Um exemplo específico que gostaria de destacar neste caso é o trabalho de conjunto e interdisciplinar para que não fossem perdidas todas as dimensões da pessoa, o intelectual, o artista, o cidadão. A complexidade de tais acervos é fenomenal e por isso as soluções PRECISAM ser pensadas de formas diversas. Existem ferramentas acessíveis e metodologia capaz de lidar com tais complexidades. Quase nada mais é impossível.

Note a observação sobre o acervo:

De tudo o que foi dito, é preciso frisar que a lida com bibliotecas pessoais requer por parte do profissional que a tratará uma profunda sensibilidade e rigor teórico metodológico, não para impor uma organização técnica limitadora. Será seu papel dar voz a alma que esta biblioteca já possui.

Aí está o segredo!

Como a ER Consultoria pode ajudá-lo?

Na ER Consultoria possuímos metodologia própria para utilizar as informações contidas nos documentos em diferentes tipos de acervos e/ou arquivos para Projetos de Memória Institucional com vistas ao fortalecimento de Identidade e Cultura Organizacional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de ofereceremos metodologias e técnicas adequadas para a Preservação e Conservação de Acervos e seus suportes físicos ou digitais.

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Bibliografia de Referência:
BARROS, Moreno. O futuro da Biblioteconomia. Briquet de Lemos, 2016.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004.
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano XLV, n. 2, p. 26-39, jul.- dez. 2009.
CAMPOS, José Francisco Guelf (Org). “Arquivos Pessoais: experiências, reflexões, perspectivas”. Eventus 4. Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP), São Paulo, 2017
GOMES, Thulio. Os limites de Dewey. Blog Biblioo, 2013.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. In: SILVA, Zélia Lopes da (org.). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp; Fapesp, 1999, p. 11-29.
REZENDE, Eliana Almeida de Souza. “Um Ensaio de Ego-História“, Revista Sustinere, UFRJ, 2016.
______________________________.  “Memórias digitais em busca da eternidade e o papel do profissional de informação em tempos de geração touchscreen“. Memória E Informação3(1), 36-48, 2019
RODRIGUES, A. M. L. “A teoria dos arquivos e a gestão de documentos”. Perspect. Ciênc. Inf., Belo Horizonte, v.11, n.1, p. 102-117, jan./abr. 2006

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Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A esfera pertencente ao Patrimônio Cultural e Arquitetônico é vasta e podemos afirmar que existem muitos segmentos.
Para o efeito deste artigo, me concentrarei em um deles, que por ser único muitas vezes deixa de ser abordado, que é o Palácio do Planalto e da Alvorada e que fazem parte do conjunto arquitetônico composto pelos projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Por tudo isso, o Palácio do Planalto e da Alvorada são tombados como Patrimônio Cultural do país, sendo parte do Conjunto da Obras do Arquiteto Oscar Niemeyer, pelo IPHAN.

O Palácio do Planalto é de onde o Presidente da República governa de seu Gabinete e onde também estão alocados a Casa Civil, a Secretaria-Geral e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

O Palácio da Alvorada é a parte residencial onde o presidente e sua família moram. Apesar disso, ele possui mobiliários, obras de arte, tapeçarias, esculturas, quadros que são parte fixa do Palácio

Diante de tudo isso é sem dúvida, um espaço para Cultura e preservação de acervos que não pertencem ao Presidente da República, mas sim à Nação brasileira. Cabe ao Presidente em exercício zelar, cuidar e preservar todo este acervo e dar destino ao valor disponível como verba para realizar as manutenções e cuidados.

O Presidente da República é um inquilino por tempo provisório que no seu ‘contrato’ deve cuidar do espaço que lhe é destinado. Não para ser seu, mas para ser fiel depositário de um patrimônio que é da sociedade brasileira.

DESTRUIÇÃO E BANDONO DE jb ATINGEM TAMBÉM O ALVORADA

Infelizmente a passagem de Jair Bolsonaro (2019-2022) pelo Palácio do Planalto e da Alvorada significou uma igual metáfora para o estado de destruição, descaso e abandono deixado pelo Brasil em diferentes áreas como Saúde, Meio Ambiente, Educação, Cultura para ficar em apenas áreas mais sensíveis.
A situação foi alvo de denúncia em uma reportagem chamada por Janja Lula da Silva antes de realizar sua mudança para o Palácio. A reportagem concedida à jornalista política Natuza Nery, revelou um quadro de descaso, abandono e em alguns casos puro vandalismo com peças e objetos (link nas referências).

Dos danos mais comuns como tapetes rasgados, janelas quebradas, pisos de madeira necessitando de reparos, infiltração pelas paredes, tapetes e tapeçarias rasgados, seguiu-se à deterioração em alguns casos, e desaparecimento em outros, de obras de arte (como foi o caso de uma tela de Di Cavalcanti (com valor estimado em R$ 5 milhões de reais e que simplesmente foi retirada da Biblioteca onde estava e colocada em uma parede frontal, onde por 4 anos tomou sol inclemente e perdeu seus tons originais, o que significará a passagem por obras de restauro). Não apenas ele!

A pintura Orixás foi retirada do Planalto sofreu furos em sua tela provocado por caneta esferográfica. Para termos uma ideia do prejuízo o quadro medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, Orixás foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões.

Orixás – Obra de Djanira – 1966

Em um inventário anterior haviam 133 peças de tapeçaria que incluem obras de Emiliano Di Cavalcanti, Concessa Colaço, Francisco Brennand e Kennedy Bahia. Além de peças de mobiliário assinadas por renomados artistas. Até os jardins que também são tombados sofreu ataques. Lula em seu outro mandato (2008) havia plantado Mandacarus (nome em tupi guarani de uma planta ornamental da família dos cactos e que tem um símbolo de resistência) com o então Ministros do Meio Ambiente, e jb os mandou arrancar.

Foi também no período do segundo mandato de Lula que os Palácios do Planalto e da Alvorada receberam sua 1ª grande obra de conservação e restauro desde sua inauguração e que durou todo o período compreendido entre 2008 e 2011.

Todo este episódio além de triste pode ser didático. Afinal, por que toda esta discussão? Qual é de fato a responsabilidade de um Chefe de Estado com o Patrimônio Cultural e no caso, também artístico, arquitetônico/estético sob sua responsabilidade?

Vejamos:

É considerado Patrimônio Cultural tudo aquilo que pode nos ajudar a compreender uma sociedade e o meio que a circunda.

Eliana Rezende Bethancourt

E se formos tomar o texto de lei, encontramos a definição em nossa própria Constituição de 1988, quando reconheceu que para além de patrimônios materiais também possuímos patrimônios imateriais, e que estão definidos no artigo 216 como segue, na letra da Lei:

“(…) Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (…)” (BRASIL, 1988).

Se podem ter origens tão diversas, é natural que nos tragam por meio de sua materialidade ou por meio de sua imaterialidade importantes e incontáveis formas de conhecermos melhor um povo e o seu meio. Em vários casos, não podem nem mesmo ser calculados em cifras monetárias, como ocorre no caso de patrimônios naturais, arqueológicos, ecológicos, paleontológicos, entre outros. E por isso, são de extremo valor, e àqueles a quem são oferecidos para realizar sua proteção e guarda necessitam ser cobrados em casos em que fique evidente desrespeito, descuido, vandalismo, subtração, roubo ou destruição realizado por diferentes meios: sinistros, roubos, ações de vandalismo, abandono ou mesmo relegar tais patrimônios a espaços ou locais que os coloquem em riscos provocados por terceiros ou pela própria força da natureza.

A especialidade dos Palácios do Planalto e da Alvorada é referida por (BISPO, 2014) quando comenta sobre sua concepção arquitetônica, estética e construtiva:

“(…) na concepção e construção do Palácio do Planalto é possível observar a influência dos condicionantes históricos e estéticos do ideário moderno na prática projetual do arquiteto Oscar Niemeyer, especialmente ao destacar os aspectos plásticos e estruturais, as técnicas e materiais construtivos empregados em revestimentos, vedações e elementos de composição, as relações existentes entre arquitetura, urbanismo, paisagismo e obras de arte integradas.
Paralelamente, ressaltamos as principais características essenciais, presentes desde os primeiros estudos elaborados por Niemeyer no processo de definição da obra, tais como amplitude e transparência espacial, leveza, pureza, visibilidade entre interior e exterior da obra, simplicidade geométrica, emprego de soluções compactas, setorização de usos, hierarquia entre elementos, padronização de tipos de revestimentos e vedações, distribuição espacial definida a partir da modulação estrutural, proporção, simetria e equilíbrio através de relações matemáticas, da geometrização das formas, da linearidade da superfície e da organização geométrica das partes individualmente e entre si composição baseada em premissas da arquitetura moderna e em fundamentos da linguagem clássica, busca por unidade formal e estética com outros palácios de Brasília. (…)”. (BISPO, 2014)

Ou seja, o Palácio do Planalto e todo o conjunto de prédios criado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, agrega mais do que arquitetura e estética a um tempo só. É produto de um tempo, de uma tecnologia, de uma escola de pensamento estético e visão de mundo. Por isso, único e admirável!

É também preciso salientar que o Palácio do Planalto tomado no conjunto dos demais monumentos compõe, por meio de sua estética e volumetria, uma imagética própria que relaciona visualmente estas obras, que conforme Bispo (2014) são:

“(…) Enquanto marco simbólico, a cidade derivada do Plano Piloto concebido por Lucio Costa constitui um exemplar histórico e singular do urbanismo moderno, vinculado aos princípios expressos na Carta de Atenas de 1943 e aos preceitos do “Modo de pensar o Urbanismo” de 1946 de Le Corbusier (…).
A “preservação imagética” garante a manutenção das relações visuais, formais e compositivas ao longo da trajetória histórica de cada edificação que compõe este conjunto monumental que carrega consigo a imagem mais emblemática da capital.
Trata-se, portanto, de uma relação histórica visual desenhada por intelectuais de modo que a visualidade do objeto sobrepõe-se à funcionalidade do objeto (…)”.

Diante tudo isso, e como forma de auxiliar tais chefes de Estado, há a previsão de destino de verbas para a realização de obras de preservação, conservação e até restauração tanto de obras arquitetônicas, quanto de peças de arte, mobiliários, paisagísticos.

Mas tudo isso simplesmente não se efetiva se as pessoas que tem sob sua responsabilidade esta tarefa não estejam sensibilizadas suficientemente e compreendam que cuidar da preservação, conservação e até restauração de um acervo tão rico e plural deve fazer parte de uma política de cultura da preservação de patrimônio, atendendo de perto ao que seja minha concepção de Responsabilidade Histórica.
É esta consciência de que o Presidente da República é o responsável direto a imprimir e propiciar que tais cuidados se efetivem e que isso seja parte de sua política cultural, já que estará cuidando de um legado que é de todos e que precisa ser entregue ao futuro. Daí a aplicação do conceito de Responsabilidade Histórica.

Se com os documentos privados dos Presidentes da República a Constituição de 1988 esclarece em detalhes como se deve proceder sua guarda, sigilo e acesso com fins de preservação de memória e como forma de produção de conhecimento por meio de pesquisa, com documentos que denomino tridimensionais – que abarcam todo o conjunto do acervo do Palácio do Planalto que vai desde sua arquitetura e estruturas até suas tapeçarias, mobiliários, obras de arte diversas, paisagismo e jardins – as especificações não são tão pormenorizadas, e podem levar à pratica de erros como os que a reportagem acima revelou. Se os habitantes do Planalto não possuem sensibilidade e algum nível de respeito à coisa pública teremos tais problemas.

O chamado acervo privado da Presidência possui uma equipe técnica e fixa que se responsabiliza por catalogar os diferentes documentos que passam a fazer parte do acervo desde o momento que o Presidente é empossado. Mas ao deixar a Presidência tais documentos não são considerados plenamente seus ou privados. Por possuírem interesse público e poderem ser utilizados para fins de pesquisa não podem ser vendidos sem antes serem oferecidos à União e nem podem ser remetidos para fora do país sem a autorização do Estado Brasileiro. Por estarem inseridos na Administração Pública, devem obedecer criteriosamente aspectos determinados em me metodologias de acervos arquivisticos, bibliográficos e museológicos de acordo com seus suportes e obedecer rigorosamente os termos que se relacionam a tombamentos e descrição de objetos de arte.

Por tudo isso, ex-presidentes criam Fundações ou Institutos para que tais acervos continuem a ser cuidados e acessados. Além disso, são eles que devem arcar com as custas de preservação, conservação e tratamento técnico documental destes acervos.

A Lei nº8.394, de 30 de dezembro de 1991 é a que disciplina os “acervos privados dos presidentes da República”.

O texto da Lei deixa claro quais devem ser as ações e responsabilidades destes acervos como se nota a seguir:

Art. 5° O sistema dos acervos documentais privados dos presidentes da República terá participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional, Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República e, mediante acordo, de outras entidades públicas e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que detenham ou tratem de acervos documentais presidenciais.

        Art. 6° O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo:

        I – preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos;

        II – coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos;

        III – manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País.

        IV – propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e

        V – conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público.

LEI No 8.394, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – Que dispõe sobre a Preservação, Organização e Proteção dos Acervos Documentais Privados dos Presidentes da República e dá providências

FHC ao nos relatar sobre seu Instituto circunstancia como o cumprimento desta lei o fez criar seu Instituto:

“(…) Nasceu assim a ideia de fundar um instituto. Quis que ele fosse não só um centro de memória histórica, mas também um lugar de debates sobre a democracia e o desenvolvimento. Duas causas com as quais estive envolvido desde muito cedo. Desempenhando um ou outro papel, sua missão para mim seria uma só: contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o País e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.

Inaugurado em maio de 2004, com um debate internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells, o Instituto transformou-se em Fundação em 2010. O objetivo da mudança foi o de fortalecer o iFHC – hoje chamado Fundação FHC, como instituição perene, comprometida com a missão definida em sua origem.

Transcorridos mais de 18 anos da sua criação, foram realizados mais de 500 debates, mais de 40 livros publicados, organizados, digitalizados e colocados à disposição do público. Ao todo, cerca de 115 mil documentos do meu acervo.

Estou convicto de que valeu a pena criar a Fundação FHC. (…)”

Fundação FHC

O Instituto Lula informa sobre seu acervo:

“(…) O Instituto Lula tem a responsabilidade de cuidar do acervo que deixou Brasília junto com Lula em 2011, e o faz com toda transparência. São milhares de cartas, livros, CDs, fitas, quadros, gravuras, fotografias, álbuns, DVDs, presentes de altas autoridades, instituições, empresas e populares, assim como prêmios, condecorações e títulos que Lula recebeu. Todo esse material está catalogado, embalado e armazenado. Neste link você pode consultar todos os objetos do acervo. (…)”

Instituto Lula
Instituto Lula

Como se observa no caso dos dois Institutos que abrigam os acervos dos ex-presidentes vemos que há um olhar sobre a forma como o acervo e os objetivos que os sustentam. FHC que vem de uma tradição muito mais acadêmica voltou sua atenção para seu conjunto de documentos e o acervo como um todo com uma forma específica não apenas de tratar documentos, mas também de gerar e produzir conhecimento. À medida que o tempo passa mais esta dimensão se solidifica.

No caso de Lula, por ter uma trajetória muito mais engajada à movimentos sociais tanto seu acervo quanto seus objetivos se refletem nas ações desenvolvidas e na forma como a documentação está reunida.

O que é uma obrigação tanto em um como em outro caso é o trato com a documentação, sua preservação, conservação e disponibilização para diferentes fins.
Agindo assim, ambos cumprem o que está estabelecido em Lei, e retornam para a sociedade o que lhes é devido: os acervos e as informações nele contidas.

Tomar conhecimento de tudo o que envolve a curadoria, guarda, preservação e acesso aos acervos da Presidência da República e todo o conjunto arquitetônico é fundamental para que todo o circuito que abriga tarefas de preservação e conservação não se transforme em crime, quer por ignorância, quer por dolo.

Também e fundamental, para que o Presidente em exercício e sua família não tomem o que é de toda a Nação como seu, ou o que é público seja tomado como privado. Os processos de Responsabilidade Histórica exigem respeito a estas instâncias, e para este caso a própria Constituição traz a letra da Lei.

___________________________

* Observação Importante: Este artigo começou a ser escrito antes da tentativa de Golpe e de ataque aos Três Poderes em Brasília em 08 de Janeiro de 2023. Por força de tudo o que ocorreu e ainda impactada por toda a destruição, optei por concluir este artigo sem menções aos fatos ocorridos e destinarei um outro artigo para abordar os fatos, impactos e simbologias daquele ataque. Como historiadora não gosto de escrever no calor da hora e conto com que ao seu tempo e ora eu seja capaz de falar a respeito.

** Referências:

BISPO, Alba Nélida de Mendonça. “Dos processos de valoração do patrimônio moderno às práticas de conservação em Brasília: o caso do restauro do Palácio do Planalto”. Dissertação (Mestrado) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural, Rio de Janeiro, 2014.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2001
NERY, Natuza. Reportagem: “Janja mostra os danos que encontrou no Palácio da Alvorada; veja vídeos e fotos

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Você ainda Escreve Cartas?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Provavelmente se você for de uma geração que passou pelo analógico dirá que parou há muito tempo. E se for de uma geração um pouco mais recente dirá que NUNCA escreveu ou recebeu uma carta que não fosse um aviso de cobrança ou um cartão magnético.

Apesar disso, houve um tempo em que as cartas possuíam um ritual de produção e atenção. Eram artefatos para os sentidos. Muitos poderão se lembrar dos envelopes perfumados? Lembram-se deles?  Mas e agora, quando muitos não fazem ideia do que seja este tipo de troca?

Continue comigo por estes caminhos de memórias e sensibilidades, e quem sabe, se inspire!

Vejamos:

As formas de escrita sempre encontraram diferentes suportes e as cartas tal como os diários, representam uma forma de escrita ordinária onde imprime-se com o que se sente. As tintas, papeis, selos formam um conjunto que dizem tanto como as palavras. A materialidade dá as palavras um sentido de eternidade, de permanência.

Por isso, como historiadora meu olhar se fixa em detalhes que me informam sobre  remetente e receptor, sobre contextos de produção, circulação e guarda de formas documentais únicas e pessoalizadas. Registram fortemente laços, emoções e compõe junto com tantos outros o que história se chama de cultura material.

Carta mais antiga!

Para além disso, a relação com a escrita neste caso específico, é uma relação tátil e de afetos. Sob esta ótica, chegava a ser ritualística e envolvia um tempo cíclico composto de começo, meio e fim (não apenas em sua produção, mas em todo o circuito envolvendo o recebimento e sua guarda). Exigia uma composição que ia desde a escolha do tipo do papel, a tinta, o cunhar as palavras de próprio punho (em muitos casos, exercício árduo de boa caligrafia, praticada como arte ou prece em diferentes civilizações: como a árabe, chinesa, egípcia, mesopotâmica), a busca de um envelope que não alterasse o conteúdo fragilizado por formas de dobras e, óbvio: filas nos correios, compra de selos, o uso das colas e finalmente o encontro com uma caixa que servisse de fiel depositária até que esta encontrasse seu destinatário.

O recebedor da carta inspecionava quem lhe havia remetido, de onde, em que data e há quanto tempo ela viajava ao seu encontro, os selos e carimbo de registro indicavam o local e data de postagem, e por uma aritmética simples se sabia o tempo transcorrido entre envio e recebimento. Havia caminhos trilhados que seguiam por rios, mares, trilhas e montanhas. Podia levar dias ou até mesmo meses. A escrita em traços duráveis e em espaço íntimo trafegava por espaços públicos, de mão em mão, de pessoa em pessoa até o seu destinatário.
De fato uma grande elaboração!

Com tal caminho lento e tortuoso, sua leitura merecia igualmente uma liturgia: por isso não seria aberta em qualquer lugar ou diante de olhares inquiridores ou curiosos. Uma carta sempre significou algo pessoal e absolutamente privado, de interesse apenas ao seu destinatário. O melhor lugar poderia ser um escritório, uma sala, um quarto ou um canto qualquer num jardim ou espaço de conexão entre remetente e recebedor. Era ali, neste espaço quase sagrado, dado que privado, que era lida, relida e muitas vezes guardada afetuosamente entre os principais valores pessoais de cada um. Algumas continham o perfume dos papéis e até objetos que eram-lhes acessórios (pétalas, desenhos, e outros objetos que teciam com a carta os seus sentidos). A resposta quase nunca imediata necessitava do tempo da elaboração. Era preciso buscar todos os utensílios da escrita para além das palavras que expressavam de fato o sentido ao dito. A conexão propiciada entre tais objetos e os laços representados foram, no decorrer da história largamente representados por ficções literárias, teatrais e até cinematográficas. Sempre serviram de pano de fundo para enredos de afetos, amores, intrigas, ciúmes e todos os sentimentos mais humanos possíveis.

Como historiadora, todo este trânsito é fascinante e passível de muitas “leituras”. São modos de viver, pensar e produzir culturalmente: modos de estar. Uma carta tem a marca da cultura material que a produziu e por isso, é detentora de uma materialidade que conta algo único. Se inscreve no tempo e com todas as técnicas e tecnologias que este tempo possui: a letra cursiva que se debruça sobre um tipo de suporte composto pelo papel, pelo envelope, pelos selos, pela tinta e caneta utilizada. Mas também se inscreve como um conjunto de ideias e pensamentos justapostos para comunicar sentimentos, ordens, deveres, saberes, e tudo o mais que se possa compartilhar de forma pessoal e intimista.

Hoje, em tempos de tanta imediaticidade e consumo, tudo passa muito rápido, com economia silábica e fonética. As palavras deixam de ser pensadas e as correspondências giram em torno do imediato. Roubou-se a aura da palavra cunhada e da magia que seus complementos tinham (os selos, os papéis, os timbres, as tintas, o rebuscado de letras e formas, sua sinuosidade e curvas particulares).

A comunicação fonética é feita de modo a favorecer uma economia silábica para tipos impressos de formas mecanizadas, homogênicas e universais, produzidas com tintas de toners recicláveis em papéis produzidos massiva e monotonamente na mesma cor, padrão e gramatura. Em geral, tais escritos não chegam, além da materialidade digital e só em alguns casos conhecem as tintas. Seu tráfego vem por meio de trilhas digitais, que não levam mais que alguns segundos para chegar ao seu receptor. As informações destas mensagens, seus contextos de produção e circulação chegam através de metadados e com a passagem do tempo se perdem numa malha de desimportância, sufocada pelo acúmulo constante de mensagens que se justapõem.

Escrevi muitas cartas (imagine o trabalho que tive pelo tanto que sou prolixa!!!), recebi muitas e experimentei o prazer de estar longe do Brasil e aguardar ansiosa que alguma me chegasse. No período coexistia com e-mails, mas cartas ainda circulavam como última resistência a um mundo que insistia em mudar ante nossos olhos.
A adaptação houve. mas ainda tenho muito vincada em mim a experiência da escrita de próprio punho e as cartas para envio e comunicação.

Em meu ofício como historiadora e arquivista, já tive às mãos cartas escritas por pessoas que morreram há séculos, e tenho que dizer que é uma emoção ver ali a tinta impressa com a energia dos punhos de alguém como, por exemplo, Mário de Andrade. A forma como a caneta tinteiro modifica seus tons e como o papel vai ganhando um tom sépia à medida que o tempo passa. Uma carta em um acervo ganha tons e odores do Tempo e não fica indiferente a ele. É como ter entre os dedos notas de um passado pego num lapso de tempo no aqui e agora.

Os tempos hoje são outros:

Desaparecimentos e perdas são usuais e muitas vezes, temos a ingrata surpresa de descobrirmos que nossos conteúdos digitais foram para além das nuvens.

Obsolescências, superficialidades… pressa. São muitos os males que atingem nossas comunicações. Como disse, a relação é tátil e sensorial própria de um tempo que talvez tenha passado. Para nós, homens e mulheres de um tempo de transição, é às vezes difícil verificar como tudo passou tão rápido por nós.

Apesar de tudo, tento pensar que a qualidade dos textos se preserva e que apenas os suportes se alteraram. Mas infelizmente, todo o código social e cultural em torno dessas produções se alterou para sempre. O tempo dirá com quais resultados. Acho que o principal componente de todo este ritual de sensibilidades e cuidado era exatamente o Tempo e atenção dispensada ao seu preparo. Um verdadeiro mosaico de muitos prismas e sensações.

Você poderia perceber a atenção em cada detalhe material: o papel escolhido e sua textura, a tinta enquanto espessura e cor, letras trêmulas ou incisivas, as formas de dobra e até o tipo de envelope. Era tempo dispendido para comprar um selo, ir até uma agência dos Correios e lá postar. Tudo denotava cuidado, esmero, atenção e principalmente um dos recursos mais escassos que temos: tempo.

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Hoje, a volatilidade é grande. Com os meios digitais apascentou-se o espírito ansioso. Mas, e todo o “conjunto da obra”? Como referir a emoção que, às vezes tínhamos quando víamos o carteiro? Lembro-me de ter corrido atrás deles algumas vezes com receio de que minha carta não chegasse.

Bons tempos…

Como falar disso a um natodigital?! Eles de fato não saberão, infelizmente, como é isso. Não serão nunca capazes de compreender o significado disso tudo, especialmente porque sua relação com o mundo tem muito mais que ver com toques, teclas. Enviar e apagar estão no mesmo espaço que os tipos gráficos para a escrita.

Acho que uma amarração fantástica para este tema sejam os filmes “O carteiro e o Poeta”  e “Central do Brasil” . O sentido das cartas que tecem vida é uma deliciosa lembrança e uma forma belíssima da ficção encontrar a escrita.

Estamos no mundo atual vendo a conformação de uma nova relação com as formas de escrita, seus suportes e os modos pelos quais nos relacionamos com nossas correspondências ordinárias. É um patamar de mudança cultural, e por isso é tão afeito aos nossos esquemas sensoriais. E por ser sensorial, imprime em nós muitas emoções e sensações. Não há nada de errado em uma forma ou outra. O que de fato importa é que a comunicação se estabeleça. Óbvio está que se vier com mais elementos que alimentem o sensorial, melhor! Anteriormente tínhamos todo um conjunto de códigos de posturas, que davam uma forte dimensão de “valor” ao que imprimíamos em tinta, era uma escrita de próprio punho com as inconstâncias e oscilações do que nos vinha pela alma. Hoje a escrita padronizada e eletrônica tira isso e muitas outras coisas… mas é uma passagem, e como tal precisa ser trilhada…

A experiência da escrita, interlocução e troca é uma das grandes aliadas no alargamento do espírito. Nos oferecem olhares que de onde estamos não enxergamos. Por isso, o tempo despendido em cada comentário, em cada correspondência tem valor agregado que não possui cifras, é intangível. 

postais

O tempo da vida e as palavras que a nomeiam dão formas ao sentido e ao vivido pensado.  Nominar é, em última instância, “trazer à existência”. São com as palavras que expressamos ideias, sentimentos, projetos, sonhos, expectativas, reflexões, tecemos críticas e construímos pontes entre o sensível e o visível. Tudo isso as tintas fazem por nós. De punho ou em um jato de tinta contam ânimos e prismas de mundo. Com elas construímos e partilhamos o saber e o conhecimento. Construímos mundos…

Nas cartas havia todo o conjunto de sentidos que partiam junto com os escritos e daí talvez toda a sua magia. Eram remetidos com elas pedaços de nossas existências compostas, muitas vezes, com folhas secas, pétalas, fotografias, bilhetes de ingresso de lugares incríveis e até beijo feito em batom! Elas são de fato auxiliares sensoriais por onde nossas memórias encontram as vias de acesso ao passado.

Por isso, considero as cartas, tanto quanto fotografias e demais objetos de cultura material como de valor inestimável, e no interior das instituições devem ser consideradas pelo que são: Patrimônio Cultural/Documental que precisa ser preservado e cuidado para as gerações futuras. Informam, vincam e fortalecem a Cultura e Identidade destas Instituições e são a garantia de que vencerão o Tempo.

Por isso, se possui um acervo com tais preciosidades, não hesite em nos contatar. Teremos um prazer imenso em ajudar a como tratar e fazer falar tais mensageiros do Tempo.

COMO PODEMOS LHE AJUDAR?
Se você possui um acervo que seja Patrimônio Cultural/Documental e não sabe como zelar por ele, entre em contato com a ER Consultoria. Teremos enorme prazer em pensar numa Solução customizada para as suas demandas, ou para o tratamento técnico documental de acervos documentais e fotográficos e sua preservação e conservação.

_________________
* Versão revista e atualizada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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Digitalização não é Solução. Entenda Porquê

Quando falamos em “digitalização” as perguntas são sempre muitas e a confusão ainda maior.
Abro este artigo fazendo uma afirmação que pode, em um primeiro momento, gerar algum desconforto para uma infinidade de pessoas e profissionais, que acreditam que, ao recomendar digitalização estão apresentando solução para diferentes situações.
A confusão pode ser rapidamente desfeita se deixarmos claro, de uma vez por todas, o que seja uma “Solução” e como esta se distancia do que seja uma “Ferramenta”. Para isso, os convido a ler um post que escrevi intitulado “O Desafio das Soluções na Era da Informação”, onde explicito esta diferença. Textualmente digo:
“(…)  Ferramenta é sempre pensada para ser simples, barata e de aplicação pontual e restrita. Depende só de você fazê-la funcionar.
Serve a uma determinada função e praticamente se encerra em si mesma. Por sua simplicidade e facilidade de aplicação tende a ser barata e tem resultados rápidos e bem mais limitados. Não adianta dourar a pílula: ferramenta tem valor restrito exatamente por possuir alcance igualmente restrito.
Isso em si não é um defeito, ou problema.
A ferramenta nasce da demanda pontual e busca atender esta, no menor tempo possível e com os melhores resultados possíveis, dentro deste universo. (…)”
“(…) As Soluções acontecem no tempo e a partir de muito estudo, análise e customização entre demandas, necessidades e possibilidades. É enfim, uma nova maneira de fazer ou gerenciar fluxos de trabalho. (…)”
Esclarecido isto, devemos passar à outra zona de confusão:
Em geral, a digitalização sempre é oferecida como sendo uma caixa de Pandora, onde todos os problemas em relação à produção, guarda e gestão de documentos estariam solucionados. Mas como muitos já aprenderam e, a duras penas, isto nem sempre acontece.
Guarde bem isso:
documento_info_suporte
Documento digital – Documento originalmente codificado em dígitos binários, acessível por meio de sistema computacional.
.

Documento analógico – Toda e qualquer informação registrada em suporte estável e materializado. Exemplos: um livro, uma carta, uma fotografia em suporte de papel, uma gravação VHS de áudio e vídeo, fitas k-7, um documento micrográfico, um caderno de notas, uma tábua de argila com caracteres cuneiformes, as pinturas rupestres nas paredes de Altamira.

Esclarecidos ambos, agora é o momento de definirmos o que vem a ser a digitalização:

De forma sintética diríamos que digitalização é o processo pelo qual um documento analógico é convertido em digital a partir de um dispositivo, tal como um scanner. Apesar disso, o documento gerado não poderá ser considerado original, e sob nenhuma circunstância poderá substitui-lo para efeitos de prova ou de fonte histórica, devendo o documento original ser preservado.

Há duas possibilidades e usos da digitalização, com finalidades e aplicações bastante específicas. Uma, é seu uso a acervos imbuídos de valor probatório ou histórico. Outra, bem diferente, para usos e aplicações em rotinas organizacionais.

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Copista medieval

A digitalização em casos de acervos históricos ou documentação probatória

A digitalização, conforme citado acima, tem como foco principal facilitar o acesso, a divulgação e a preservação de acervos, em especial aqueles que tem valor histórico e necessitam estar protegidos de manuseio excessivo ou inadequado. Podem sim ser utilizados como política de preservação e conservação documental, como expliquei no meu artigo “Uso de Tecnologias como Preservação de Patrimônio Cultural”. Nele apresento algumas considerações fundamentais a se tomar em conta quando esta for a situação.

Por favorecerem a tramitação em forma digital transforma-se em excelente meio de divulgação e usos, como: compartilhamentos, e-mail ou mesmo para integrar portais, sites e exposições virtuais, mas não podem ser considerados uma substituição pura e simples do original. O original, que possui valor legal ou histórico, não poderá ser eliminado após sua digitalização.
O documento analógico original é imbuído do valor, que em História, chamamos de Cultura Material, onde o todo do documento constituído por suas informações e suportes também constituem o que se considera Patrimônio Documental.

A digitalização em rotinas organizacionais

Os usos e aplicações da digitalização nas rotinas organizacionais estão sempre mais ligadas ao acesso a determinadas informações e a “suposta economia” em substituir documentos analógicos, o que já expliquei ser um equívoco gigantesco.

Ainda neste universo de utilização reafirmo que a digitalização de grandes volumes representa um erro estratégico e de gestão, já que mudar o formato não significa organizar. Falei disso no meu artigo:“Porque Documento Digitalizado não é Documento Digital”.

Mesmo em rotinas administrativas o uso massivo e indiscriminado da digitalização causa mais problemas e dificuldades e transforma-se em uma bomba relógio à medida que o tempo passa. Por isso, é preciso estabelecer previamente uma política séria de gestão documental e tomar as decisões a partir daí.

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Papiro antigo

Em geral, a digitalização pode ocorrer em diferentes etapas da Gestão Documental, sem contudo, substituir a mesma. Em todo caso, e do ponto de vista legal, a digitalização representa apenas, e tão somente, uma cópia, como ocorria anteriormente com fotocópias reprográficas. Sua maior e principal vantagem é ser um meio eficaz para transmitir informações por meios digitais, como é o caso do e-mail. Ela não possui valor legal, e muito menos substitui qualquer original.

Algumas considerações fundamentais a cerca do uso da digitalização:

O universo de produção documental é vasto, e não se pode perder de vista que há documentos que requerem muito mais atenção ao se analisar políticas de digitalização.
É o caso dos documentos com guardas permanentes e de valor histórico. Neste ponto a discussão precisa, e deve, ganhar outro contorno. Diferentes variáveis precisam ser tomadas em conta. O acesso dos mesmos não deverá ser pensado de forma imediata apenas. O tempo precisará ser considerado e a obsolência mora neste caminho.

Um exemplo desta preocupação, pode as ser ações de digitalização para grandes massas ou volumes de fotografias.
De novo, tal digitalização não pode ser considerada como uma Solução.
A digitalização de imagens não dispensa os processos de identificação e tratamento técnico das imagens, que para efeito de documentação histórica possuem um grau de detalhamento que os programas hoje utilizados passam muito distantes. Pirotecnias a parte, do ponto de vista técnico-metodológico, estão longe de ser uma solução de guarda permanente, ou mesmo como fonte de pesquisa histórica e produção de conhecimento.
Repito o que falo incessantemente: o problema não são as ferramentas em si, mas o que é feito com elas e os procedimentos em seu entorno. Em geral, os que fornecem e os que consomem tais ferramentas pouco sabem para além de uma digitalização (tornando o produto do seu trabalho apenas mais do mesmo, duplicando e acumulando sem sentido documentos que poderiam ser tratados de uma outra forma e com um grau muito mais interessante de assertividade).

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Livro maia

O que ocorre em geral, quer por desconhecimento ou por boa fé de uns e má fé de outros, é que muitas empresas contratantes destes serviços esperarem que a ferramenta tecnológica resolva seus problemas de organização documental. No entanto, é importante que se ressalte, que tais soluções tecnológicas não representam o trabalho de Gestão Documental, que necessita de maior cabedal, elaboração de normas e procedimentos muito mais amplos. Tal como o nome indica tais soluções são apenas e tão somente uma ferramenta dentro de um universo muito mais amplo que é a Gestão Documental.

É sempre bom ressaltar que a digitalização necessita de um trabalho de organização, pois, se houver um caos no meio físico apenas estaremos trocando o suporte: de físico para digital.

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Tabuletas romanas

Digitalização não resolve problemas nem de organização e nem de busca!

Além disso, a digitalização não resolve uma gama imensa de ações que estão diretamente ligadas à Gestão Documental, como: elaboração e aplicação de tabelas de temporalidade documental, cumprimento de prazos prescricionais estabelecidos em legislação para diferentes documentos, politicas de preservação, sigilo e acesso a documentos.

Mesmo nos casos de digitalização para simples tramitação precisa-se estabelecer critérios e hierarquização. Digitalizar indiscriminadamente tudo pode ser um tiro no próprio pé. Gerará um aumento do que simplesmente não interessa e que do ponto de vista de busca/consulta não se justificará. Em breve constará nas estatísticas de lixo eletrônico.

Outro grande equívoco é acreditar que a digitalização oferecerá a panaceia de resolver um dos maiores problemas dos Arquivos, que é sua falta de espaço, por meio da eliminação de documentos físicos. O que juridicamente torna-se inviável devido a uma ausência de legislação que autorize uma situação como esta.

Por questões de ampla obsolescência, a simples substituição de documentos físicos por digitalizados, ou mesmo digitais, não significa economia de custos. Ela obriga a ações de preservação que representam custos elevados para manutenção das mídias para garantir o acesso aos mesmos. Investimentos em tecnologia que envolvem políticas de preservação digital custam recursos financeiros, humanos e tecnológicos pelo tempo, e em geral as pessoas se esquecem disto. Simplesmente consideram os custos iniciais e deixam de olhar pela perspectiva do tempo.
Para entender melhor isto que cito sobre a obsolescência leia o post que escrevi intitulado: “Memórias Digitais em Busca da Eternidade“.

Reforço a noção de que projetos de digitalização precisam de recursos financeiros que garantam a aquisição, atualização e manutenção de versões de software e hardware, como forma de cumprir requisitos funcionais estabelecidos pelo CONARQ, que garantam a preservação e o acesso a tais documentos, a médio e longo prazo, sem prejuízo de qualquer ordem. Ou seja, a digitalização está longe de significar economia a troca de nada. Ela exige investimento e recursos tecnológicos e humanos através do tempo. Sem pausa ou descanso!

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Calendário maia

Vejo em todo este processo, de discussão e elaboração de estratégias, uma excelente oportunidade de mostrar o quanto é importante um trabalho multidisciplinar não apenas para solucionar problemas presentes, mas como também para prevenir problemas no futuro.

Em verdade, reafirmo a importância e necessidade de um planejamento que tome em conta todos estes aspectos e atenção, muita atenção para não se deixar ‘encantar’ por algo que pode trazer mais problemas e passa bem longe de ser uma Solução para as suas demandas. Consulte sempre um profissional que tome em conta todas as variáveis possíveis e tome em conta seu tipo de documentação, demanda e público alvo. Planejamento sem compulsão, deslumbramento ou pressa são fundamentais.
A digitalização se bem empregada tem excelentes resultados. Como um bom medicamento, indicado por um profissional que tenha claro seu emprego a partir de o diagnóstico certeiro pode trazer excelentes resultados. Mas a automedicação neste caso pode ser fatal.

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para o desenvolvimento e aplicação da Gestão Documental e Memória Institucional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de podermos orientar boas práticas em relação ao uso de ferramentas tecnológicas com vistas a produção e tramitação de documentos digitais.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

*
Referências:
Legislação

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Chamem o carteiro: preciso de boas notícias!

Por: Eliana Rezende

Em que ponto, em que rua ou travessa de sua existência seu carteiro parou?
Sim, aquele personagem que o visitava todos os dias, mas não com faturas de contas ou boletos bancários, cobranças várias, mas sim, aquele que lhe trazia notícias de longe?
Aquele que por anos a fio visitava toda a sua rua e conhecia cada morador por nomes, hábitos e caligrafia?*

Incrível como o tempo e as tecnologias nos afastam de alguns personagens urbanos. O carteiro era destas figuras que por largos tempos eram esperados todos os dias de forma ansiosa num misto de muitos sentimentos. Às vezes havia euforia, risos, contentamento, outras tantas tristeza, preocupação, melancolia, saudades…

Sua vinda representava que alguém em alguma parte havia tomado tempo de suas horas e nos dirigido palavras… muitas carregadas de emoção. Algumas noticias chegavam acompanhadas de pequenos retalhos, detalhes, inserções: pétalas de flores, fotografias, marcas de batom, papéis coloridos, folhas secas,pequenos objetos, recortes de uma existência ou de um momento vivido.

O tempo das escritas manuscritas perdem-se na história, e em alguns casos já não são nem mais referência de coisa alguma. O carteiro e suas cartas em papéis perfumados e coloridos povoam hoje mentes de poucos e em geral, tem em comum uma mesma geração. A mesma que colecionava envelopes, papéis, selos, canetas coloridas. Uma geração que sabia como ninguém o sentido da escrita de próprio punho e o significado de cunhar palavras com tinta sobre papel. Uma geração que entendia a escrita como um gesto de doação e entrega. Afinal, tempo, sentimentos, pensamentos, projetos levam tempo tempo de arquitetura e generosidade de doação.

Era este personagem que carregava em suas mãos nossos amores, segredos, saudades, esperanças, promessas, planos. Em pedaços pequenos, geometricamente cortados eram carregados em ordem numérica no crescer ou decrescer da ordem das casas distribuídas pela rua. A organização das cartas obedecia uma ordem toponímica e geográfica para que o enredo de histórias e lugares se dessem. Afinal eram histórias tramadas à distância que encontrariam numa toponímia qualquer seu desfecho e destinatário.

Apesar de organização antecipada e rígida, pois obedecia uma sequência de localização, nem por isso, deixava de saber o nome do remetente e destinatário. Chamava pelo nome e tinha a certeza de saber de quem se tratava.

Amigo íntimo de cães, senhoras, gatos, moleques e bolas. Tinha de driblar todos para conseguir cumprir sua função que era a de nos fazer chegar as mensagens que trazia.

Sabia guardar segredos e zelava para que nunca uma carta encontrasse mãos erradas ou indevidas. Zeloso cuidador. Fiel guardador. Atento portador.

Em dias de chuva o cuidado era redobrado: afinal a água que vinha do céu não podia estragar sua preciosa carga. Se tivessem que ser molhadas que fossem pelo sal das lágrimas de contentamento ou tristeza de um destinatário qualquer, mas nunca por uma faxina de São Pedro pelos céus da cidade!

Com o seu andar percorria diferentes trajetos, muitas vezes sinuosos, em trechos que poderiam ser longos, incertos e até perigosos. Caminhadas de dias inteiros eram comuns e lugarejos em vilas e aglomerados dos mais distantes tinham a segurança de ser visitados por ele e sua mala de pequenas preciosidades.

Em sua mala à tira-colo havia também revistas, livros, informativos, encomendas diversas.

E ainda haviam os postais.

Ah…os postais!
Quanta imaginação e emoção provocavam.
Receber um era daqueles sinais de mais alta estima e conta. Afinal alguém distante em viagem de passeio ou negócio havia parado, escolhido, postado e enviado uma mensagem que vinha como imagem recortada de um sonho de deslocamento. Quantas gavetas e quantas caixas estes postais encheram por tantos lugares através do tempo. Ofereciam ao seu destinatário a possibilidade de simplesmente embarcar em trechos de belas histórias, em roteiros imagéticos que seriam em um encontro de retorno completamente detalhado e destrinchado com notas e explicações. Com sorte ainda ganhariam fotografias posadas trazidas pelo viajante. E para além de tudo traziam a escrita em próprio punho do emissor.
Em seu verso eramos agraciados com um carimbo de local e data e quase sempre um belíssimo selo. Uma composição para os sentidos e imaginação. Verdadeiros objetos de cultura material, e hoje quase extintos em seu sentido de troca. Únicos e especiais traziam a marca indelével do tempo e da composição de um remetente distante.
Perderam uso e interesse a partir da proliferação de selfies e demais registros digitais: rápidos, mas extremamente descartáveis e até impessoais. As possibilidades de ampla reprodutibilidade tiraram a aura do registro. Seguem apenas como mero instantâneo. Quem faz e quem recebe dificilmente será tocado, como ocorria com o postal trazido pelas mãos do carteiro.

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O postal era uma preciosidade que só nos alcançava graças às mãos e ao trabalho de nosso personagem carteiro.
Portador de tantas histórias miúdas, acontecidas como que a conta-gotas e dia a dia sentia-se feliz e orgulhoso de participar desta troca.

Às vezes chegava-nos urgente, com pressa: trazia um telegrama. Era comum quase esperar sua abertura para saber se haveria risos ou tempestades. A euforia e pressa do destinatário em geral não esperava o portão se fechar.
As palavras aqui eram curtas, cifradas e teriam que valer pela urgência na entrega.

Hoje os tempos são outros. Não sabemos nem o nome e nem a cara de muitos carteiros. As casas diminuíram muito e na imensidão de prédios e condomínios contam com a ajuda de caixas impessoais com números e chaves. Nunca sabemos quem por lá andou e em geral, o volume que nos chega passa muito longe de ser agradável ou motivo de memórias e lembranças. Apenas cumprem uma função logística de distribuição, onde o que conta é mesmo um número dentro de um escaninho ou caixa.

As noticias alcançam-nos por outras vias. Talvez mais rápidas e imediatas, mas com certeza sem a aura de tempo e cuidado dispendido em sua elaboração e destino.

Daí meu pedido tão simples: “Chamem meu carteiro: quero boas noticiais!!!”

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O carteiro como tantos outros que figuram como personagens urbanos tem encontrado muitas transformações ao longo do tempo, em em vários casos, simplesmente desaparecem no cenário urbano ou social.
Trabalhos de Memória Institucional podem resgatar tais personagens e suas práticas de trabalho e nos fazer valorizar tradições e saberes que muitas vezes só se alcançam através de relatos e memórias.

Possui em sua comunidade ou instituição trabalhadores/personagens que tenham esta relação com seu entorno? Gostaria de saber como valorizá-los e transformar tais registros em Patrimônio Cultural? Consulte-nos. Teremos imenso prazer em pensar um Projeto de Memória que melhor se adeque à sua demanda.

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* Post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta.
A inspiração foi do meu carteiro de infância que me acompanhou por toda a minha fase de adolescência até a vida adulta. Meu carteiro ficou na minha rua até se aposentar. Cresci, casei, mudei e nunca mais tive um carteiro para chamar de meu.

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KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?

Por: Eliana Rezende

Era 19 de Janeiro de 2012.
A então centenária companhia fotográfica Eastman Kodak, de 135 anos de existência, por meio de um comunicado oficial anunciava:
“A companhia e suas subsidiárias nos EUA entram com pedido voluntário de ‘proteção’ ao Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos”.
Pioneira dos processos fotográficos a Kodak que tinha sede em Rochester (Nova York) entrava com pedido de concordata.

Você aperta o botão e nós fazemos o resto”.
Esse era o slogan daquela que foi a mais importante fábrica de câmeras e filmes do mundo até seu pedido de concordata.
A Kodak, criada por George Eastman em 1888, foi a primeira a apostar na popularização da fotografia por meio de um modelo de câmara portátil.

Reprodução do poster "The Kodak girl"
Crédito: Reprodução internet. Revista do Correio. Propaganda da Kodak do século 19.

Diante de tal acontecimento, a pergunta por todo o mundo e em todos os meios empresariais era:
Faltou à KODAK visão de futuro?

A pergunta era e é tão instigadora!
Explico:
Como uma historiadora, especialista em preservação e conservação de fotografias do século XIX e XX, não podia deixar de pensar em como uma empresa com uma longevidade imensa podia ser acusada de falta de visão de futuro.

Não poderia pensar em falta de visão para uma empresa que por mais de 100 anos mudou completamente a forma de registrar as imagens do mundo.
Uma empresa que por meio de sua simplificação tecnológica retirou dos ateliês fotográficos a tão sonhada possibilidade de retratar-se: de se expor e por meio de uma pose registrar uma imagem de si para a posteridade…que com um slogan tão simples como: “você aperta um botão e nós fazemos o resto”, mudou comportamentos, atitudes e representações.
Influenciou hábitos, culturas e transformou a publicidade, o jornalismo, as artes impressas – para ficar só em alguns exemplos – numa outra coisa totalmente diversa de tudo o que já havia existido até então.

Até a opção da escolha do nome teve essa preocupação: um som que soasse igual em todo o mundo… daí a palavra Kodak.

imagem 2 - KODAK pressione o botao

Com imagens que eram fixadas em emulsões em gelatina ou com clara de ovos em placas de vidro desde sua invenção (1839) a fotografia passou à rolos de filme com a invenção da KODAK, onde podiam se trocados e revelados transformados em objetos que materializavam imagens de momentos. Era sem dúvida, uma empresa com grande capacidade empreendedora aliada ao domínio de diferentes técnicas.

Em termos estratégicos do século XIX eles atenderam, em muito, os aspectos que tomavam em conta inovações e o perfil da sociedade que estava à sua volta. Souberam imprimir por meio de um dispositivo novas concepções e formas de relações sociais, culturais, comerciais.

Imagem 3 - Anuncio antigo da Kodak

A partir dos anos 1920, a KODAK passa a ter ampla publicidade nas revistas ilustradas mostrando as vantagens de uma máquina portátil, além de oferecer sugestões de situações cotidianas em que se podia utilizar a fotografia.

Imagem 4 - Casal

As pessoas eram incentivadas desde crianças a manipular as câmaras para delas obter as imagens de lembranças agradáveis. Os registros fotográficos eram trabalhados nas revistas ilustradas como sendo o meio para favorecer ou alimentar determinados valores: o lazer desfrutado em família, o carinho dos pais pelos filhos ou o registro de horas agradáveis ao lado de amigos e familiares.

Imagem 5 - memorias

Às vezes grandes passos passam desapercebidos no seu tempo: não encontraram terreno fértil para se desenvolver. Em outro tempo e sob outras condições tornam-se amplamente fecundos.
As artes, a literatura, a técnica, a medicina… entre outras áreas de saber que o digam!
Em um momento da história social e cultural, a Kodak representou o que havia de mais inovador e ambicioso.
Revolucionou padrões e criou um novo paradigma para a sociedade.

Vejo as organizações como seres que se constituem e dialogam com seu tempo. Mas como tudo tem seu momento de ápice e derrocada. Infelizmente uma empresa desse porte e com uma história tão consistente tenha se perdido exatamente no caminho que ela própria trilhou por mais de 100 anos e com muito sucesso, sem medos de inovar e de romper com antigas formas.

Ela não se sustentava sobre o nada, e inúmeras vezes mostrou capacidade de ler e atuar no mundo e na sociedade em que estava. Tinha como principal tradição o componente criativo e empreendedor. Era o seu DNA!

Alguns argumentarão que, só para resumir, estavam os tais prováveis erros capitais e como a empresa tentava solucioná-los. A listas enumerando os erros da empresa cresciam, bem como os debates sobre o mesmo. Dentre eles, escolho as palavras de Mércia Neves*. Além dela, você pode também ler outros com perspectivas semelhantes e que cito como as mais constantes:

1 – Ignorar as mudanças do mercado
Desde o início dos anos 90, o fim do filme fotográfico era visto como questão de tempo. A Kodak tentou negar essa realidade de todas as formas e manteve seu modelo de negócios inalterado. O que foi feito – Nos últimos cinco anos, a Kodak vem tentando reduzir sua dependência dos produtos de fotografia tradicional, um negócio que, apesar de decadente,ainda é o mais lucrativo da empresa
2. – Hesitar ao adotar novas tecnologias
A primeira câmera digital foi desenvolvida pela Kodak em 1976. A empresa, no entanto, levou 25 anos para levar esse negócio a sério, quando o mercado já estava tomado pelos concorrente. O que foi feito: A empresa deu uma forte guinada em direção às câmeras digitais e se tornou líder nos Estados Unidos em 2003. Hoje, esse é um negócio pouco promissor em razão das margens reduzidas
3. – Desprezar a inovação
A Kodak sempre foi pródiga nos gastos com pesquisas, o que resultou em uma vasta base de patentes. No entanto, a maioria das inovações ficava na gaveta ou era licenciada a terceiros. O que foi feito- Antigas inovações da empresa, como as telas de OLED e sistemas de impressão com jato de tinta, foram recuperadas, atualizadas e aplicadas no desenvolvimento de novos produtos
4. – Manter uma estrutura fossilizada
Uma das heranças negativas do fundador George Eastman foi uma cultura corporativa hierarquizada e lenta na tomada de decisões. Isso atrasou dramaticamente as mudanças na empresa. O que foi feito – Uma das prioridades da reestruturação foi injetar sangue novo na empresa e mudar a cultura corporativa. Hoje, 60% dos funcionários da Kodak têm menos de três anos de empresa.”
À luz desse cenário prever o futuro da Kodak já era uma “aposta de alto risco”.
É nítida aqui ma postura equivocada dos que estavam a frente no comando e que eram movidos por outras causas que no atual momento não conseguimos perceber bem porque”.

Exposto isso, creio mesmo é que análise mais completa se dará dentro de várias décadas quando se poderá olhar todo o percurso e verificar que foi que faltou…

kodak-files-for-bankruptcy-protection

Em História não julgamos contemporaneamente: deixamos o tempo trazer as respostas. Todo e qualquer julgamento é precipitado e não encontrará soluções que se sustentem. Serão apenas e tão somente pontos de vista. No imediatismo do momento poderemos fazer juízos de valor que simplesmente não serão cabíveis em algumas décadas. A História é antes de tudo feita por movimentos, e que em muitos casos ocorrem de forma quase imperceptível.
Será preciso pensar a empresa, o seu tempo e a cultura social… muito mais do que aspectos técnicos e organizacionais.

Como digo… olho sempre como humanista…

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*O post aqui chega a ser uma homenagem póstuma a uma grande profissional que foi interlocutora em vários debates dos quais eu participei ainda no inicio de minha atuação em Grupos de Discussão no LinkedIn, Mércia Neves.

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Esta é uma versão revista e atualizada de um post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta 
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